Redução do intervalo para alimentação por meio de Convenção Coletiva de Trabalho para contratos administrativos públicos

05/12/2018 às 13:06
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Os efeitos da "Reforma" trabalhista começam a chegar às Convenções Coletivas de Trabalho e, por este meio, tem potencial de impactar os contratos públicos. Quais são as cautelas que devem nortear os agentes públicos neste caso?

Redução do intervalo para alimentação por meio de Convenção Coletiva de Trabalho para contratos administrativos públicos

Trata-se da análise da adoção de cláusulas de redução de direitos, em especial do direito ao intervalo para refeições nas jornadas de trabalho por meio de Convenção Coletiva de Trabalho e seus impactos nas contratações públicas.

Da redução do intervalo para alimentação

Já se percebe em convenções coletivas de algumas categorias profissionais os efeitos da “Reforma” Trabalhista e suas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho, alterações essas que possuem potencial de impactar as contratações públicas.

Como exemplo tome-se a Convenção Coletiva 2018 da categoria dos vigilantes do estado do Rio Grande do Sul, homologada em 30/08/2018 e com data base em 01/02/2018 (http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador/ - Solicitação nº MR046334/2018). A cláusula 71ª da referida CCT, adotada pela totalidade dos sindicatos da área de abrangência da GEX Novo Hamburgo trouxe a seguinte redação:

Considerando as especificidades dos serviços executados por empresas e trabalhadores representados pelos sindicatos que firmam esta CCT, independentemente de acordo escrito entre empregador e empregado, estabelecem que o intervalo para repouso e alimentação previsto pelo artigo 71 da CLT deverá ser de pelo menos 30 (trinta) minutos até o máximo de 2h (duas horas).

§ 1o. Por expressa previsão legal consignam que se o intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos não for gozado, ele deverá ser indenizado, ou, se gozado parcialmente, deverá ser indenizado o período que faltar para os 30 minutos, sempre com base no valor da hora normal acrescida de 50%.

§ 2o. Consignam expressamente, por ser de conveniência dos próprios empregados e por questões de segurança, que os intervalos de alimentação e repouso que deveriam ser gozados, quando assim não for possível e nem recomendado afastamento do mesmo do local de trabalho por questões de segurança, o intervalo mínimo deverá ser remunerados com adicional de 50%, evitando-se, assim, terem que sair e ingressar nos estabelecimentos que estão laborando.

§ 3o. O(s) período(s) gozado(s) de intervalo durante a jornada de trabalho não serão computados como jornada de trabalho.

§ 4o. A não concessão ou a concessão parcial do intervalo mínimo, para o repouso e alimentação implica no pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com o acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da hora normal de trabalho.

§ 5o. O início do intervalo para repouso ou alimentação poderá ocorrer, a critério do empregador entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada ou, de comum acordo entre os empregados de um mesmo estabelecimento, evitando que mais de um goze do intervalo no mesmo horário.

§ 6o. Considerando as especificidades da natureza dos serviços prestados pelas empresas e trabalhadores representados pelos sindicatos que firmam a presente CCT ajustam que o intervalo de repouso e alimentação de que trata o artigo 71 da CLT pode ser fragmentado em períodos não inferiores a 30(trinta) minutos.

§ 7o. As partes expressamente reconhecem e afirmam a conveniência dos termos desta cláusula, sendo de particular interesse dos empregados, conforme decidido em assembleias gerais da categoria.

§ 8o. Considerando as especificidades da natureza dos serviços prestados pelas empresas e trabalhadores representados pelos sindicatos que firmam a presente CCT; considerando que na prática os trabalhadores que executam jornadas de 6h gozam intervalos informais para ir ao banheiro, beber água, lanchar, etc…; considerando que o gozo formal dos intervalos não integra a jornada de trabalho; considerando que o gozo formal do intervalo de 15 minutos em jornadas de 6h resultam jornadas de 5:45h; considerando que jornadas de 5:45h não fazem jus a alimentação prevista nesta CCT; a bem de atender os interesses dos trabalhadores que cumprem jornada de trabalho de 6h consideram cumprida a previsão contida no § 1o. do artigo 71 da CLT, sem o gozo formal de 15 minutos, se as empresas  remunerarem as 6h e concederem o benefício da alimentação.

§ 9o. Desde que não ocorra oposição por escrito do trabalhador, fica autorizada a adoção de jornadas de trabalho sem o gozo do intervalo intra jornada, oportunidade em que deverá ser pago o intervalo na forma do artigo 71, parágrafo 4o da CLT.

§ 10o. Considerando a especificidade dos serviços de segurança e vigilância, fica permitido, independentemente de acordo escrito entre empregador e empregado, que o intervalo entre turnos da mesma jornada de trabalho, possam ser superior a 2h (duas horas) até o máximo de 4h (quatro horas), exclusivamente para os trabalhadores que executam serviços de rendição para descanso e alimentação. (grifos nossos)

O efeito imediato da adoção da referida cláusula da CCT foi a redução do intervalo anteriormente gozado de 1 (uma) hora de almoço para apenas 30 (trinta) minutos para todos os(as) trabalhadores(as) que fazem jus a intervalo de alimentação, com a consequente redução da indenização se o período não for efetivamente gozado.

Por cautela indagou-se, no caso concreto, por meio de mensagem eletrônica no dia 09/11/2018 que foi respondida pelo mesmo meio em 22/11/2018, à contratada se era esse mesmo o entendimento cujo conteúdo reproduzimos:

Segue respostas dos questionamentos: (sic)

- Aparentemente a cláusula 71ª consignou a redução do intervalo de alimentação para, no mínimo, 30 minutos, mesmo para jornadas de 44 horas semanais ou de 12x36 e que, caso não gozado o referido intervalo será indenizado apenas 30 minutos, com adicional de 50%. Está correta nossa leitura?

R: Está correta a leitura. O caput da cláusula 71º prevê que o intervalo para repouso e alimentação, previsto pelo artigo 71 da CLT, poderá ser de pelo menos 30 (trinta) minutos até o máximo de 2h (duas horas). De acordo com o § 1º da cláusula 71º, caso seja feita a opção pela adoção do intervalo de 30 (trinta) minutos, por exemplo, mas o período não for gozado pelo empregado, este deverá ser de forma indenizada, ou, se gozado parcialmente, deverá ser indenizado o período que faltar para completar os 30 (trinta) minutos, sempre com base no valor da hora normal acrescida de 50%.

- Confirmando-se o item anterior, qual o embasamento legal que levou à adoção de tal redução do intervalo?

R: O tema tem como base a CLT e a Convenção Coletiva de Trabalho: O artigo 71 da CLT dispõe que é obrigatória a concessão do intervalo intrajornada, de no mínimo 1 (uma) hora e no máximo 2 (duas) horas, admitindo-se que haja previsão diferenciada por acordo escrito ou contrato coletivo (Jornada que exceda 6 horas).

O inciso III do art. 611-A da CLT, dispõe que o intervalo mínimo para jornada acima de 6 horas pode ser reduzido por meio de acordo ou convenção, desde que respeitado o limite mínimo de 30 minutos.

Desta forma, a empresa pode mediante acordo coletivo ou convenção coletiva, reduzir, por exemplo, o intervalo para refeição dos empregados de 1 (uma) hora para 30 (trinta) minutos, sem a necessidade de interferência do Ministério do Trabalho ou a necessidade de ouvir a Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 611-B da CLT.

- Haverá alguma contrapartida em outra cláusula da CCT a favor dos empregados em razão desta redução?

R: Não há outra cláusula a respeito do tema na CCT da categoria.

Observa-se, portanto, que a redução do intervalo de alimentação não recebeu qualquer contrapartida aos empregados por parte dos empregadores, seja em pecúnia, seja em outra forma de compensação.

Da necessidade de cautela sobre a adoção da reforma trabalhista nos contratos públicos

Por serem recentes os efeitos da adoção da reforma trabalhista nos contratos públicos o tema ainda não recebeu a análise que merece e sua adoção pode afetar tanto a efetiva execução contratual quanto ser alvo de questionamentos judiciais na esfera trabalhista.

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Sobre o tema o Ministério do Planejamento, através da Secretaria de Gestão disponibilizou no seu sítio eletrônico um documento intitulado “Impactos da reforma trabalhista nos contratos da Administração” que possui, entre seus diversos itens, um que se refere ao tema ora em estudo, ou seja, o intervalo de repousa para alimentação, no qual tece as seguintes considerações:

Intervalo repouso para alimentação - Intrajornada

Outra alteração significativa que a reforma trabalhista apresenta, diz respeito ao intervalo para repouso e alimentação, conhecido como Intrajornada. Deve se atentar para a leitura combinada dos arts. 71 com o novo 611-A (introduzido pela Lei nº 13.467/17), ambos da CLT.

A nova regra do art. 611-A institui que a convenção coletiva e ou acordo coletivo de trabalho (CCT e ACT) têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de 30 (trinta) minutos para jornadas superiores a seis horas. Ou seja, afasta a obrigatoriedade da concessão do intervalo mínimo de 1 hora de que trata o artigo 71 da CLT, possibilitando sua redução para até 30 minutos.

O artigo 71 da CLT não sofreu qualquer alteração pela nova legislação trabalhista, mantendo a obrigação de concessão do intervalo mínimo de 1 hora para o trabalho contínuo, cuja duração seja superior a 6 horas. Todavia o legislador permitiu a prevalência do negociado sobre o legislado, ao prever que a CCT ou ACT reduza para até 30 minutos.

Cabe ainda esclarecer que essa regra do art. 611-A não é absoluta. O art. 611-B, introduzido à CLT pela reforma, impôs limites a essa prevalência, de modo que trouxe expressamente que constituem objeto ilícito de CCT ou ACT, exclusivamente, a supressão ou a redução de alguns direitos, a exemplo das normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho.

Assim, quando da publicação de nova CCT ou ACT que seja insumo para as contratações de serviços terceirizados pela Administração, bem como nas repactuações ou prorrogações, há necessidade de se observar atentamente a cláusula que disponha sobre quaisquer alterações no direito ao repouso dos trabalhadores. (grifos dos autores)

Fonte:https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/orientacoes-e-procedimentos?id=880#P4

Ademais observando-se a doutrina recentemente construída, especialmente a oriunda de eminentes magistrados do trabalho da 4ª Região, observa-se que a adoção do “negociado acima do legislado” concernente a redução de direitos, sem as devidas contrapartidas, não receberá o amparo judicial quando questionado no âmbito trabalhista. Por exemplo:

A interpretação e aplicação do Direito do Trabalho está diretamente vinculada aos Direitos Humanos, e a Constituição brasileira de 1988, atentando para esse fato, instituiu, como cláusula pétrea, a vedação de retrocesso social, ao prever o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, no inciso XXVI, como direito visando à melhoria da condição social da pessoa trabalhadora, em consonância do caput do art. 7º. Ou seja, não há possibilidade de negociação coletiva para rebaixamento de direitos sociais.

Neste norte, é flagrante a incompatibilidade de normas infraconstitucionais como as da Lei n. 13.467/2017 que venham a permitir o rebaixamento de direitos sociais, já que a negociação coletiva de trabalho só faz sentido quando venha a ampliar as conquistas trabalhistas e não flexibilizar, fragmentar ou diminuí-las. E é justamente por isso que este artigo se intitula a negociação coletiva de Direitos Humanos do Trabalho – os direitos sociais, porque Direitos Humanos só se negociam para ampliação, jamais para restrição. (…)

Nesses termos, a única prevalência do negociado sobre o legislado que pode subsistir sem estar eivada de vício é a que aumenta os direitos da pessoa trabalhadora. No mesmo caminho, a paz social enquanto princípio do Direito Coletivo do Trabalho propugnada na negociação coletiva só se alcança com a melhoria da condição social atingida no instrumento celebrado. (grifos nossos)

D’AMBROSO, Marcelo José Ferlin. A negociação coletiva de Direitos Humanos do Trabalho. in Democracia e Neoliberalismo – O legado da Constituição de 1988 em tempos de crise, Salvador, pp. 364-365, 2018.

Portanto, considerando-se as cautelas expressas algumas indagações ainda ficam à mercê de questionamentos, tais quais:

- É aceitável a redução do intervalo de alimentação por meio de negociação coletiva nos contratos públicos?

- Deveria ter sido adotada alguma compensação (pecuniária ou não) aos trabalhadores em razão da redução do direito legal do intervalo de, no mínimo, de 1 (uma) hora?

- Existe alguma ação possível para que a administração pública evite figurar como polo passivo em reclamatória trabalhista que venha a questionar a mencionada redução?

- Deveria a administração, à guisa de cautela, notificar algum órgão de fiscalização trabalhista (Ministério Público do Trabalho ou Ministério do Trabalho) relativo aos direitos reduzidos na mencionada CCT?


 

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Sobre o autor
Marcos Fraga dos Santos

Advogado com especialização em Direito Administrativo, Licitações e Contratos Públicos. Servidor público federal do Instituto Nacional do Seguro Social, Gerência Executiva em Novo Hamburgo/RS, onde atua como Gestor de Contratos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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