Capa da publicação Os limites da terceirização: até onde podem ir os empresários?
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Os limites da terceirização no atual contexto social

30/01/2019 às 17:45
Leia nesta página:

Terceirizar qualquer atividade da empresa é possibilitar que o empregador reduza os custos com encargos sociais, possibilitando um aparente aumento do emprego. Quais os reflexos disso e quais os limites dessa terceirização?

RESUMO: O tema é a análise da terceirização irrestrita e seus efeitos positivos e negativos no atual contexto social. Identifica-se com o objeto do artigo a busca de formas legítimas e adequadas para resolver os conflitos, com a imposição de limites à terceirização, como forma de impedir o retrocesso social.

Palavras-chave: Terceirização Irrestrita. Limites. Retrocesso social. Garantia do patamar mínimo civilizatório.


1 INTRODUÇÃO

A terceirização teve como marco inicial a Lei 6.019/74, que tratou, em sua redação original, de forma pontual, do Trabalho Temporário - 1ª modalidade de terceirização. O legislador impôs alguns limites à terceirização: dispunha que somente seria possível para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços, não podendo exceder de três meses.

Isto é, trazia, em seu bojo, limitação à terceirização, determinando as hipóteses legais em que seria possível terceirizar qualquer tipo de atividade, bem como o respectivo prazo, a fim de evitar a precarização dos direitos sociais.

Posteriormente, foi inserida, no ordenamento jurídico, a Lei 7.102/83, que trata da terceirização dos vigilantes (2ª modalidade) – possibilitando que fosse realizada sem limitação de prazo, conforme interpretação dada ao art. 10, § 2º, do referido diploma.

Mais tarde, inevitavelmente, com a crescente substituição do homem por máquina, o aumento desenfreado do capitalismo e a consequente redução de emprego, mostrou-se imprescindível o alargamento da terceirização, sendo possível identificar que a única restrição seria a impossibilidade de terceirizar atividades não essenciais, conforme jurisprudência assente do Tribunal Superior do Trabalho (súmula 331).

Atualmente, não se faz mais necessária a discussão acerca da possibilidade de terceirizar atividade essencial, porque foi autorizada pela Lei 13.467/2017 – legislação superveniente que tornou inócua a aplicação do entendimento sumular que dispunha em sentido contrário.

Contudo, serão apresentados os seguintes problemas:

• Quais os efeitos positivos da terceirização irrestrita e como garantir o patamar mínimo civilizatório?

• Quais os efeitos negativos da terceirização irrestrita e quais os prejuízos pode ocasionar à sociedade a curto, médio e longo prazo?


2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

O objetivo precípuo desta pesquisa é analisar os conflitos das relações de trabalho com implantação da terceirização irrestrita, bem como investigar seus influxos sobre a questão da precarização dos direitos sociais no contexto da sociedade como um todo, principalmente, como forma de viabilizar o patamar mínimo civilizatório. 


3 METODOLOGIA

3.1 Marco teórico

Para a persecução dos objetivos da presente pesquisa, será adotado como marco teórico principal, a teoria conceitual proposta por Bernard Edelman de que o trabalhador vende “trabalho”, não força de trabalho,  mas trabalho, isto é o preço de seu trabalho. O capitalista paga o valor da utilidade que o operário lhe dá, e não o da força de trabalho que o operário não parece alienar.

A partir do momento em que o contrato de trabalho é um contrato de venda do trabalho, cuja contraprestação é o salário; a partir do momento que a “relação monetária oculta o trabalho gratuito do assalariado”, a relação real entre capital e trabalho torna-se invisível. É na forma salário que o contrato de trabalho torna tecnicamente eficaz – que repousam todas as noções jurídicas, tanto do trabalhador, como do capitalista, todas as mistificações do modo de produção capitalista, todas as ilusões de liberdade, todas as tolices apologéticas da economia vulgar.

Pode-se compreender como o contrato de trabalho reproduz o direito de propriedade, e como o direito de propriedade reproduz o contrato de trabalho. De um lado, o contrato de trabalho aparece como uma técnica de venda do trabalho, que só dá direito a um salário; de outro, o proprietário dos meios de produção compra a força de trabalho sob a forma de salário e incorpora juridicamente à sua propriedade.

A propriedade privada dos meios de produção não se estenderia à propriedade sobre a pessoa dos trabalhadores. Por conseguinte, os trabalhadores, que não deixam de ser “homens”, “sujeitos”, não podem ser privados de seus direitos de pensamento, de expressão e informação. Entenda-se: o operário não é uma máquina, ele permanece investido dos “direitos do homem”. Entenda-se ainda só se pode opor, em direito ao operário, como “propriedade do do empregador”, o operário detentor de liberdades públicas.

O direito de propriedade não impede que o proprietário seja obrigado a aceitar certo número de imposições de interesse social que não põem em causa seu direito de propriedade. Entenda-se: o direito de propriedade deve acomodar-se à existência dos operários que são “homens”; a “humanização” do operário é uma “imposição de interesse social” (EDELMAN, Bernard, 2016, p.30).

3.2 Procedimentos metodológicos

A pesquisa que se propõe pertence ao tipo de investigação projetivo. A técnica de pesquisa selecionada para a investigação proposta é a pesquisa de campo, na modalidade estudo de caso.

3.3 Dados da pesquisa

Os dados da pesquisa relacionam-se aos contratos sociais, balanço financeiro, valor de mercado e demais informações colhidas na rede mundial de computadores acerca das empresas que terceirizam seus serviços, bem como a relatos dos trabalhadores terceirizados entrevistados diretamente, por meio de questionários eletrônicos ou depoimentos publicados em redes sociais.


4 DESENVOLVIMENTO

4.1 Efeitos POSITIVOS da terceirização irrestrita

Em 2015, o IBGE realizou pesquisa a respeito dos aspectos trabalhistas no Brasil. Um de seus questionamentos apontou que, na época, 20% dos trabalhadores nacionais eram contratados de forma indireta (por locadora de mão de obra ou intermediador). Dessa porcentagem, 30,4% eram empregados de empresas terceirizadas. Porém, um dado que chama a atenção é o grau de satisfação desses trabalhadores com as condições de trabalho encontradas frente aquilo que foi pactuado: 70,7% declararam-se satisfeitos.

É notório que o modelo de contratação intermediária movimentou o mercado de trabalho brasileiro e estes números figuravam, até a data da pesquisa, a realidade de empregados nas atividades-meio de empresas. Setores como a segurança, limpeza e conservação eram os mais beneficiados.

A decisão recente do STF sobre a constitucionalidade da terceirização irrestrita, ou seja, abrangente às atividades-fim das empresas, fez com que o Brasil entrasse num ramo que já tem muita força nos países mais desenvolvidos, como Estados Unidos e Inglaterra, usuários desse modelo de prestação de serviços em seus ordenamentos jurídicos.

De fato, a decisão, que foi por muito tempo resistida, contribui para uma geração ascendente de possibilidades ao trabalhador. Um dos maiores receios seria uma abertura para a reiteração de contratações na modalidade referida para reduzir custos ao empregador e fraudar a legislação trabalhista. Os arts. 4°-A, 4°-B e 5°-A, recentemente alterados pela lei n° 13.429/2017, trazem uma série de requisitos substanciais para o efetivo funcionamento regular de uma prestadora de serviços.

O art.  9°, caput, da Lei n° 6.019/74 diz ainda que “o contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a tomadora de serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade fiscalizadora no estabelecimento da tomadora de serviços”, ou seja, a possibilidade de fiscalização de possíveis irregularidades é ainda maior com a inovação legislativa.

Na Arguição de descumprimento de preceito fundamental 324/DF, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se a respeito dos possíveis impactos da terceirização irrestrita na sociedade e no ambiente jurídico (fl.10): “Terceirização da atividade-fim continua reputada como ato de fraude à legislação trabalhista, instrumento voltado a afastar aplicação das normas imperativas de proteção ao trabalhador, equiparável à comercialização de mão de obra, razão pela qual é considerada prática ilícita (CLT, art. 9°). Terceirizar atividades finalísticas esvazia o valor social da livre iniciativa (CR, art. 1°, IV) e reduz empresas a mero instrumento de lucro, ao liquidar diversas funções sociais que a Constituição atribui ao capital produtivo (arts. 5°, XXIII, e 170, III), entre as quais a de promover emprego com proteção social eficaz (art. 7°) na atividade-fim empresarial, para permitir pleno gozo dos direitos fundamentais sociais. ”

É interessante analisar que o desejo, ao elaborar tal inovação não é esvaziar o valor social da livre iniciativa e tampouco tornar as empresas em meras fontes de lucro sobre uma mão-de-obra menos onerosa. Diferentemente do modelo de multiterceirização europeu (que tem uma pessoa jurídica ficta como tomadora de serviços e todos os trabalhadores da organização terceirizados), o que se pretende é a possibilidade de adicionar ao ambiente de trabalho, ainda que se refira a atividade principal, trabalhadores terceirizados de empresas que tenham especialização no serviço em questão.

Ainda sobre as atividades realizadas, Carla Teresa Martins traz a seguinte definição para atividade-fim: “aquela que se encaixa como essencial na finalidade para a qual a empresa foi constituída, coincidindo com seu objetivo social. São, portanto, as atividades principais, nucleares, desenvolvidas pelo prestador de serviços. ” (ROMAR, Carla Teresa Martins, 2014, p. 116)

A título de exemplo, tem-se a possibilidade de uma indústria automobilística contratar funcionários exclusivamente para a montagem de câmbios; uma fabricante de instrumentos musicais contratar trabalhadores terceirizados para o tratamento das madeiras utilizadas. As citadas opções já são utilizadas em outros países, fato que gera empregos nas mesmas condições dos trabalhadores vinculados ao tomador e otimiza a produção.

O que a decisão não modifica e a lei garante é que não pode haver subordinação direta e pessoalidade entre tomador e empregado da fornecedora de mão-de-obra. As possibilidades de fiscalização, como já citadas, são inúmeras e eficientes. Destaca-se para análise os seguintes julgados:

“TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA À EMPRESA PRESTADORA DE MÃO DE- OBRA. VÍNCULO DIRETO COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. IMPOSSIBILIDADE. Provada a subordinação jurídica à empresa fornecedora de mão-de-obra e não ao tomador, inexiste fraude na contratação, descabendo o reconhecimento do vínculo empregatício com esse último. Apelo obreiro improvido.” (TRT-1 - RO: 00002796220135010006 RJ, Relator: Rosana Salim Villela Travesedo, Data de Julgamento: 08/04/2015, Décima Turma, Data de Publicação: 28/04/2015).

“TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA. SERVIÇOS RELACIONADOS À ATIVIDADE-MEIO DO BANCO. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO DIRETA DA OBREIRA AO TOMADOR DOS SERVIÇOS. Verificado que a trabalhadora executava atividades meramente burocráticas concernentes à atualização cadastral, prestação de informações, baixa de gravames de veículos e cancelamento de cartões em virtude de perda, roubo ou extravio, sem envolver venda de produtos, concessão de empréstimos, cobranças ou negociações de dívidas dos clientes dos bancos, bem como que não estava diretamente subordinada aos prepostos do tomador dos serviços, reputa-se lícita a terceirização da mão-de-obra.” (Processo: RO - 0000738-92.2014.5.06.0005, Redator: Ana Catarina Cisneiros Barbosa de Araujo, Data de julgamento: 15/11/2017, Quarta Turma, Data da assinatura: 20/11/2017)

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Fica clara a percepção de que, a abertura à nova modalidade de terceirização traz como um de seus requisitos primordiais a observância da boa-fé objetiva nas contratações, princípio basilar também no Código Civil (art. 187 CC/02) e contido no Enunciado n° 4 da I Jornada de Direito do Trabalho. Porém, é de se destacar que a Justiça do trabalho tem capacidade ímpar para a análise de possíveis ameaças ou lesões aos direitos trabalhistas, como observa-se nos julgados apresentados.

Outro receio superado com o decisum do STF era o da possível supressão de contribuição previdenciária para os prestadores de serviço, ato que afrontaria o art. 7°, XXVIII da CFRB/88. Recente alteração da lei n° 8.212/91 pôs fim ao temor. Leia-se: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:  I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.”

É importante ressaltar que as normas jurídicas precisam atender e se adequar às realidades sociais do país, caso contrário correm o risco de serem válidas, porém ineficazes.

Sobre o tema, diz Miguel Reale em sua obra “Lições preliminares de Direito”: “A eficácia se refere, pois, à aplicação ou execução da norma jurídica, ou por outras palavras, é a regra jurídica enquanto momento da conduta humana. A sociedade deve viver o Direito e como tal reconhecê-lo. Reconhecido o Direito, é ele incorporado à maneira de ser e de agir da coletividade.

Tal reconhecimento, feito ao nível dos fatos, pode ser o resultado de uma adesão racional deliberada dos obrigados, ou manifestar-se através do que Maurice Hauriou sagazmente denomina “assentimento costumeiro”, que não raro resulta de atos de adesão aos modelos normativos em virtude de mera intuição de sua conveniência ou oportunidade. ” (REALE, Miguel, 2002, p. 91).

 Depreende-se que as normas precisam vislumbrar a realidade para uma real efetividade. A ampliação da terceirização já era querida e levada a discussão há bastante tempo no país, conforme mostra a pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) em 2004 a respeito do PL 4330/04.

Até mesmo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) preocupou-se com o tema e propôs estudos e orientações em âmbito mundial. Observou-se que terceirização de mão de obra vem tomando força em vários países, atendendo, assim, à evolução do mercado laboral em novas modalidades, com a finalidade também de crescimento econômico frente a modernização tecnológica.

A Organização recomendou, em 2017, que fosse observada, além da flexibilidade, a segurança aos direitos do trabalhador, a chamada “flexicurity”, pois são inevitáveis, infelizmente, as possibilidades de fraude à legislação. Atento a isso, o Supremo Tribunal Federal, decide também pensando na modernização da legislação com vistas a adaptar o país às transformações iminentes, sem deixar de assegurar que o trabalhador será respeitado social e legalmente, valorizado por suas atividades e abre possibilidades para novas formas de atuação.

 4.2 EFEITOS NEGATIVOS DA TERCEIRIZAÇÃO IRRESTRITA

4.2.1  LIMITES DA TERCEIRIZAÇÃO      

A possibilidade de terceirizar qualquer atividade confere poderes, em demasia, ao empregador, que detém todo o controle sobre o trabalho e o utiliza como se fosse sua propriedade. Já se foi o tempo em que se permitia que o empregado fosse tratado como mercadoria, mas, apesar da luta constante para se alcançar o patamar mínimo civilizatório, o STF resolver ratificar a determinação imposta pela arbitrária norma (Reforma Trabalhista), permitindo o retrocesso ao século XVIII – Estado Liberal, época em que as leis eram criadas a favor da burguesia.

O Direito do Trabalho é, contudo, uma categoria de impossível apreensão sem o conhecimento cabal de seu passado. E é-o na medida em que a delimitação do seu domínio, das suas tendências, do seu nome, inclusive, conserva um aspecto original. Os ordenamentos laborais modernos dos países do capitalismo maduro oferecem uma realidade institucional que, quando muito, conta apenas cento e cinquenta anos de história e que, de modo substancial e sem prejuízo – é claro – das profundas transformações experimentadas no seu seio, se encontra perfilhada desde suas origens (PALOMEQUE LOPES, Manuel Carlos, 2001, p.31-32).

A doutrina de Marx considera o trabalho como dado central para se entender o processo econômico de produção e circulação do capital. A discussão com os economistas clássicos, como Adam Smith, mostra que o trabalho aparece como o único meio de produção capaz de agregar valor aos bens.

O importante é perceber que todas as mercadorias possuem valor de uso e valor de troca.

A troca de mercadorias e dinheiro já existiam antes do capitalismo. O que então faz com que sejam percebidas como forma específica do capital? A resposta está exatamente na mercadoria chamada força de trabalho. Ou seja, de novo o trabalho como central na teoria de Marx.

Sendo o trabalho o único meio de produção que produz valor, no capitalismo, a grande sacada é a sua dominação e expropriação por outro que detém os demais meios de produção, como forma de acumulação de sua riqueza. A percepção de sua expropriação como forma de acúmulo de riqueza de uma classe e montagem de todo um sistema (o capitalismo) é obra do engenho de Marx.

Exemplificando: Uma pedra, na natureza, é apenas uma pedra. Descoberto que se trata de uma jazida de plutônio, trata-se de matéria-prima importantíssima. No entanto, acreditar que a jazida ou os instrumentos utilizados no seu processamento é que geram a riqueza se trata de uma ingenuidade.

Sem o trabalho de alguém que, devidamente preparado, descobrisse as propriedades daquela jazida ou mesmo sem a descoberta, pelo trabalho humano, das formas de processamento, aquela jazida seria, na natureza, uma como tantas outras. Mas não apenas o trabalho intelectual é importante aqui. Esse de nada valeria sem o esforço de operários que realizam, com a força de seus músculos, o processamento.

Portanto, nem matéria-prima e nem máquinas, como se costuma pensar, produzem a riqueza do capitalista. O que produz a sua riqueza é a apropriação do trabalho alheio, para gerar valor (mais-valia). Assim, detendo os outros meio de produção, o capitalista quer agregar valor a esse capital e somente pode fazê-lo por meio da exploração do trabalho alheio.

Logo, dinheiro ou troca de mercadorias aqui somente têm sentido com a apropriação da força de trabalho alheia, esta também considerada agora no capitalismo como mercadoria. Essa a grande sacada do capitalismo em relação aos outros modos de produção. Para que se possa aumentar a extração da mais-valia, diversamente de outras expropriações que já ocorreram anteriormente no seio da sociedade, é importante que o possuidor desta mercadoria (força de trabalho) se sinta livre e igual a qualquer proprietário, para operar no mercado a sua troca.

Essa nova relação social específica, que diverge de troca de mercadorias em uma sociedade com escravos (antiguidade) ou com servos (idade média), promove uma nova dimensão do valor de troca das mercadorias em geral, com o dado específico de que a mercadoria força de trabalho aparece – apenas aparece, atenção para esse termo – como se fosse realizada por sujeitos proprietários que são tratados como livres e iguais.

Conforme leciona a Pachukanis, é imprescindível, pois, conceber-se o direito enquanto forma social, e uma forma que se distingue por trazer em si o chamado princípio da subjetividade jurídica, entendido como “o princípio formal da liberdade e da igualdade; da autonomia da personalidade etc.” (PACHUKANIS, 1988, p. 10).

O que caracteriza o direito é a figura do sujeito de direito, a consagração do indivíduo como uma pessoa abstrata, desgarrada de vinculações estamentais.

Ora, esse indivíduo abstrato só tem lugar na história num período bastante determinado, é dizer, a época das relações de produção capitalistas. Foi com o entranhamento da relação de capital na produção material da vida que a sociedade burguesa erigiu-se como tal. Isto se deu, sobretudo, com a subsunção real do trabalho ao capital e com o surgimento da grande indústria capitalista, organizada em torno do trabalho produtivo do trabalhador coletivo e do ciclo do capital industrial. Nessa perspectiva, compreende-se a emergência do sujeito abstrato, e que reflete a abstração do trabalho na troca de mercadorias e também na própria produção do valor.

 Nessa senda, é possível compreender as recentes transformações que o Direito do Trabalho vem sofrido, em especial, quanto ao instituto da terceirização.

 Terceirizar qualquer atividade da empresa é possibilitar que o empregador reduza os custos com encargos sociais, porque ele poderá contratar um empregado terceirizado, cuja mão de obra é mais barata, possibilitando um aparente aumento do emprego, porém, em contrapartida, culminará na redução da qualidade de vida dos empregados de um modo geral. Afinal, todos os empregados, agora, poderão ser terceirizados. Mas qual é o limite dessa terceirização?

 Toda a história remete à reflexão, no sentido de que a luta da classe operária não pode ser em vão. Há respaldo no ordenamento jurídico brasileiro e internacional que permite impedir a violação às garantias mínimas fundamentais.

 Com a permissão da terceirização das atividades essenciais da empresa,  fica claro que o padrão do salário dos terceirizados não será o mesmo que o do empregado diretamente contratado pela empresa tomadora de serviços.

 O Poder Judiciário Trabalhista poderá interpretar as normas à luz da Constituição, que servirá de arcabouço de proteção aos direitos dos trabalhadores no atual contexto social. Hoje, mais do que nunca, a sociedade deve permanecer unida para impedir qualquer desmonte da Justiça do Trabalho e às suas normas e princípios fundamentais.

  O Estado deve continuar intervindo nas relações jurídicas trabalhistas, porque há direitos de indisponibilidade absoluta, como o próprio salário e normas inerentes à saúde e segurança. Não há possibilidade alguma de o Estado deixar de se imiscuir quanto à análise das normas em sentido latu sensu.

  Pode-se afirmar que a terceirização não é totalmente irrestrita, porque para que seja lícita, sua natureza jurídica não pode ser descaracterizada. A terceirização é uma relação contratual trilateral, formada entre a empresa-prestadora de serviços que contrata diretamente o empregado para prestar serviços para um terceiro (tomador de serviços), o qual não poderá, em hipótese alguma, emitir ordens diretas para este empregado terceirizado, sob pena de caracterizar,na realidade, uma relação bilateral, sujeitando-se o tomador de serviços a reconhecer o vínculo de emprego direto com este empregado.

4.2.2 APLICAÇÃO DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO NA TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA

A teoria finalista da ação, também conhecida como teoria do domínio do fato, aduz resumidamente que ninguém pode responder penalmente sobre um fato que não detém domínio; tal teoria surgiu em meados de 1939, e o seu propagador foi o jurista alemão Hans Welzel, é dele a tese de que, nos crimes dolosos é autor quem tem o controle final do fato (Bitencourt, Cezar Roberto, 2004, p.439).

No Brasil, a teoria do domínio do fato tornou-se mais evidente no  julgamento da Ação Penal 470, distinta popularmente como o “Mensalão”.

O ex-ministro do STF, Dr. Joaquim Barbosa, além de outros ministros, no relevante caso que se tornou popular pelo nome de “Mensalão”, condenaram o ex-ministro da casa civil, José Dirceu, em virtude de que este chefiava aludida organização criminosa, e tinha o domínio do fato, ou seja, a participação na empreitada criminosa.

Na esfera trabalhista, a aplicação desta teoria se torna imprescindível para análise dos casos em que as empresas comandam as respectivas cadeias produtivas, mas terceirizam a produção justamente para tentar se dissociar da responsabilidade da contratação de empregados que trabalham em condições análogas à da escravidão.

Entre os setores recentemente investigados pelos procuradores do trabalho, e nos quais eles dizem ser comum a prática, estão o da construção civil, o de frigoríficos, o sucroalcooleiro, de fazendas e vestuário. A título de exemplo, só nos últimos dois anos viraram alvo de operações do Ministério Público a construtora MRV, maior parceira do governo federal no programa Minha Casa, Minha Vida, a grife multinacional Zara e o grupo GEP, detentor das marcas de roupas Luigi Bertolli, Cori e Emme.

Todas essas empresas estão no topo de cadeias produtivas nas quais auditores e procuradores do trabalho encontraram o uso de mão de obra escrava durante as operações - jornadas exaustivas de até 16 horas, pagamento por produtividade e moradia precária no mesmo local do trabalho. Todas terceirizavam a produção, subcontratando outras empresas que forneciam a mão de obra e o produto, e todas alegam que não tinham conhecimento das condições a que os fornecedores submetiam empregados. As empresas sustentam que não podem ser responsabilizadas porque os funcionários não eram seus.

A súmula 331, item III, do TST proibia a terceirização da atividade-fim das empresas. Significa dizer que uma fábrica de roupas poderia terceirizar atividade-meio do trabalho, como o serviço de limpeza, mas não poderia terceirizar a produção de roupas. Contudo, tal interpretação jurisprudencial se tornou inócua com a superveniência da Lei 13.467 de 2017, que alterou o art. 5-A da Lei 6.019 de 1990, autorizando a terceirização de atividade-fim.

Como exposto anteriormente, a terceirização tem limites. Deve-se analisar, de forma aprofundada, cada caso, para identificar a presença ou não da subordinação jurídica entre a empresa tomadora de serviços e o empregado terceirizado. Havendo a referida subordinação, estará configurada a ilicitude dessa terceirização, e, por consequência o Poder Judiciário poderá reconhecer o vínculo de emprego direito com o tomador.

Nada obstante, a legislação não excluiu a responsabilização subsidiária da tomadora de serviços, ainda que a terceirização seja lícita, de acordo com o art. 5º-A, §5º, da Lei 6.019 de 1990 e, a depender do caso concreto, poderá ser reconhecida, inclusive, sua responsabilidade solidária, caso  comprovado algum dano causado diretamente ao empregado,  mormente em se tratando de trabalho escravo (art. 149 do CP), por aplicação da teoria do domínio do fato e em especial atenção ao art. 942 do CC combinado com o art. 8º, § 1º, da CLT.

4.2.3 DADOS ESTATÍSTICOS       

   Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 91% das empresas que desejam terceirizar seus serviços tem como motivação a redução de custos e apenas 2%, a especialização técnica. A estratégia central das empresas, é buscar otimizar seus lucros e reduzir preços, através de baixíssimos salários, altíssimas jornadas e pouco ou nenhum investimento em melhoria das condições de trabalho, que passam a ser responsabilidade da subcontratada

A decisão do Supremo Tribunal Federal autoriza indiretamente a dispensa em massa, com o propósito de economizar recursos, tendo em vista que os empregados terceirizados recebem, em média, 25% a menos que os contratados de modo direto pelas empresas, precarizando de forma significativa os salários.

 A saúde financeira das empresas terceirizadas é instável, os trabalhadores são expostos ao limite, trabalham anos sem férias, além de não haver equipamentos de proteção suficientes e não estarem de acordo com as normas regulamentares do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Com isso, prejudicará ainda mais a segurança do trabalhador, porque, na prática, qualquer empresa poderá terceirizar até 100% dos seus funcionários, caso entenda conveniente.

 Ao observar o índice de acidentes de trabalho graves e fatais, é assustador o elevado número entre trabalhadores terceirizados. Na mesma pesquisa, a cada dez acidentes de trabalhos ocorridos no Brasil, oito são registrados em empresas terceirizadas e nos casos em que há morte, quatro entre cinco ocorrem em empresas prestadoras de serviço.

 No ano de 2010, foi realizado um estudo pela subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) do Sindeletro/MG, onde entre 2006 e 2008 foram registradas 239 mortes de trabalhadores por acidente de trabalho. Desse número, 80,7% (193) eram terceirizados, além disso, no mesmo período, a taxa de mortalidade entre os trabalhadores terceirizados foi de 55,53 contra 15,06 entre os trabalhadores diretos.

Os trabalhadores terceirizados, além de perceber um salário menor em relação aos trabalhadores contratados diretamente, trabalham cerca de 3 horas a mais semanalmente, e a permanência no trabalho é, em média, de 2,6 anos para os terceirizados, já para os trabalhadores diretos é de 5,8 anos, segundo o relatório apresentado em 2011 pela DIEESE e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).


5 CONCLUSÃO

Diante do cenário relatado, mostra-se imperiosa a implantação de políticas públicas para viabilizar o equilíbrio econômico-financeiro das empresas e o patamar mínimo civilizatório (direitos sociais-fundamentais) do trabalhador, por meio de intervenção direta do Poder Judiciário na interpretação das normas, visando a remodelá-las no que for necessário, em observância à máxima efetividade das normas constitucionais, as quais, atualmente, representam o único marco de proteção do trabalhador, e é nela que o Poder Judiciário deve ser respaldar, a fim de evitar o retrocesso social. A luta deve ser constante. Não se pretende uma proteção exacerbada ao proletariado, mas sim um tratamento humano e igualitário.


6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

EDELMAN, Bernard. A Legalização da Classe Operária. São Paulo: Boitempo, 2016, p.15-151.

IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Aspectos das relações de trabalho e sindicalização. Rio de Janeiro : IBGE, 2017.

MARX, K. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013 Contribuição à crítica da economia política. 2.ª ed.. Tradução de Florestan Fernandes. São Paulo: Expressão popular, 2008.

PACHUKANIS, E. A teoria geral do direito e o marxismo. Tradução de Silvio Donizete Chagas. São Paulo: Acadêmica, 1988. (Nova edição/tradução, Boitempo, no prelo)

PALOMOQUE LOPEZ, Manuel Carlos. Direito do Trabalho e Ideologia. Coimbra: Almedina, 2001.

ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado – 2. ed. rev. e atual. – São Paulo. Saraiva, 2014. (Coleção esquematizado®)

REALE, Miguel, Lições preliminares de direito. 27. ed.  São Paulo. Saraiva, 2002.

VALDETE, Souto Severo. Terceirização: quando não escraviza, destrói. Disponível em <http://www.amatra4.org.br/institucional/expresidentes/79-uncategorised/553-artigo-terceirizacao-quando-nao-escraviza-destroi-por-valdete-severo-juiza-do-trabalho30.

Internet: http://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/nota-tecnica-terceirizacao/

Internet: https://www.ilo.org/travail/whatwedo/publications/WCMS_584686/lang--en/index.htm

Internet: https://blogdaboitempo.com.br/2016/03/23/a-atualidade-da-legalizacao-da-classe-operaria/

Internet: https://jus.com.br/artigos/38892/a-teoria-do-dominio-do-fato-a-terceirizacao-de-mao-de-obra-e-o-trabalho-analogo-ao-trabalho-escravo

Internet:https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,teoria-do-dominio-do-fato-podera-punir-trabalho-escravo,1051331

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUMPÇÃO, Wagner Ribeiro D. Os limites da terceirização no atual contexto social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5691, 30 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70279. Acesso em: 21 nov. 2024.

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