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Cláusulas abusivas nos contratos de adesão à luz do Código do Consumidor

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24/08/1997 às 00:00
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4 - CONTRATO DE ADESÃO

4.1 - DEFINIÇÃO

O contrato de adesão é negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas.

Na definição reúnem-se todos os seus elementos característicos.

É, primeiramente, um negócio jurídico bilateral. Forma-se pelo concurso de vontades destinado à jurisformização do intento empírico das partes, apresentando-se como expressão da autonomia da privada.

Distingue-se, no modo de formação, pela adesão sem alternativa de uma das partes ao esquema contratual traçado pela outra, não admitindo negociações preliminares nem modificação em suas cláusulas preestabelecidas.

O esquema contratual constitui-se de uma série de condições ou cláusulas gerais destinadas a ser a lex contractus de uma seqüência ilimitada de relações jurídicas concretas de natureza contratual. Caracteriza-se tais cláusulas pela generalidade, uniformidade e abstratividade, repetindo-se, sem se exaurirem, em todos os contratos dos quais sejam o conteúdo normativo e obrigacional.

A determinação do conteúdo desses contratos é prévia e unilateral. Um dos sujeitos redige-as antecipadamente para sua utilização nas eventuais relações jurídicas que travará com pessoas indeterminadas. O esquema é, normalmente, a obra exclusiva de uma das partes dos contratos seriados.

Destinam-se as cláusulas gerais imutavelmente a constituir o conteúdo obrigacional dos contratos celebrados para o nascimento de prestações idênticas, mas exercem igualmente uma função normativa no sentido de que regulam inevitavelmente, de modo uniforme, a conduta das partes e os seus interesses no curso da relação, sem serem disposições legais.

4.2 - ASPECTOS DO CONTRATO DE ADESÃO

A figura jurídica nomeada contrato de adesão apresenta-se sob o duplo aspecto, conforme o ângulo de que seja focalizada. Considerada na perspectiva da formulação de cláusulas por uma das partes, de modo uniforme e abstrato, recebe a denominação de condições gerais dos contratos e é analisada à luz dos princípios que definem a natureza desse material jurídico. Encarada no plano da efetividade, quando toma corpo no mundo da eficácia jurídica, é chamada contrato de adesão e examinada no prisma do modo por que se formam as relações jurídicas bilaterais.

A bem dizer, a cumulação dos dois aspectos significa que se apresentam como dois momentos lógica e cronologicamente diversos do mesmo fenômeno.

No primeiro momento, o empresário formula o esquema contratual abstrato, redigindo as cláusulas do conteúdo das relações contratuais que pretende concluir uniformemente com pessoas indeterminadas.

No segundo momento, o eventual cliente da empresa adere a esse esquema, travando-se entre os dois uma relação jurídica de caráter negocial, com direitos e obrigações correlatas, sem qualquer conexão jurídica com os outros vínculos que, do mesmo modo e com igual conteúdo, se formam com distintos sujeitos.

O fenômeno é um só e uma só a categoria jurídica. Faltaria sentido prático à formulação de condições gerais para contratos uniformes se possibilidade não houvesse de os concluir em número indefinido.

Enquanto não ingressam no comércio jurídico, tais condições não passam, para empregar expressões alemãs, de simples Stüchpapier ou de mero Musterformulare, sem interesse prático ou dogmático. Por sua vez, o comportamento do cliente que provoca a formulação de uma relação concreta somente reveste significação particular se implica adesão às condições gerais previamente estatuídas pelo empresário.

Determinar qual desses momentos ou aspectos é o mais importante, sob o ponto-de-vista dogmático, é a questão de preferência em razão do que se considere ter maior originalidade. São, porém, necessários, tanto se podendo batizar o fenômeno com o nome de contrato de adesão como de condições gerais dos contratos.

Entre nós, a locução do contrato de adesão goza, sob a influência da doutrina francesa, de maior aceitação. É possível conservá-la e conveniente usá-la, uma vez se empregue no sentido limitado de aceitação inevitável de condições uniformes unilateralmente formuladas.

Verdade é que as condições gerais podem originar-se de acordo entre as partes, ser projeção de um regulamento administrativo, ou produto da atividade de terceiro, de sorte que não se confundem necessariamente com os contratos de adesão. Sua amplitude não impede, porém, a particularização, nem que constituam, como frisa GENOVESE, o fenômeno mais relevante do ponto-de-vista dogmático, entre os isolados pela doutrina ao desenvolver a teoria dos contratos de adesão.

4.3 - TERMINOLOGIA

A prática de preconstituir o esquema do contrato mediante cláusulas elaboradas por uma das partes, não restando à outra senão aceitá-las in totum, foi registrada pela primeira vez, em breve apreciação crítica por SALEILLES ao se ocupar da parte geral do Código Civil Alemão, no magnífico estudo sobre a declaração de vontade.

A essa espécie nova deu, à falta de melhor denominação, o nome de contrato de adesão, que fez fortuna.

Só mais aproximadamente, vem se preferindo à expressão condições gerais do contrato.

A principal razão da preferência reside na maior amplitude da locução. Abrange, sem dúvida, todos os casos de predisposição uniformes que devem ser insertas no conteúdo do contrato, sejam estabelecidas por um dos contratantes ou por outrem.

A expressão contrato de adesão tem sentido mais estreito. Tem sido empregada para designar a preconstituição unilateral do conteúdo dos contratos similares, neles se inserindo as cláusulas uniformes que não podem ser rejeitadas. Outros lhe emprestam significado ainda mais restrito, reservando-a para as relações jurídicas nas quais a posição de superioridade do predisponente permite, em princípio, a imposição de cláusulas atentatórias do equilíbrio normal entre os contratantes.

Não parece razoável esse estreitamento. É a forma do consentimento que identifica mais rapidamente a figura jurídica do contrato de adesão se, obviamente, a predisposição unilateral do seu conteúdo for realizada para contratos em massa.

Afinal, a aceitação em bloco de cláusulas preestabelecidas significa que o consentimento sucede por adesão, prevalecendo a vontade do predisponente que, na observação de SALEILLES, dita a sua lei, não mais a um indivíduo, senão a uma coletividade indeterminada. Não importa, desse modo, que as cláusulas predeterminadas integrem, mediante incorporação ou remissão, o conteúdo de todos os contratos. Nem se altera o fenômeno por ser a predisposição obra de terceiro, como na hipótese de provir de regulamento do poder público. Visto sob o ângulo da formação dos vínculos pessoais, patenteia-se o mesmo processo de estruturação, por quanto mais uma das partes adere a cláusulas, que tem de aceitar globalmente, não participando na sua formação. Em todos esses casos, a expressão contrato de adesão, consagrada pelo uso, pode ser mantida, a despeito das objeções que levanta.

A facti specie a que se chama o contrato de adesão corresponderia os negócios jurídicos difundidos na prática da atividade econômica, que se realizam em condições especiais com o objetivo de uniformização, repetidas nos contratos singulares as cláusulas preestabelecidas por uma das partes.

Portanto, a expressão contrato de adesão é tecnicamente mais correta que a expressão condições gerais do contrato.

4.4 - BILATERALIDADE NA FORMAÇÃO DO CONTRATO DE ADESÃO

Existiam duas correntes quanto a formação do contrato de adesão, uma alegando que este é ato unilateral e outra ato de manifestação de vontade.

A primeira corrente alegava que como no contrato de adesão as cláusulas são preestabelecidas não existe livre manifestação da vontade, ficando a vontade do aderente restrita à vontade do predisponente. Por essa razão, e pela desigualdade em que as partes se encontram, entendem que tal relação não é contratual, não devendo ser regulada como se fosse.

Já para os contratualistas, que entendem existir manifestação de vontade no contrato de adesão, embasam sua tese no fato de que o aderente participa da relação manifestando sua vontade no ato da contratação, tendo sob esse aspecto bilateralidade.

O recurso à categoria do ato-condição construída pela doutrina publicista, além de refugiar-se numa classificação sem apoio na melhor doutrina, não contornaria a objeção, a menos que a questão fosse meramente terminológica. Argumentar-se-ia que, na formação desse ato, como na do contrato, há um concurso de vontades a atestar, sob esse aspecto, a bilateralidade.

Os que viessem, na conclusão desse negócio jurídico, a adjunção de dois atos unilaterais, estariam encarando o problema de um ângulo impróprio, eis que o contratualismo francês se atém ao processo de formação do vínculo.

Dos juristas franceses o que mais sustentou a tese do simples consentimento na contratação nos contrato de adesão foi DEREUX.

Para ele o contrato de adesão necessariamente exprime a vontade comum de duas pessoas, pois sem a aceitação em bloco de suas cláusulas pelo aderente, o contrato não tem existência.

Na tentativa de eliminar toda a ficção do contrato, mantendo sua tese na vontade das partes o E. jurista francês divide as cláusulas do contrato de adesão em duas: essenciais e as acessórias.

As cláusulas acessórias são as que se insere no texto impresso do instrumento contratual; as outras são as comumente impressas. As cláusulas acessórias são livremente aceitas pelo aderentes, com seu perfeito conhecimento; já as essenciais são as inalteráveis, que escapam ao pleno conhecimento do aderente, e por tal razão não devem produzir quanto a esta efeitos jurídicos, senão quando insertas para precisar ou completar as cláusulas ecessórias.

Infletindo, desse modo, para o terreno da interpretação desses negócios jurídicos Dereux procura ressaltar que, também pelos efeitos jurídicos, são contratuais, nada oferecendo de especial que justifique seu tratamento como categoria especial.

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Insistem, igualmente, na normalidade contratual dos negócios de adesão Geny, Demogue, Colin E Capitant, Josserrand, Morin, dentre outros.

Por influência dessa doutrina os tribunais franceses se recusavam a admitir qualquer distinção entre os contratos de adesão e os outros, jamais admitindo que aqueles tinham natureza jurídica própria que os subtraia das regras aplicáveis aos contratos.

Esta firme posição doutrinária explica o método que observam na política de defesa do aderente:

1) a obscuridade ou a ambigüidade da convenção deve ser interpretada contra o estipulante;

2) na hipótese de contradição entre as cláusulas manuscritas e impressas, preferem-se as primeiras porque traduzem melhor a vontade do aderente.

No entanto a posição contratualista na sua pureza original tem sido contestada, ensejando análises da figura do contrato de adesão à luz de novos dados da dogmática que têm contribuído para esclarecer sua originalidade, assinalando que pode ser reduzida à plena contratualidade.


5 - ANTECEDENTES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A idéia de um corpo orgânico de normas de proteção ao consumidor foi lançada, em nosso país, em meados da década de 1970, tendo germinado sob a ação de inúmeras e ineficientes intervenções estatais na economia, as quais faziam, a cada passo, desnudar-se a fragilidade do regime então vigente, com o sucessivo atingimento - e sem resposta satisfatória - de inúmeros direitos dos consumidores, em ações de que resultaram falta de produtos no mercado, sonegação de mercadorias, formação de estoques especulativos e cobrança de ágio na comercialização, a par de outras práticas abusivas, principalmente em 1986/1987.

O recrudescimento, àquelas épocas, do espírito associativo - que permitiu o nascimento e o desenvolvimento de associações específicas de consumidores - constituiu-se em importante fator de pressão na posterior sagração constitucional (1988) dos direitos dos consumidores (art. 5º, inciso XXXII) e na expedição do comando ao Congresso Nacional para edificação do Código respectivo (art. 48 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias), assentando o princípio como uma das pilastras básicas da ordem econômica (art. 170, V).

Iniciativas privadas e oficias antecederam, no entanto, a elaboração do Código, manifestadas sob as formas de várias, desde estudos e esboços a anteprojetos de leis, referentes à edificação de política própria e à estruturação adequada de um organismo central de controle, dotado de poderes efetivos para uma ação eficaz em prol dos direitos em questão.

No âmbito privado, cumpre anotar-se a atuação do Instituto dos Advogados de São Paulo, quem em fins de 1976 promoveu debates sobre o tema, de que acabou surgindo, pela ação do conferencista convidado, J. M. Othon Sidou, o oferecimento de um Esboço de Lei de Proteção ao Consumidor, com a criação de uma Procuradoria Nacional do Consumidor, como órgão de cúpula do regime proposto (art. 43), destinado a formular e a tomar medidas concretas para a satisfação dos direitos dos consumidores.

Na esfera oficial, registre-se a iniciativa do Deputado Nina Ribeiro de instituição de um Conselho de Defesa do Consumidor, com a apresentação do projeto de lei à Câmara Federal (nº 70/71), que, todavia,não logrou êxito.

A par da ação de órgãos públicos, federais e estaduais, e de entidades particulares, depois criadas, partiu do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor - criado muito depois - a idéia de preparação de um Código de Defesa do Consumidor, formando-se então Comissão de Juristas capitaneadas pela Profª. Ada Pellegrini Grinover, que, com sugestões recebidas de várias entidades, elaborou o Anteprojeto, publicado no DOU de 04.01.89.

Com isso, em seu contexto, outras colaborações, ofereceu o citado Conselho a versão final do anteprojeto, como contribuição do Executivo para a missão do Congresso Nacional, onde, com base no trabalho citado, outros projetos sobre a matéria foram apresentados para discussão, surgindo, afinal, a Lei nº 8.078, de 11.09.90.

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Sobre a autora
Ana Maria Zauhy Garms

advogada em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARMS, Ana Maria Zauhy. Cláusulas abusivas nos contratos de adesão à luz do Código do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. -2138, 24 ago. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/707. Acesso em: 29 mar. 2024.

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