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A liberdade de cátedra e os direitos do professor em sala de aula em tempos de perseguição

05/11/2018 às 14:00

Resumo:


  • A liberdade de cátedra é um princípio que assegura aos professores a liberdade de ensinar e discutir diversos assuntos em sala de aula, garantido pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no Brasil.

  • Discussões sobre doutrinação ideológica geralmente visam controlar e limitar a pluralidade de ideias que os professores podem levar aos alunos, sendo que a neutralidade completa em assuntos humanos é praticamente impossível.

  • Professores que se sentirem acusados de doutrinação podem tomar medidas legais, como denunciar ao Ministério Público, buscar reparação por danos morais e materiais, e buscar apoio da direção da escola ou de um advogado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Muito se fala que os professores, em todos os níveis de ensino, do infantil a graduação, possuem liberdade de cátedra para atuação. Mas o que, de fato, é isso?

Nessa semana uma deputada federal eleita acusou os professores brasileiros de “doutrinarem ideologicamente” os alunos durante as aulas e diante disso criou um canal para que sejam feitas "denúncias". Muito se fala que os professores, em todos os níveis de ensino, do infantil a graduação, possuem liberdade de cátedra para atuação. Mas de fato, o que é isso?

A liberdade de cátedra ou liberdade de ensino nada mais é que um princípio que assegura a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, enfim, é a liberdade plena que os professores possuem de discutir diversos assuntos que entendam importantes para o ensino em sala de aula e em seus grupos de pesquisa ou estudos.

A legislação brasileira garante a liberdade de cátedra dos professores:

Constituição Federal:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; (…).”

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394/96:

“Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; (…).”

A ministra Carmem Lucia se manifestou da seguinte maneira em análise a ADPF 548:

“Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo que a pode até mesmo contrapor ao Estado. Por isso não pode ser impedida, sob pena de substituir-se o indivíduo pelo ente estatal, o que se sabe bem onde vai dar. E onde vai dar não é o caminho do direito democrático, mas da ausência de direito e déficit democrático Portanto, qualquer tentativa de cerceamento da liberdade do professor em sala de aula para expor, divulgar e ensinar é inconstitucional. ( ..)  Também o pluralismo de ideias está na base da autonomia universitária como extensão do princípio fundante da democracia brasileira, que é exposta no inc. V do art. 1o. da Constituição do Brasil.”

Portanto, a Constituição garante a liberdade de expor ideias e pensamentos, a liberdade pedagógica dos professores.

Em caso muito conhecido na historiografia mundial, relatado no livro crianças selvagens ilustra bem a importância da educação e da liberdade dos professores em ensinar, para a construção da sociedade como marco civilizatório. Quando duas meninas conhecidas em seu país por Amala e Kamala foram encontradas em 1920, nos seus presumidos 2 e 8 anos num covil de lobos na Índia, em Midnapore e, pela ausência de oportunidade educacional entre humanos, não tinham capacidade de permanecer de pé, caminhavam utilizando os cotovelos e joelhos, não falavam, emitiam uivos apenas, não sorriam, não se reconheciam ao espelho, alimentavam-se de carnes cruas e podres mas, mesmo diante dessa pobreza humana, demonstravam um imenso interesse em aprender.

Essa história demonstra que fora da educação somos meramente animais. É na educação que garantimos a nossa civilidade, a formação da cultura e a arte de pensar. Fora da educação, reduz-se a muito pouco, e mais, de que a função de quem ensina é transformar para melhor a natureza humana e a sociedade por meio do aperfeiçoamento da condição humana.

Portanto, a liberdade de cátedra, que possui como protagonista o professor, não abrange a condução de pensamento único, mas a um direcionamento que para ser efetivado precisa alcançar os alunos e levá-los ao debate.

Doutrinação ideológica? Isso existe?

Qualquer debate em torno da liberdade de cátedra dos professores é mero controle limitativo da liberdade de levar a pluralidade de ideias aos alunos.  Não existe neutralidade quando se trata de assuntos humanos.

É impossível ser neutro nas relações humanas, notadamente as que envolvem a liberdade de ensinar e aprender, mas importa discutir se, na verdade, a referida neutralidade é desejável quando o tema é liberdade de cátedra e educação, pois não se poderá afastar o caráter ideológico das próprias teorias pedagógicas uma vez que estas se ligam diretamente às práticas docentes.

A realidade educacional brasileira é dura para a maioria dos professores país afora. Muitos indagam que professores e professoras doutrinam ideologicamente seus alunos para seguirem ideologia “A” ou “B”, muitas vezes sem conhecer a realidade da sala de aula. Os professores competem a atenção dos alunos com celular, a internet e não consegue, muitas vezes registrar com tranquilidade a presença dos alunos em sala de aula. Os alunos e os professores convivem com escolas, grande parte, estruturalmente precárias, professores sofrem de baixo salários e é uma das categorias que mais adoecem no país.

Se for acusado de doutrinação, o que devo fazer?

  • Os alunos podem gravar minhas aulas?

Não! A Constituição da República garante que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Portanto, se quaisquer pessoas gravarem as aulas dos professores sem autorização poderão responder por danos morais e materiais que por ventura ocorrerão em razão da violação legal. De outro modo, as aulas dos professores estão protegidas pela lei de propriedade intelectual.

  • Se me expuserem nas redes sociais me acusando de doutrinador o que devo fazer?

O professor poderá denunciar ao Ministério público os fatos, separar todas as cópias da exposição para ser utilizada como provas. O professor poderá entrar com ação de indenização por danos morais por calúnia e difamação, se houver.

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  • Em quaisquer outras situações em que o professor identificar que está sendo limitada a sua liberdade de cátedra, deve imediatamente: a) buscar a direção da escola para buscar dentro do âmbito escolar resolver o problema; b) denunciar ao Ministério Público ou à Defensoria o acontecimento c) buscar um advogado para analisar seus direitos.


Referência:

OLEDO, Cláudia Mansani Queda de. Direito à liberdade de cátedra. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/102/edicao-1/direito-a-liberdade-de-catedra

https://bit.ly/2yIOzVE

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Sobre o autor
Arnon Amorim

Advogado - OAB/ES 30.733

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Arnon. A liberdade de cátedra e os direitos do professor em sala de aula em tempos de perseguição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5605, 5 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70034. Acesso em: 22 dez. 2024.

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