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A lentidão do Judiciário brasileiro

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23/07/2005 às 00:00
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5. SUJEITOS ATUANTES NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

As ações judiciais dependem da desenvoltura dos profissionais do judiciário. Não é menos importante o desempenho de outros agentes que não pertencem ao judiciário, mas que exercem influência expressiva na prestação jurisdicional. Em geral, quando se critica o judiciário, não se leva em conta esta influência. Procurei fazer algumas observações genéricas sobre os diversos sujeitos, reservando o tópico seguinte para os membros do Ministério Público, devido ao seu papel de destaque no nosso sistema jurídico.

Convém ressaltar neste tópico, em primeiro lugar, que o judiciário não tem o controle absoluto do tempo gasto na conclusão dos feitos submetidos a julgamento. Muitos dos atos processuais dependem de outros sujeitos. Quando estes não prestam a devida colaboração, os atos são adiados causando lentidão na conclusão dos julgamentos. Assim, sessões de julgamento podem ser adiadas se não houver a presença de um número mínimo de jurados ou por pedidos fundamentados das partes. Audiências podem ser adiadas, se as testemunhas, embora devidamente intimadas, não comparecerem e as partes insistirem nos respectivos depoimentos, ou se o laudo pericial requisitado não foi concluído. No processo penal, a ausência de representante do Ministério Público implica no adiamento da audiência. Evidentemente, tais incidentes vão procrastinar o julgamento, não obstante, sem responsabilidade de qualquer membro do judiciário. No entanto, para o público em geral, este será sempre o culpado do atraso da prestação jurisdicional.

No Brasil, muito desses expedientes são propositais, como por exemplo, em processos criminais de réus soltos, quando se arrolam testemunhas que jamais serão encontradas, só com o fito de provocar sucessivos adiamentos de audiências.

Entretanto, não se pode sobrepujar o fato de que o serviço público brasileiro tem demonstrado ineficiência decorrente do desempenho profissional de seus agentes. E o pior, ainda que seja este um expedito profissional, a estrutura lhe reserva inúmeros obstáculos para o exercício profícuo de suas atividades.

Cumpre assinalar que antes de serem agentes do serviço público, os ocupantes dos cargos são egressos da própria sociedade, e, por conseguinte, trazem para as instituições elementos de sua formação. Não se pode entender o judiciário brasileiro, senão como uma instituição integrada à cultura geral da sociedade. Servidores, juízes, desembargadores e ministros, antes foram cidadãos comuns, assimilando e difundindo valores culturais.

Muitas pessoas terminam por ingressar no serviço público não por vocação, mas para se beneficiar de certas garantias atribuídas ao cargo. Os problemas estruturais do serviço público sugerem enormes dificuldades de mudanças. Como os profissionais do Direito dependem por excelência da prestação desses serviços e as reformas institucionais operadas ao longo dos anos para tornar mais ágil o judiciário não apresentaram resultados significativos, há uma busca pelos cargos públicos destinados às carreiras jurídicas. Mas as práticas insólitas do serviço público são assimiladas e repetidas, sem maiores questionamentos.

Diante da decepção com o funcionamento do judiciário, muitos estudantes de Direito dotados de excelentes aptidões em áreas específicas, desprezam seus dotes para ingressar em qualquer carreira jurídica na esfera pública. A expectativa é a abertura de editais anunciando concursos públicos para defensores, delegados, procuradores, juízes, pois assim estariam livres da dependência de uma máquina arcaica e vagarosa. A troca de carreiras também é fenômeno comum. Portanto, podemos encontrar, por exemplo, delegados que não têm a mínima vocação para investigar crimes, ou promotores sem a astúcia necessária à coleta e organização de provas contra o infrator. Como no Brasil, estes não perdem o cargo, senão em raríssimas situações (falta muito graves), entre as quais não se inclui a ineficiência, o serviço público é prestado, muitas vezes, por agentes que não suportam o que fazem.

O problema atinge os serviços públicos em geral, pois o mecanismo de provimento dos cargos públicos é semelhante.

Nos EUA, não há sistema de promoções e não se pensa que tal modelo seja desejável. Em regra, os julgamentos são conduzidos pelo mesmo juiz, cujos mandatos variam a depender do estado (de quatro a quinze anos). Os federais alcançam a vitaliciedade (for life). No Brasil, a maioria das carreiras jurídicas obedece a um regime de promoção e remoção. Muitos casos litigiosos são iniciados por um profissional e terminados por outro. A dinâmica deste regime, combinada com a falta de aptidão para a função que desempenha, faz surgir o que eu denomino "funcionário de expediente", aquele comprometido não com a causa, mas com o expediente.

Por razões de ordem cultural, a distância dos parentes e dos amigos é suportada sem maiores inquietações pelos americanos, desde o curso universitário. Sendo nomeado para atuar numa determinada corte, os juízes sabem, de antemão, que lá cumprirão todo seu mandato. No caso brasileiro, membros do judiciário e do Ministério Público dos estados, geralmente formados em grandes centros, são nomeados para o exercício do cargo, a princípio, em cidades pequenas. Distantes do seu ambiente cultural, onde as adaptações nem sempre são bem sucedidas, e diante da possibilidade de promoções e remoções, os objetivos institucionais passam a ser divididos com objetivos pessoais de crescimento na carreira e mudanças sucessivas para cidades mais atraentes, até o alcance do seu local ideal de trabalho. Esta possibilidade diminui o esforço adaptativo, tendo por conseqüência a ausência de identificação com os objetivos e anseios daquela comunidade. São constantes as ausências da cidade onde exerce a função, sem as devidas medidas das corregedorias para coibir a prática. Tais inquietações são tão marcantes em nossa cultura, que a problemática foi elevada à questão constitucional, merecendo dispositivo regulando a residência do magistrado na respectiva comarca (artigo 93, inciso VII, Emenda Constitucional n. 45/2004). Evidentemente, o contato temporário com o caso submetido a julgamento não familiariza de forma satisfatória o profissional atuante. Perde-se, por conseguinte, a objetividade, dando azo aos despachos de expediente.

Funcionários públicos desmotivados suplementam o quadro desolador. Refiro-me aos servidores da justiça e agentes de outras instituições correlatas. Diante da ineficiência preexistente, quando assumem o novo posto encontram inúmeros procedimentos praticamente paralisados ou atrasados. Com o tempo, muitos deles, se acostumam com o caos e passam a trabalhar pelo expediente. Como o resultado útil de seu trabalho prolonga-se demasiadamente, o servidor perde a noção de finalidade institucional com conseqüências nefastas. Isto ocorre, por exemplo, com os servidores da polícia judiciária. Depois de arriscarem suas vidas na captura de um delinqüente ou terem empreendido esforços para elucidação de um crime, o caso é entregue à justiça, que não dará a resposta em tempo hábil. Em perspectiva, o caso se perde na memória da polícia. Nos EUA, ao contrário, a percepção do resultado é a regra. O policial toma gosto pela função, sendo comum se vê nas centrais de polícias servidores (policiais) aposentados participando de operações na qualidade de servidores voluntários. [14]

De forma semelhante, o judiciário é afetado quando, por exemplo, é noticiada a fuga de vários delinqüentes já condenados. Episódios como estes fomentam a perda da noção de utilidade e eficiência do serviço público. A idéia é que o sistema não funciona e, sendo assim, trabalha-se só pelo expediente.


6. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público, através de seus promotores ou procuradores tem um importantíssimo papel a desempenhar como defensores dos direitos maiores da sociedade, sobretudo num país caracterizado pela prática do empreguismo, pelo desvio de verbas públicas; onde se noticia atos de corrupção diariamente; não se respeitam os direitos do consumidor, do meio ambiente e a criminalidade violenta cresce.

Para nossa indignação, grande parte de seus membros dão pareceres em ações cíveis. A função é supérflua e anacrônica. No atual estágio de nossas instituições, não se justifica a existência de fiscal da lei, mesmo porque, a rigor, todos que atuam no processo desejam a aplicação da lei, onde o juiz seria o fiscal por excelência. As partes têm advogados, ou são representadas por defensores públicos e os juízes gozam de garantias que garantem sua independência. Todos os requerimentos feitos pelo promotor, poderiam ser feitos pelos magistrados, desde que de ordem pública. [15]

O trabalho no cível com intervenção acessória (custos legis), entre requerimentos e pareceres dados no gabinete, constitui um excelente exemplo de desperdício de tempo e dinheiro público.

Considero salutar a fórmula americana, na qual os juízes têm a colaboração dos law clerks, para auxiliá-lo no trabalho de pesquisa e discussão dos casos. Tal poderia ser adotado no Brasil. Aliás, os tribunais já os utilizam, com a denominação de assessores, porém os processos dependem ainda de pareceres elaborados pelos membros do Ministério Público.

Com o suprimento desta intervenção, os feitos teriam uma tramitação mais rápida, pois se evitariam as idas-e-vindas dos processos nas respectivas repartições, com os desdobramentos subseqüentes (vistas, intimações, mandados, prazos para manifestação, etc.).

Nossa cultura jurídica inercial, sem maiores reflexões, tem conservado o instituto. Quando a questão da desnecessidade dessa intervenção é colocada, não encontro oposições da advocacia. Entretanto, parece que o maior foco de resistência se encontra dentro do próprio Ministério Público. É clara a comodidade em elaborar pareceres sem nenhuma regulamentação legal, do qual não cabe recurso e destituído da responsabilidade pela decisão da causa.

Por outro lado, o Ministério Público tem importantes funções na área de direitos transindividuais e criminal, cuja atuação está aquém das expectativas criadas pelo patamar alcançado na Constituição Federal de 1988, justamente porque uma parcela considerável de seus quadros que poderia estar empenhada nestas áreas de fundamental importância, permanece em salas de audiências, dando pareceres em acordos de alimentos, separação, divórcio, guarda de menores, adoção, ou elaborando pareceres em feitos como inventários, registros públicos, mandados de segurança, ou ainda, exarando despachos padronizados em habilitação de casamento.

No âmbito dos direitos transindividuais, importantes investidas ministeriais poderiam evitar inúmeras ações individuas, desafogando o judiciário. Atuando no combate à corrupção (patrimônio público), defesa do consumidor, meio ambiente, entre outras ações socialmente relevantes, encontraria sua verdadeira vocação na esfera cível, sempre agindo na qualidade de parte e defendendo interesses maiores da sociedade. Os casos individuais, qualquer que fosse a natureza o direito discutido, ficariam a cargo das partes, através de seus advogados ou defensores públicos, sem qualquer intervenção ministerial, como ocorre na grande maioria dos países.

A diminuição das atribuições na área cível e a concentração dos promotores na defesa dos direitos transindividuais proporcionariam melhor capacitação para a condução dos procedimentos preparatórios (inquéritos civis) e respectivas ações.

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Hoje, muitos inquéritos civis são pouco mais do que acúmulos de papéis desordenados, sem objetividade investigativa, desencorajando a apreciação do feito pelos magistrados, exatamente por falta de uma formação específica no plano de coleta de provas. Vários fatos não necessariamente relacionados entre si são apurados no mesmo inquérito. Incorrem-se nas mesmas práticas cartorárias, com juntadas de papéis inúteis, como ofícios expedidos e já respondidos, notificações já consumadas, entre outros documentos enviados pelos envolvidos que não dizem respeito ao objeto da investigação. Os autos vão se avolumando exageradamente. Atos probatórios que poderiam ser produzidos durante a fase de inquérito, são transferidos para a fase judicial. O prolongamento da fase probatória contribui decisivamente para a demora na conclusão dos processos. Ao contrário, um feito bem instruído, com provas sistematicamente apresentadas de fácil localização no bojo dos autos, sem papéis inúteis e com as devidas referências, seja no relatório (quando se trata de inquérito civil), seja na inicial, é muito mais convidativo para os magistrados apreciá-los, e, em menor tempo, sentenciá-lo.

A apresentação de provas é uma das tarefas mais importantes para aquele que deseja sucesso numa ação judicial. A bem da verdade, o sucesso na coleta de provas depende de treinamento, perspicácia ou vocação. Não se aprende nos cursos acadêmicos, que apenas ensinam as regras de sua produção em juízo. Sob este ângulo, a capacidade de organizar um feito enxuto, que explicite provas, nem além nem aquém do necessário, é tarefa que independe de conhecimento teórico. Pode acontecer que o profissional tenha uma excelente bagagem teórica, mas não saiba como patrocinar a organização do feito, facilitando o seu manuseio. Da forma como os membros do Ministério Público são recrutados (concurso público), não se põe dúvida sobre a escolha dos mais bem preparados teoricamente. No entanto, não se avalia a desenvoltura no trato dos feitos cujas investigações terão que presidir.

Para elucidar a questão, vejamos um exemplo: O promotor recebe uma representação onde se acusa um prefeito de emitir notas fiscais para uma empresa de fachada (que só existe formalmente), com a finalidade de comprovar junto ao Tribunal de Contas despesas que efetivamente não foram realizadas (desvio de verbas). Várias linhas de investigação podem ser seguidas. Porém, se este, toma como primeiro ato do inquérito o expediente de remeter ofício ao mandatário municipal para que explique o ocorrido, sua investigação corre sério risco de ser infrutífera, tendo em vista que o prefeito, dotado de forte influência sobre os envolvidos na fraude, ciente que está sendo investigado, tomará todas as precauções para apagar as provas. Neste caso, o correto seria ouvir, em primeiro lugar, a pessoa que fez a denúncia e seguir investigando os fatos correlatos por ela detalhados, em sigilo, com o objetivo de revelar a inexistência de qualquer operação comercial desta empresa. O ato de ouvir o prefeito seria o último.

O procedimento de ordenar a expedição de ofícios é comumente usado em inquéritos civis. Com isto, o promotor se livra do expediente. Ao invés de sair em busca da prova, dirigindo-se a outras instituições (Receita, Tribunais de Contas, departamento de trânsito, etc.), que pela especialidade, poderiam fornecer mais dados para enriquecer o espectro probatório, e de visitar o local dos fatos, ouvindo pessoas, utilizando-se de gravação, fotos, entre alternativas, permanece no gabinete expedindo ofícios e avolumando os autos. Desta forma instaura inúmeros inquéritos. Demonstra trabalho à sua corregedoria. Na verdade, trabalha, mas não produz. Comporta-se como um "funcionário de expediente". O serviço público está infestado deles.

Diferentemente, nos EUA, a promotoria tem excepcional desempenho extraprocessual, na coleta de provas. Sabe o custo de cada caso investigado e é constantemente cobrada em termos de resultado. O fiasco de uma investigação, em certos casos, pode custar a demissão de assistentes de promotoria ou determinar o final da carreira do promotor eleito. Neste sentido, nos EUA, não basta trabalhar. Este trabalho tem que produzir resultados.

A prova bem produzida acelera a prestação jurisdicional. E isto deve ser bem entendido por todos aqueles que buscam a prestação jurisdicional. Não se pode empurrar uma série de papéis desordenados para o judiciário e culpá-lo pela demora na solução dos casos. Este procedimento é muito utilizado também pelos advogados que justificam sua inabilidade profissional, com a imputação de responsabilidade, neste caso, descabida, ao judiciário.

Outra atuação, talvez a mais importante do Ministério Público, é na área criminal. No item 3 deste texto foi explicitado o quanto o Ministério Público poderia contribuir para a redução do número de demandas, com o arrefecimento do princípio da obrigatoriedade da ação penal, se o legislador brasileiro fosse um pouco mais ousado.

Nos EUA, a possibilidade de acordo entre a promotoria e os acusados para cumprimento de penas reduz significativamente o número de casos levados a julgamento. Inglaterra e Holanda possuem mecanismos quase idênticos aos dos Estados Unidos. Nosso acanhamento legislativo, neste aspecto, superou até a burocrática lei portuguesa (novo Código de Processo Penal de 1987), que previu a possibilidade de acordo para pena de prisão até três anos. Injustificadamente nossa lei de juizados especiais (9.099/95), além de não admitir a negociação de pena de prisão, ainda exigiu a participação do sobrecarregado judiciário nas tratativas. Um absurdo!

Deixando de lado nossa pequenez, cumpre aqui analisar alguns aspectos da atuação do promotor criminal no Brasil, utilizando o método comparativo, com a jurisdição criminal americana. Começarei com um exemplo bastante ilustrativo relatado pela assistente federal Rosa Rodriguez Mera do Distrito Sul da Califórnia num caso de apreensão de drogas, desde o acontecimento do crime, até o seu julgamento. Segue a transcrição: [16]

A partir do momento em que um crime foi cometido e que um suspeito se encontra sob custódia, o agente notifica o promotor de plantão, que determina quais são as provas existentes para que seja efetuada uma prisão. Os agentes que apreenderam o indivíduo devem responder a perguntas como "Onde estão as drogas?" e "Como sabemos que o réu estava ciente de que havia drogas na maleta" Em seguida o promotor entra em contato com o juiz de plantão, que autoriza a emissão de um mandado de prisão e determina o valor da fiança que deve ser estipulada para o réu.

O réu se apresenta, pela primeira vez, ao magistrado, dentro de 48 horas. Nessa audiência, um advogado é nomeado para o réu ou ré se ele ou ela precisar de um; o réu é informado das acusações e o valor da fiança é estipulado. Se uma grande quantidade de drogas estiver envolvida, ou se houver um risco de fuga ou um perigo para a comunidade, o governo determinará que o suspeito fique detido sem direito a fiança. Caso contrário, o juiz pode estipular o valor da fiança para o caso e o réu pode aguardar o julgamento em liberdade.

Depois que o réu tiver sido formalmente acusado, se ele resolver alegar que é "inocente", algumas providências podem atrasar o início de um julgamento, incluindo moções, por parte da defesa, para impedir a apresentação de provas -- sobre as quais o juiz decide -- e averiguações -- quando o promotor entrega cópias de declarações, laudos técnicos, fitas ou outras provas ao advogado de defesa.

Em cada caso, dentro de certos limites, há uma pequena margem para "negociações a respeito de penas". Não havendo acordo, se o réu se declarar culpado, o governo pode, em contrapartida, pedir menos tempo de reclusão, se o réu "prestar ajuda significativa em um caso, como por exemplo, se ele cooperar depondo contra um co-réu", ela acrescenta. Como exemplo, cita-se um caso envolvendo 10 quilos de cocaína, que implica em uma pena obrigatória de 10 anos de reclusão. Rodriguez Mera diz que se a defesa proporcionar uma ajuda substancial, o governo pode entrar com um pedido para que a sentença seja reduzida, mas ela também esclarece que o juiz não é obrigado a aceitar a recomendação.

O exemplo acima foi escolhido propositadamente por se referir a um crime ocorrido no aeroporto, onde incide a jurisdição federal. É que, devido à pulverização de direitos processuais penais, podem ocorrer algumas variações nos estados. Ao caso explicitado, portanto, o estatuto processual aplicável é a lei federal (Federal Criminal Code), parâmetro de regulamentação de procedimentos penais em todo o país.

Nota-se a simplicidade do procedimento. O próprio código explicita isto, ao determinar simplicidade (simplicity), justiça (fairness), economia e rapidez (elimination of injustifiable expense and delay) nos julgamentos penais. [17]

Provável motivo que justifique acusação é suficiente para confecção e outorga de ordem de prisão (warrant) emitida por juiz competente. Autoridades policiais (que tomam conhecimento do crime) também prendem o suspeito, independentemente de warrant com base em causa provável (probable cause). A legalidade da detenção fica na dependência da prestabilidade, adequação e da legalidade do auto de prisão (arrest repot). O exemplo citado se adequa a esta segunda hipótese.

Em geral, dois recursos são manejados no processo penal americano: a apelação (embora a Suprema Corte entenda, desde 1894, que os estados não estão obrigados a providenciar duplo grau de jurisdição a todos os interessados) e a revisão criminal da condenação em habeas corpus, que só pode ser requerido uma única vez. Há, também, pedido de clemência em condenação de pena de morte aos governadores estaduais e presidente da república, que podem comutar penas capitais.

A informalidade é a marca do procedimento. O contato pessoal entre a polícia e os promotores e entre estes e os juízes, o uso do telefone, ao invés de ofícios ou requisições, o manejo dos sistemas de informações (rede de identificação de suspeitos e arquivos), imprimem extrema velocidade nas investigações. Até 1967, quando se julgou o caso Katz vs. United States, proibiam-se as gravações telefônicas. Após esta data a Suprema Corte mudou o entendimento (que vigorava desde 1928) permitindo a interceptação telefônica pela polícia, sem considerar que haja invasão indevida da propriedade alheia.

Não se trabalha com autos de inquérito policial. Apenas as provas (depoimentos, fitas, transcrições, fotos, análise de digitais, DNA, etc.), são apresentadas ao promotor, que deliberará sobre o caso.

No nosso caso, as formalidades impedem maior dinamismo na apuração e julgamento dos casos. Ao invés da entrega das provas em mãos do promotor ou assistente, remessas de inquérito; ao invés do uso do telefone para solicitar diligências, requisições, ofícios ou retorno dos autos de inquérito, com direito a carimbos, baixa em livros, registros, protocolos, etc. Tudo isso apenas na fase pré-judicial (antes do início da ação penal). Este atraso será computado como culpa do judiciário, embora este não tenha sido sequer acionado.

São frias as relações entre a polícia e o Ministério Público no Brasil. O contato pessoal entre os promotores e as autoridades policiais teria relevante importância para o sucesso e rapidez do julgamento, mas os autos de inquérito os separam, causando um vai-e-vem inconcebível no atual estágio de nossa existência. Ora! A autoridade policial que investiga os fatos está em contato direto com o palco dos acontecimentos, alimentando impressões sobre o fato delituoso que lhes servem para a conclusão do inquérito. Muitas dessas impressões não serão materializadas nos autos, não obstante de grande utilidade para o julgamento. O inquérito, por assim dizer, estabelece uma verdade policial, sem contraditório. Não tem a autoridade policial familiaridade com futuro dessa verdade, quando submetida ao crivo do contraditório em juízo, sobretudo depois que o acusado já está devidamente instruído por seu advogado. Por esta razão, deve o promotor acompanhar com maior proximidade possível a coleta dessas provas, uma vez que seu trato com o processo penal na fase judicial lhe proporciona um conhecimento bem mais amplo das peripécias da defesa. Em outras palavras, tem o promotor, muito mais capacidade de antever certos incidentes na instrução, que seriam evitados se os dados não tivessem sido ocultados (embora, não propositadamente) na fase policial. Em última análise, o promotor é o elo entre o que diz o delegado e o que conclui o juiz, devendo assumir uma postura eqüidistante entre os dois. Entretanto, pela nossa tradição, estão os promotores sempre em contato com o juiz e raramente com as autoridades policiais.

Aceitando este modelo, vamos sempre assistir as cenas de cartórios criminais lotados de processos irresolutos, aguardando a prescrição. No âmbito criminal é imprescindível entender que o Ministério Público diligente não é aquele que faz muitas denúncias, mas aquele que consegue resultados com elas.

Há que se considerar que para tal atividade, o contingente de promotores atuando na área criminal deveria ser maior. Esta é mais uma razão para o remanejamento dos promotores que hoje atuam como pareceristas no cível, pois a área criminal necessita muito deles.

Não é mais aceitável que nosso judiciário seja esmagado com atribuições como providenciar a intimação de testemunhas. Nos EUA, a atribuição é das partes. Num caso criminal, a promotoria se encarrega de levar para corte suas testemunhas. Naquele país, cada caso tem um custo que impõe uma pronta resposta da instituição. Assim, a preocupação com o depoimento das testemunhas da acusação é constante, implicando em cuidados diversos, por parte da promotoria, com atenção a mudança de endereço, proteção, etc. No Brasil, é comum os processos penais se arrastarem durante anos, porque as testemunhas não foram localizadas para prestar seus depoimentos em juízo. O ônus probatório é do Ministério Público, mais as diligências formais para intimação ficam a cargo do judiciário, com a utilização de oficiais de justiça. Esta forma complicada de se fazer justiça, acaba por diminuir o grau de comprometimento com a causa do órgão acusador e o juízo, que deve ser imparcial e não pode nem deve se imiscuir em investidas de apresentação de testemunhas, com a hesitação natural, apenas faz seu trabalho burocrático, muitas vezes sem sucesso.

Outro aspecto relevante á a questão da especialidade. É humanamente impossível se conhecer o direito como se exige no Brasil. Conhecimento amplo de todas as áreas. Trabalhando na esfera cível e penal, o promotor inicia sua carreira tendo que lidar com temas diversos, como infância e juventude, família, registros públicos, fundações, idosos e os mais variados tipos de crime. A divisão do trabalho social tão bem decantada por Émile Durkheim (1893), ainda não influencia nossas instituições, de modo que o promotor pode sair de uma audiência onde se discute paternidade, para entrar em outra onde se processa acusados por associação para o tráfico. Diferentemente, nos EUA os profissionais são ultra-especializados. A grande maioria trabalha no combate ao crime e conhecem as leis de seus estados. Destarte, não é aconselhável consultar um promotor federal sobre assuntos da esfera estadual, porque a informação não será segura. Ou seja, lá os profissionais não sabem um pouco de tudo, mas muito do pouco que fazem. Assim, imprimem maior eficiência ao trabalho.

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Sobre o autor
Valtércio Pedrosa

Promotor de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDROSA, Valtércio. A lentidão do Judiciário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 752, 23 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7039. Acesso em: 29 mar. 2024.

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