INTRODUÇÃO
A preocupação básica do Código de Defesa do Consumidor é o equilíbrio que deve ser mantido entre as partes de uma relação jurídica.
Devido à evolução empresarial tornou-se imprescindível proteger o consumidor contra abusos e lesões ao seu patrimônio, em virtude do poder cada vez maior das empresas. O poder econômico passou a constituir a regra e deve ser exercido segundo uma função social, de serviço à coletividade.
Os direitos básicos do consumidor são declinados no art. 4º da Lei:
1. Proteção à vida e à saude;
2. Educação e divulgação sobre o consumo;
3. Informação adequada e clara sobre produtos e serviços;
4. Especificação do bem;
5. Proteção contra publicidade enganosa;
6. Modificações de cláusulas onerosas;
7. Prevenção e reparação do dano;
8. Acesso aos orgãos judiciários e administrativos;
9. Facilitação da defesa de direito.
Arnaldo Bulgarelli nos dá a noção exata desta proteção ao consumidor:
A partir de certa época da evolução
do sistema empresarial moderno, tornou-se preemente proteger o
consumidor contra abusos e lesões decorrentes do poder
cada vez maior das empresas e em consequência responsabilizá-las
devidamente, buscando assim um equilíbrio nas relações
de consumo.
(Questões Contratuais
no Codigo de Defesa do Consumidor, pg.18. Ed.Atlas)
No que tange aos contratos de adesão o Código de Defesa do Consumidor é bem claro ao especificar que todos os contratos devem ser revistos quando tornarem-se excessivamente onerosos, e ainda, que as cláusulas abusivas devem ser desconsideradas pelo consumidor.
Quando da publicação do Código do Consumidor a sociedade brasileira, os aplicadores do direito como advogados, magistrados e Ministério Público não lhe deram a devida importância e o interpretaram como uma lei que apenas solucionaria os pequenos abusos praticados contra os consumidores, regularia apenas a compra e venda de produtos de pequeno valor econômico.
É fundamental que seja feito um estudo científico desta proposta do Código do Consumidor para que seja efetivamente colocado em prática a vontade do legislador de proteger aqueles que se sentirem em desvantagem em uma relação de consumo. É necessário demonstrar a real função da lei do consumidor e a sua importância para que haja um desenvolvimento econômico equilibrado.
O consumidor tem a sensação de impotência diante do poder econômico. Devido à lentidão da justiça, e por ser os danos causados de pequeno valor patrimonial as grandes entidades comerciais praticam cada vez mais abusos. Os consumidores mantém-se inertes frente aos prejuízos que sofrem.
O direito considera a desigualdade entre as partes de um negócio jurídico, mas isto não ocorreria se o poder econômico pudesse ser contrabalanceado por possibilidades de escolha oferecidas a parte contratante menos favorecida.
A Constituição Federal em seu art.170 prevê a proteção econômica aos menos favorecidos, valorizando o trabalho humano e assegurando existência digna a todos, seguindo vários princípios, entre eles a proteção ao consumidor.
O código foi criado devido ao reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor tendo como função social promover a realização dos ideais de convivência do homem. Estabeleceu orgãos e mecanismos de tutela, proscreveu práticas comerciais e contratuais abusivas.
A necessidade de esclarecer quais são os mecanismos de defesa que o consumidor tem ao seu alcance e tornar conhecidas todas as práticas comerciais e contratuais abusivas é imprescindível para tornar equilibrada as relações comerciais do nosso País.
O direito tradicional interpreta os contratos aplicando indiscriminadamente o princípio pacta sunt servanda, desta forma ignora a especificidade das condições gerais, não levando em consideração a boa-fé do contratante.
Mas há entendimentos contrários na doutrina que devem ser considerados como o famoso trecho de Raymond Saleilles em De la déclaration de volonté, Paris, 1901 que transcrevemos:
Sem dúvidas, há contratos e contratos e estamos longe da realidade desta unidade de tipo contratual que supõe o Direito. Será necessário, cedo ou tarde, que o Direito se incline diante das nuanças e divergências que as relações sociais fizeram surgir. Há supostos contratos que tem do contrato apenas o nome, e cuja construção jurídica esta por fazer; para os quais em todo caso, as regras de interpretação judicial deveriam se submeter, sem dúvidas, a importantes modificações; poderiam ser chamados, na ausência de termo melhor, de contratos de adesão, nos quais a predominância exclusiva de uma única vontade, agindo como vontade individual, que dita sua lei não mais a um indivíduo mas a uma coletividade indeterminada, obrigando antecipada e unilateralmente, admitindo-se apenas a adesão daqueles que desejarem aceitar a lei do contrato.
Mesmo depois da promulgação do Código de Defesa do Consumidor que estabelece em seu art. 6º que as cláusulas contratuais podem ser revistas se tornarem-se excessivamente onerosas ao consumidor, os princípios da tradição em termos de liberdade contratual e de pacta sunt servanda permanecem profundamente radicadas nos tribunais e na doutrina.
As grandes instituições utilizam-se dos contratos de adesão para praticarem abusos contra os consumidores, isto por que neste tipo de contrato não há oportunidade de negociações, e devido à necessidade de adquirir o bem ou o serviço o indivíduo acaba por aceitar as condições que lhe são impostas, e que na maioria das vezes não são esclarecidas ou informadas pelo funcionário da instituição responsável pela realização do contrato.
Os contratos de adesão são unilaterais, o que gera grande desigualdade nas relações de consumo entre as partes contratantes.
Procurar soluções para este desiquilibrio social e fazer valer a Lei de Defesa do Consumidor é fundamental para o livre desenvolvimento econômico da sociedade brasileira.
O consumidor em geral tem que aprender a exercer o seu direito e procurar os meios necessários para que ele seja respeitado, para isso a pesquisa que identifica os abusos praticados pelas instituições financeiras, que transformaram-se em verdadeiros cartéis, é imprescindível para o exercício regular do direito do cidadão.
Assim sendo, diante destes argumentos verificamos que o estudo dos abusos dos contratos de adesão e da regulamentação que lhe é dada pelo Código de Defesa do
Consumidor é assunto de extrema importância que deve ser estudado e analisado para que seja efetivamente aplicado no direito brasileiro.
1 - FORMAÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS
O conceito modernos de contrato formou-se em conseqüência da confluência de diversas correntes de pensamento, dentre as quais: a) contratualista; b) escola do Direito Natural.
A contribuição dos canonistas constitui basicamente na relevância que atribuíram, de um lado, ao consenso, e, do outro, à fé jurada. Em valorizando o consentimento, preconizam que a vontade é a fonte da obrigação, abrindo caminho para a formulação dos princípios da autonomia da vontade e do consensualismo. A estimação do consenso leva à idéia de que a obrigação deve nascer fundamentalmente de um ato de vontade e que, para criá-lo, é suficiente a sua declaração. O respeito à palavra dada e o dever da veracidade justificam, de outra parte, a necessidade de cumprir as obrigações pactuadas, fosse qual fosse a forma do pacto, tornando necessária a adoção de regras jurídicas que assegurassem a força obrigatória dos contratos, mesmo os nascidos do simples consentimento dos contraentes.
A Escola do Direito Natural, racionalista e individualista, influi na formação histórica do conceito moderno de contrato ao defender a concepção de que o fundamento racional do nascimento das obrigações se encontrava na vontade livre dos contratantes. Desse juízo, inferiram seus pregoeiros o princípio de que o consentimento basta para obrigar (sollus consensus obrigat). A salienta-se, no particular, a contribuição de Pufendorf, para quem o contrato é um acordo de vontades, expresso ou tácito, que encerra o compromisso a ser honrado sobre a base do dever de veracidade, que é o Direito Natural. Ressalta-se ainda a influência de Pothier na determinação da função do acordo de vontades como fonte do vínculo jurídico e na aceitação do princípio de que o contrato tem força de lei entre as partes, formulado como norma no Código de Napoleão.
Não é no direito romano que se deve buscar a origem histórica da categoria jurídica que hoje se denomina contrato, pois, segundo Bonfanti, era um especial vínculo jurídico (vinculum juris) em que consistia a obrigação (obligatio), dependendo esta, para ser criada, de atos solenes (nexus, sponsio, stipilatio). É certo que o conceito sofreu alterações, e outros romanistas, como Riccobono, sustentam que o contrato era o acordo de vontades, gerador de obrigações e ações, ou que na fase pós-clássica já se admitia que a origem das obrigações se encontrava na declaração de vontade das partes.
A moderna concepção do contrato como acordo de vontades por meio o qual as pessoas formam um vínculo jurídico a que se prendem se esclarece à luz da ideologia individualista dominante na época de sua cristalização e do processo econômico de consolidação do regime capitalista de produção.
O conjunto das idéias então dominantes, nos planos econômico, político e social, constitui-se em matriz da concepção do contrato como consenso e da vontade como fonte dos efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização o contexto individualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do papel do indivíduo.
O liberalismo econômico, a idéia basilar de que todos são iguais perante a lei e devem ser igualmente tratados, e a concepção de que o mercado de capitais e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições, todavia, que favorecem a dominação de uma classe sobre a economia considerada em seu conjunto permitiram fazer-se do contrato o instrumento jurídico por excelência da vida econômica.
O processo econômico caracterizado então pelo desenvolvimento das forças produtivas exigia a generalização das relações de troca determinando o esforço de abstração que levou à construção da figura do negócio jurídico como gênero de que o contrato é a principal espécie. O contrato surge como uma categoria que serve a todos os tipos de relações entre sujeitos de direito e a qualquer pessoa independente de sua posição ou condição social. Não se levava em conta a condição ou posição social dos sujeitos, se pertenciam ou não a certa classe, se eram ricos ou pobres, nem se consideravam os valores de uso mas somente o parâmetro da troca, a equivalência das mercadorias, não se distinguia se o objeto do contrato era um bem de consumo ou um bem essencial, um meio de produção ou um bem voluptuário: tratava-se do mesmo modo a venda de um jornal, de um apartamento, de ações de uma empresa.
Se bem que a evolução do Direito nos tempos presentes se encaminhe em sentido contrário, tal é o modelo de contrato que ainda se descreve nos compêndios de Direito Civil amarrados ao Código Civil e alheios à exuberante legislação especial que o contradiz e contesta.
Diversas causas concorreram para a modificação da noção de contrato, no direito contemporâneo.
A suposição de que a igualdade formal dos indivíduos asseguraria o equilíbrio entre os contratantes, fosse qual fosse a sua condição social, foi desacreditada na vida real.
Principalmente no contato de trabalho esse desequilíbrio tornou-se patente, gerando insatisfação e provocando tratamento legal completamente diferente, o qual leva em consideração a desigualdade das partes.
A interferência do Estado na economia implicou em uma limitação à liberdade de contratar, com o conseqüente encolhimento da autonomia privada, tolhendo a liberdade de determinação do conteúdo da relação contratual.
Assim surgiram os contratos de massa, despersonificando as partes contratantes. Essas modificações repercutiram no regime legal e na interpretação dos contratos.
Para compensar tal situação o Estado, intervindo e ditando a economia, editou diversas e abundantes leis que deram tratamento especial a determinadas categorias, compensando juridicamente sua frágil posição contratual, proibindo a inserção de determinadas cláusulas no contrato e exigindo, para se formar, sua autorização.
As principais transformações na Teoria Geral dos Contratos foram:
1. a insatisfação de grandes estratos da população pelo desequilíbrio, entre as partes, atribuído ao princípio da igualdade formal;
2. a modificação na técnica de vinculação por meio de uma relação jurídica;
3. a intromissão do Estado na vida econômica.
O desequilíbrio, que determinou o tratamento desigual entre as partes, é mais perceptível na Justiça do Trabalho, onde a lei protege a hipossuficiência do empregado, parte mais fraca no contrato, em relação ao empregador.
Dentre as novas técnicas de constituição das relações jurídicas, salientam-se as que foram impostas pela massificação de certos contratos determinante da uniformização de suas condições ou cláusulas e as que acusam a tendência para a despersonalização dos contraentes.
A política interventiva do Estado atingiu, por sua vez, o contrato, na sua cidadela, ao restringir a liberdade de contratar, na usa tríplice expressão de liberdade de celebrar contrato, da liberdade de escolher o outro contratante e da liberdade de determinar o conteúdo do contrato.
Passa-se a dissociar a relação contratual do acordo de vontade, com o propósito de explicar certas anomalias, como a prorrogação legal das locações, e justificar a diversidade de critérios de interpretação e a repartição dos riscos.
A mais importante conseqüencia dessas transformações é a mudança nas preocupações do legislador quanto à rigidez do contrato. Em relação ao contrato nos moldes clássicos, empresta maior significação às normas sobre o acordo de vontades, detendo-se na disciplina cuidadosa da declaração de vontade e dos vícios que podem anulá-la, e limitando a proteção legal aos que não têm condições de emiti-la, livre e conscienciosamente (menores, enfermos). Em relação aos contratos nos moldes contemporâneos, que se realizam em série, a preocupação é a defesa dos aderentes (contratos de adesão), mediante normas legais que proíbam cláusulas iníquas, até porque as regras de declaração da vontade e os vícios do consentimento quase não se aplicam.
2 - CONCEPÇÕES DE CONTRATO
Duas concepções antagônicas de contrato em relação ao conteúdo dividem os juristas: a subjetiva e a objetiva.
Os subjetivistas alegam que o conteúdo do contrato é composto pelos direitos e obrigações das partes, sendo fonte de relações jurídicas, sem ser, no entanto, ato propulsor das relações obrigacionais.
Os objetivistas alegam que o conteúdo do contrato é composto de preceitos, suas disposições têm substância normativa, visando vincular as condutas das partes. Portanto, é o contrato fonte de normas jurídicas, ao lado da lei e da sentença.
Tradicionalmente o contrato é conceituado como o acordo de vontades destinado a constituir uma relação jurídica de natureza patrimonial e eficácia obrigacional.
O contrato por sua vez distingui-se da Lei, segundo Savigny, por ser fonte de obrigações e direito subjetivos, enquanto a lei é fonte de direito objetivo (norma agendi).
O modo de estabelecer os direitos e obrigações contratuais dá a impressão de que o contrato, devido à sua aparência legislativa, tem natureza normativa, constituído o seu conteúdo de preceitos que regem a relação criada e vinculam o comportamento das partes. Os partidários da concepção tradicional não admitem, no entretanto, que tais normas pertençam ao mesmo genus da lei, infensos à idéia da lei concreta e individual. Sustentam que o contrato só pode criar relações jurídicas e direitos subjetivos , jamais normas de direito objetivo, mesmo quando estabelecem regras abstratas para o futuro, como nas condições gerais de contrato (contrato de adesão) que, pelo modo de formulação e forma abstrata, apresentam certa semelhança com o direito objetivo, mas não contém realmente norma alguma de Direito, senão cláusulas que se limitam a criar entre a parte que as estatui e os clientes uma relação jurídica, para que a estas também se subordinem no futuro os fatos previstos nas referidas condições, e seus efeitos. Em suma: o contrato é um pressuposto de fato do nascimento de relações jurídicas, uma das principais, senão a mais importante, fontes ou causa geradora das obrigações, o título de criação de nova realidade jurídica, constituída por direitos, faculdades, pretensões, deveres e obrigações, ônus, encargos.
Além de ser causa eficiente desse complexo de direitos e obrigações, o contrato tem de ser encarado como vínculo ou resultado que produz, a relação jurídica a que dá nascimento, os efeitos que provoca entre as parte. Em síntese: conteúdo e eficácia.
3 - FUNÇÃO ECONOMICA DO CONTRATO
A vida econômica desdobra-se através de imensa rede dos contratos que a ordem jurídica oferece aos sujeitos de direito para que regulem com segurança sues interesses. Todo contrato tem uma função econômica, que é, afinal, segundo recente corrente doutrinária, a sua causa.
Considerada a variedade de funções econômicas que desempenham, classificam-se em contratos:
a) para promover a circulação de riqueza;
b) de colaboração;
c) de conservação e acautelatórios;
d) para prevenção de riscos;
e) para prevenir uma controvérsia;
f) para a concessão de crédito;
g) constitutivos de direitos reais de gozo, ou de garantia;
A fim de que a vida econômica se desenrole mediante esses instrumentos jurídicos, não bastam, contudo, os contratos definidos e disciplinados na lei.
Tamanha é a importância dos contratos como fato econômico, que sua estrutura jurídica constitui a esteriotipação do regime que se subordina a economia de qualquer comunidade.
A função econômico-social do contrato foi reconhecida, ultimamente, como a razão determinante de sua proteção jurídica. Sustenta-se que o Direito intervém, tutelando determinado contrato, devido à sua função econômico-social.
Na afirmação que o contrato exerce uma função social, o que se quer significar, em suma, é que se deve ser socialmente útil, de modo que haja interesse público na sua tutela. Entretanto, o reconhecimento de que todo o contrato tem função econômico-social é feito por alguns de modo diverso, os quais destacam a função típica de cada contrato, isto é a função que serve para determinar o tipo ou os caracteres típicos de cada contrato. A essa função típica dos contratos liga-se a moderna doutrina objetiva da causa.