6 - A EDIÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Ao instituir o denominado Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 8.078/90, aparece em momento propício e na esteira da edificação de um regime jurídico privado coerente com a evolução atingida em outros países, a fim de obviar-se as constantes investidas que a massa geral de consumidores - e, em particular, os menos avisados - tem sofrido diante dos reflexos negativos decorrentes, principalmente, das desigualdades fáticas, da ausência de instrumental jurídico convincente e de um sistema econômico minado por persistente inflação e por núcleos poderosos de especulação.
Surge a lei com um regime estruturado em consonância com os avanços obtidos no exterior, em especial nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, o qual se baseia, fundamentalmente, na técnica do direito social de proteção ao economicamente mais fraco, mediante normas de reforço à sua posição jurídica, na busca do justo equilíbrio de forças.
Com isso, são explicitados os direitos do consumidor; os bens jurídicos protegidos; o sistema institucional de controle e de fiscalização; o sistema privado de defesa; os mecanismos individuais e coletivos de reação possíveis e meios processuais mais adequados para a obtenção de um pronunciamento judicial mais célere e eficaz e a satisfação imediata dos interesses dos consumidores.
Em seu contexto normativo, a lei rompe, em alguns pontos, com os esquemas tradicionais, intentando, nas esferas por onde se espraia a sua ação, dotar o consumidor de sistema protetivo adequado. Assim, quanto ao sancionamento administrativo, enuncia e ordena medidas punitivas mais coerentes com o atual sancionamento penal, em que se preveêm penas condizentes com o próprio texto constitucional; em nível de sancionamento civil, torna mais factível a percepção de indenização pelo lesado, imprimindo feições próprias à responsabilidade civil nas relações de consumo.
Prevê regime de informações claras e precisas ao consumidor; limita o uso de dados pessoais existentes em bancos e em cadastros; e disciplina a oferta e a publicidade de produtos, obviando sempre expedientes lesivos aos consumidores.
Veda as práticas comerciais consideradas abusivas, resultantes do aproveitamento indevido de inferioridade do consumidor; condicionamento de vendas; recusa de atendimento e outras, prevendo, quanto à comercialização, mecanismos diversos de satisfação dos interesses dos consumidores em casos de vícios de bens ou de serviços.
Define e regula os contratos denominados de adesão, procurando expungir de seu conhecimento fórmulas de seu contexto ou cláusulas abusiva.
No âmbito da reparação de danos, institui a técnica da inversão do ônus da prova, em prol do consumidor, trazendo, ademais, inovações de ordem processual tendentes a conferir maior agilidade à realização da justiça. Dispõe sobre os meios individuais e coletivos de ação, legitima órgãos públicos e associações para o exercício e amplia o conceito de coisa julgada nesse campo, estabelecendo, assim, regime singular, distinto do processo comum.
Os mecanismos propostos representam a internação, em nosso país, de regime de controle já praticado, em êxito, em outros desenvolvidos, o qual impõe, para as relações de consumo regramento rígido, mas que reforçará o sistema do mercado, inibindo, em prol de todos, práticas deletérias aos princípios éticos que devem nortear as atividades empresariais na defesa dos valores básicos da personalidade humana.
7 - ÂMBITO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Estende-se o Código às relações de consumo, ou seja, às funções de satisfação de necessidades para as quais convergem todas as operações de produção, intermediação e colocação de produtos ou de serviços no mercado e adquirente ou final.
Trata-se, pois, de mais um complexo de normas para o plano das relações privadas, em que os protagonistas centrais são, no polo disponente, o produtor, o fabricante e o intermediário; e, no polo adquirente, as pessoas físicas ou jurídicas, que se servem dos bens e dos serviços para as satisfações de suas necessidades.
Os objetivos básicos do Código são, a par de garantir a regularidade das atividades empresariais, permitindo, como o declara, o desenvolvimento dos processos produtivo e distributivo dentro das normas próprias - em que imperam os princípios éticos da honestidade e da lealdade - preservar direitos dos consumidores, dentro de uma sistemática mais eficaz, e que denuncia e sanciona práticas abusivas detectadas na experiência fática.
Comisso, também para a defesa da concorrência são relevantes as normas em questão, pois de seu contexto se pode apreender a conduta que o legislador requereu como ideal e colaborar com os concorrentes para o saneamento do mercado - mantendo a higidez de seus produtos, respeitando e orientando o consumidor, denunciando irregularidades e abusos, tudo dentro da função social da grande empresa - como conseqüente isolamento e sancionamento dos turbadores.
Restringe-se o regime do Código apenas às relações de consumo, não se aplicando à contratação privada em geral, que continua sujeita às regras do direito comum (arts. 1º a 4º).
Mas, também, não se limita o regime do Código às situações descritas em seu contexto, nem as práticas sancionáveis se reduzem àquelas em seu corpo inseridas, pois o legislador fez consignar em seu texto norma geral que acolhe, como protegidos, direitos outros reconhecidos aos consumidores em tratados, convenções e em leis especiais e derivadas de princípios gerais de direito, analogia, costumes eqüidade (art. 7º).
Com isso, continuam com plena eficácia as normas previstas na legislação anterior que não colidam com o regime do Código, que revoga, pois, somente as regras incompatíveis, dentro da técnica tradicional (art. 119).
As relações que se submetem ao sistema do Código são as referenciadas ao uso pessoal ou privado de bens ou serviços compreendendo sua aquisição, ou utilização, para a satisfação de necessidades ou interesses de ordem particular. São as chamadas relações de consumo, em que ocorrem, ao mesmo tempo, a realização do objetivo do consumidor e a fruição do bem, com a perda de sua substância (coisas consumíveis: Código Civil; art. 51; ou bens ou direitos de gozo, que se subdividem em de consumo, em que há perda da substância, e os de uso, em que esta ou não ocorre, ou é lenta).
Nessas relações encontram-se, como partes, os fornecedores empresariais e os distribuidores, incluídos os prestadores de serviços; e, de outro lado, os consumidores, ou adquirentes ou usuários finais, compreendendo-se, em seu âmbito, as coletividades de pessoas propensas ou sujeitas a intervir nesse campo. Produto é qualquer móvel ou imóvel, material ou imaterial (art. 3º, § 1º). Serviço é qualquer atividade fornecida mediante remuneração, incluídas a bancária, a financeira, a creditícia e a securitária (§2º).
São abarcadas pelo regime do Código as relações com consumidores finais. Apartam-se, pois, de seu contexto, as operações referentes ao denominado consumo intermediário, ou seja, decorrentes do uso por empresas de bens ou serviços para o próprio processo produtivo (compreendendo, pois, bens chamados indiretos ou de produção, ou seja, que não satisfazem diretamente necessidades, ou porque requerem transformação para consumo, como as matérias-primas ou porque atuam como instrumentos, com máquinas, combustíveis e outros).
8 - INSTITUIÇÃO DO SISTEMA PROTETIVO
O sistema de proteção instituído compõe-se de um complexo normativo especial em que: é definido regime próprio para a defesa do consumidor, com a fixação de princípios básicos e a estruturação de entidades próprias de controle; são vedadas condutas e disposições contratuais consideradas abusivas; são limitadas certas práticas, inclusive contratuais, lesivas a interesses dos consumidores; são sancionadas, em nível administrativo, penal e civil, as condutas condenáveis; e são instituídos mecanismos próprios, no campo processual, para a satisfação dos direitos em causa.
Assim, de início, são enunciadas as premissas em que assenta o sistema. Da definição dos princípios depreende-se nítida a orientação protecionista do consumidor, reconhecendo-se, por expresso, com as distorções detectadas, na prática, a posição de desvantagem em que se encontra frente aos complexos empresariais que movimentam as diferentes etapas do ciclo econômico.
Isso significa, pois, que parte o Código da inexistência de igualdade entre os atores da cena econômica, eis que os consumidores nem sempre podem escolher - e mediante analise detida - os produtos e os serviços de que se valem em sua vida diária. Encontram-se, ainda, muitas vezes, sem possibilidades de conhecer as condições do negócio e sob os efeitos diretos e subliminares de sugestivas e excitantes publicidades que, por todos meios e com estímulos para todos os sentidos, lhes remetem constantes mensagens comerciais, e gera-lhes impulsos de compra, seja no lar, no transporte, no ambiente de trabalho ou de laser, enfim, em todos os momentos e sua vida normal.
Ora, essa situação, que gerou, na sociedade moderna, o modelo de consumidor passivo - criando para o direito, a necessidade de contrabalançar sua posição com regulamentação capaz de frear ações lesivas levadas a efeito por fornecedores em geral - é que se serviu de apoio para o sistema instituído, no qual se congregam entidades, existentes ou criadas, públicas e privadas, para a defesa dos interessados.
Na ruptura com a estruturação tradicional, o sistema define princípios, conceitos e regras próprias, que têm sugerido, a alguns autores no exterior, a existência de um Direito do Consumidor ou Direito do Consumo, mas que, no fundo, se encontra compreendido em um contexto maior, o do Direito Econômico, onde se mesclam regras de ordem administrativa, civil, penal, processual, conferindo caráter próprio à tutela jurídica do consumidor.
O regime normativo parte da definição dos conceitos básicos dos atores no cenário econômico; cuida de sua defesa no plano extracontratual e no âmbito contratual; veda ou limita ações lesivas (ou que podem lesar) a interesses dos consumidores; enuncia sanções nas esferas citadas e estabelece mecanismos processuais próprios para a sua aplicação, para as quais instrumenta as entidades de defesa, tanto públicas, como privadas, na ordem já assinalada.
Verifica-se do conjunto normativo posto que somente se sujeitarão a seus efeitos as entidades, privadas ou públicas, que, como fornecedoras de bens ou de serviços, praticarem as ações que o Código reprime, todas, aliás, abusivas e ilegítimas. A contrario sensu, não incidirão em qualquer um dos seus textos os fornecedores que continuarem a pautar sua ação pelos princípios da honestidade e da lealdade, respeitando os consumidores, dos quais, aliás, retiram, em última análise, as verbas com que mantêm e expandem seus negócios.
A nota principal no regime, a par da enunciação objetiva das atitudes que rejeita e sanciona, encontra-se na regulamentação processual, em que legitima as entidades de representação e as de defesa a agir judicialmente em prol dos consumidores, habilitando-os, individual ou coletivamente considerados, a obter satisfação de seus direitos violados, também pela simplificação de institutos tradicionais da técnica processual.
Toda a estruturação legal da matéria gravita em torno dos objetivos que nortearão a política nacional de relações de consumo, definidas no Código, a saber: atendimento das necessidades dos consumidores; respeito à dignidade, saúde e segurança; transparência e harmonia das relações de consumo; proteção dos interesses econômicos dos consumidores e melhoria de sua qualidade de vida (art. 4º).
São todos valores transcedentes, seja da personalidade humana (como os da dignidade pessoal, de higidez física e mental ), seja da vida em sociedade (como os da harmonização de interesses, da melhoria das condições de vida), que cabe aos fornecedores de bens e de serviços, como aos demais componentes da coletividade, respeitar, seja, por fim, do mundo negocial da defesa na defesa dos direitos assegurados no plano da teoria da concorrência desleal.
Na definição das relações abrangidas na conceituação dos atores do cenário econômico visado, o Código assume posições claras e próprias, superando inúmeras discussões e debates travados em outros países a respeito do alcance das noções fundamentais de relação de consumo, consumidor, e fornecedor de bens ou de serviços (expressão que congrega o produtor, o industrial, o intermediário, o prestador de serviços e outros agentes, mesmo sem personalização jurídica, que atuam na circulação econômica e jurídica de bens ou de serviços).
Assinale-se, de início, que as noções em causa, embora na economia encontrem conceituações unívocas, não recebem, no direito, o mesmo tratamento, ou seja, não são consideradas conceitos estáticos, mas sim definidas em razão dos valores e dos objetivos visados em cada ordenamento jurídico, assumindo, pois, maior ou menor extensão, conforme o caso.
Assim, no Código, as relações de consumo compreendem aquelas referenciadas a atividades de produção, transformação, montagem, criação, construção, importação, exportação, distribuição ou comercialização de bens ou prestação de serviços, inclusive de natureza bancária, financeira, creditícia e securitária, excetuadas as de cunho trabalhista, e desenvolvidas por entidades privadas ou públicas (art. 3º).
As relações abrangem, pois, em síntese, aquelas referentes à produção e colocação no mercado de bens e de serviços, e sua consumação posterior pela coletividade.
Consumidor é a pessoa física, ou jurídica, que adquire ou utiliza bens ou serviços, como destinatário final (art. 2º). Isso significa que é o elo final da cadeia produtiva destinado-se o bem ou o serviço à sua utilização pessoal. Mas, equipara-se a consumidor, para efeitos legais, a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que se encontre sujeita ou propensa a intervir nas relações de consumo; vale dizer: o grupo indefinido de pessoas de uma categoria ou de uma classe que se ache sujeito ou suscetível de ingressar no circuito de consumo (parágrafo único). Observe-se que, no conceito legal, ingressam também as pessoas jurídicas, sempre que destinatárias finais do produto, ou do serviço, matéria em que o nosso Código é explicito, evitando duvidas e questionamentos nela levantados.
Consumidor não constitui uma classe, mas uma posição juridico-social reconhecida pela lei, enquanto tal, ou seja, quando consome como destinatário final. É aquele que adquire o produto como destinatário final. Em regra, quem adquire o produto para revenda não é consumidor.
Para se enquadrar como consumidor não é necessários que tenha adquirido o bem ou o serviço, mas simplesmente que se utilize dele como destinatário final. Para o art.2º o importante é a retirada do bem do mercado sem se importar com o sujeito que adquiriu o bem, profissional ou não.
Waldirio Bulgarelli (Questões Contratuais do Codigo de Defesa do Consumidor. ED.Atlas) nos diz ainda que os consumidores podem ser assim alinhados:
1. Coletividade de Pessoas; ainda que indetermináveis,
que hajam nas relações de consumo ( parágrafo
único, art.2º);
2. Consumidor vulnerável; (art 4º, I -
reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado
de consumo");
3. Consumidor Carente; (art 5º, I - "manutenção
de assistência jurídica, integral e gratuita, para
o consumidor carente");
4. Consumidor ameaçado; "Art.29 - para
os fins deste capítulo e o seguite, e equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não,
expostas às praticas nele previstas);
5. Consumidor Hipossuficiente (art 6º VII).
Esta classificação não é exaustiva, podendo confundir-se às várias espécies que a lei equiparou-se ao consumidor referido no art.2º.
As normas do CDC são por demais importantes, não devendo ser aplicada tão somente para proteger o consumidor hipossuficente, se assim o fosse enfraqueceria o sistema protetivo do código.
Deve-se levar em consideração as características do mercado financeiro brasileiro que esta diretamente subordinado ao CDC.
No Brasil, além da fragilidade dos consumidores, pessoas física ou jurídicas, há sempre a conduta anti-ética de fornecedores de produtos e serviços que enriquecem devido a atos realizados em desconformidade com a ética e a justiça.
Sendo assim, o CDC deve ser aplicado da forma mais abrangente quanto a gama de relações jurídicas tuteladas.
Não se pode reduzir o consumidor ao adquirente, apenas ao contratante, deve-se alcançar todos os que, com ou sem vinculo contratual, estejam abrangidos na relação de consumo.
No outro polo das relações, situam-se pessoas ou entidades que fornecem bens ou serviços. Em consonância com o Código, encontra-se, de um lado, qualquer pessoa, quer como industrial, importador, comerciante, agricultor, pecuarista ou prestador de serviços de qualquer natureza à título individual ou societário, e, de outro, o Estado e organismos públicos, descentralizados ou não, empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias de serviço público e outras entidades, públicas ou privadas, que exerçam as referidas atividades (art. 3º).
Dentre os fornecedores incluem-se consórcios privados ou governamentais e organismos binacionais ou multinacionais. Abrange, pois, a categoria dos fornecedores em geral, com os que produzem (produtores em geral), os que prestam serviços (prestadores de serviços) e os que colocam no mercado (intermediários), independentemente da natureza da atividade, se pública ou privada; do titular da atividade (se pessoa física ou jurídica, e se haja ou não personalização) e do modo pelo qual os produtos ou serviços são colocados no mercado (direta ou indiretamente, de fornecedores nacionais ou do exterior).
Em síntese, compõem as relações submetidas ao regime do Código os adquirentes e os usuários finais, tanto pessoas físicas, como coletividade de pessoas física e jurídicas; e, de outro lado, os fornecedores de bens ou de serviços para consumo. Levam-se em conta, na regulamentação, interesses individuais, coletivos e difusos dos consumidores, ou destinatários finais dos bens - em nosso sistema, não empresariais, ou mesmo empresarias, desde que utentes de produtos de consumo - qualificando-se estes como corpóreos, móveis ou imóveis, e destinados às necessidades normais da vida.