3.Competências dos consórcios públicos.
Os consórcios públicos, (pessoas de direito público ou de direito privado), regem-se pelos seus estatutos (art. 7º) e serão constituídos por contrato, cuja celebração depende da prévia subscrição do protocolo de intenções (art. 3º), podendo:
- - firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza e receber contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos de governo;
- - promover desapropriações e instituir servidões, nos termos da declaração de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público competente;
- - ser contratados pela administração direta ou indireta dos entes consorciados, com licitação dispensada ;
- - arrecadar tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços ou pela outorga de uso dos bens públicos por eles administrados, ou, mediante autorização específica, daqueles administrados pelo ente da Federação consorciado;
- - outorgar concessão, permissão ou autorização de obras ou serviços públicos, mediante autorização prevista no contrato de consórcio público, que indicará o objeto e as condições da concessão, permissão ou autorização, observada a legislação de normas gerais em vigor.
4. Cláusulas necessárias
Já vimos que o consórcio público tem sua constituição dependente da prévia subscrição do protocolo de intenções, e da necessária e livre ratificação desse protocolo pelos corpos legislativos de cada ente federado consorciado. É, pois, muito importante verificar-se quais as cláusulas necessárias do protocolo de intenções prévio à constituição do consórcio público, porque é nelas que se definem seu objeto e suas condições.
Destacaremos, a respeito, alguns aspectos que nos parecem mais importantes.
Inicialmente, observe-se que, em notável falta de técnica legislativa, matéria de crucial importância, qual seja a pertinente às competências da assembléia geral consorcial, prevista como instância máxima do consórcio, dilui-se entre alguns incisos do art. 4º, dedicado às cláusulas necessárias do protocolo de intenções, quando mereceria ser objeto de um artigo autônomo.
A assembléia geral consorcial será composta de representantes dos entes consorciados, cabendo a representação legal do consórcio ao Chefe do Poder Executivo de um dos entes consorciados, com duração de seu mandato e forma de sua eleição a serem definidos pelo protocolo de intenções ( art. 4º, inc. VIII).
O protocolo de intenções definirá as normas de convocação e funcionamento da assembléia consorcial, bem como para a elaboração, aprovação e alteração dos estatutos que regerão o funcionamento do consórcio público (art. 4º, inciso VI).
Colhe-se do disposto no inciso VII, bem como no § 2º do artigo 4º, que o número de votos de cada ente da Federação consorciado, na assembléia geral, será definido pelo protocolo de intenções, assegurado o mínimo de um voto. O que quer dizer que é admitido, na assembléia consorcial, o voto múltiplo. Ora, isto fere a igualdade jurídica dos partícipes e viola o princípio federativo.
Se o voto múltiplo for definido no protocolo de intenções como proporcional ao quantum de recursos investidos, fácil é prever-se que, se o consórcio for integrado pela União, dispondo esta sempre de maiores recursos, ter-se-á, por via transversa, assegurado o predomínio de seus votos na assembléia. Em suma, retorna-se, sub-repticiamente, à velha tendência de centralização de decisões pela União, que tem acarretado tão nefastas conseqüências na história do País.
Prevê-se, ainda, a cessão de pessoal ao consórcio, por parte dos entes da Federação consorciados, ou dos com eles conveniados, na forma e condições da legislação de cada um ( art. 4º, § 4º).
Define-se como objeto do protocolo a estipulação do número, formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem como os casos em que haverá contratação por tempo determinado para atendimento a necessidades temporárias de excepcional interesse público (art. 4º, inciso IX). Evidentemente, tal previsão não se dirige aos consórcios com personalidade de direito privado, cujo regime de pessoal está claramente definido no art. 6º, § 2º.
O protocolo de intenções ainda prevê, no art. 4º, X, as condições para que o consórcio celebre contratos de gestão ou termos de parceria [17].
No art. 4º, XI, contêm-se detalhadamente as coordenadas da autorização para a gestão associada de serviços públicos pelos consórcios, como determina o art. 241 da Constituição, as quais são explicitadas nas alíneas a a e.
Define-se, ainda, pelo protocolo de intenções, a área de atuação dos consórcios, em função da natureza dos entes consorciados e pela soma dos seus respectivos territórios (art. 4º, § 1º, e seus incisos I a IV). É de ressaltar-se, a propósito, a cautela do legislador em vedar, no art. 1º, § 2º, a constituição de consórcios públicos diretamente entre a União e os municípios, sem a obrigatoriedade, que impôs, da participação dos Estados em que tais municípios estejam situados.
5. Os contratos da Lei 11.107/05.
A Lei 11.107/05 prevê várias espécies de contratos:
- o "contrato" para a constituição do consórcio, que é precedido da ratificação do protocolo de intenções pela lei de cada ente consorciado;
- o contrato de rateio dos recursos investidos, conforme as disposições específicas do art. 8º;
- o contrato de programa, que está amplamente detalhado no art. 13 e seus incisos e parágrafos.
Nessas disposições, observe-se, é a primeira vez que a Lei alude aos convênios de cooperação (art. 13, §§ 4º e 5º), estritamente quando trata dos contratos de programa.
Também o art. 14 prevê a realização de convênio, mas este não é o convênio de cooperação a que se alude acima, e que está previsto na Constituição: será aquele celebrado pela União com os próprios consórcios públicos, objetivando "a descentralização e a prestação de políticas públicas em escala adequada".
Tendo em vista o disposto no art. 2º, § 1º, inciso I, que já contém a previsão genérica de celebração de convênios pelos consórcios públicos, pareceria despiciendo tal destaque em uma lei tão enxuta em outros aspectos mais importantes. Mas a verdadeira intenção do dispositivo é, segundo CLEBER DEMETRIO OLIVEIRA DA SILVA [18] "inteligente manobra legislativa" que permita à União, não podendo celebrar consórcios com municípios sem a participação dos Estados-membros, na dicção do art. 1º, § 2º, obviar tal proibição celebrando convênios diretamente com consórcios intermunicipais .
O contrato de rateio, ocupando-se das obrigações financeiras dos entes reunidos em consórcio, e o contrato de programa, operacionalizando as obrigações relativas a encargos, serviços e bens necessários à implementação dos objetivos do consórcio, constituem poderosos instrumentos que possibilitam e dinamizam a atuação prática dos consórcios e dos convênios de cooperação.
O contrato de rateio, segundo a previsão da Lei nº 11.107/05,
- é celebrado entre cada ente consorciado e o consórcio público (art. 8º);
- é formalizado em cada exercício financeiro;
- tem prazo de vigência condicionado à previsão das dotações orçamentárias que lhe darão suporte ( art.8º, § 1º), exceto no caso de programas e ações contempladas em plano plurianual, ou no da gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou preços públicos;
- os entes consorciados, isoladamente ou em conjunto, são partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato de rateio ( art. 8º, § 3º);
- a Lei prevê, no § 5º do art. 8º, a exclusão do consórcio, após prévia suspensão, do ente consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária, ou em créditos adicionais, as dotações necessárias para atender às despesas assumidas pelo contrato de rateio.
Só não diz, em lamentável omissão, quem é competente para adotar medidas tão drásticas, quais sejam a suspensão e a exclusão do consórcio, nem qual o período da suspensão e seus efeitos, nem em quais condições a exclusão seguir-se-á, ou não, à suspensão. Presume-se, de todo o contexto geral da Lei, que tal competência deverá caber à assembléia geral consorcial. Não se compreende, entretanto, por que matéria tão relevante não constou das cláusulas necessárias do protocolo de intenções.
Vale lembrar, ainda, que o Código Civil, na parte referente às associações civis, que se aplica aos consórcios públicos no que não contrariar a Lei 11.107/05 (omissa a respeito), contém disposição específica para a exclusão de associados, qual seja o seu art. 57.
Tal dispositivo legal foi alterado pela Lei nº 11.127, de 28 de junho deste ano, passando a ter a seguinte redação, in verbis :
"Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto".
Demais disso, o art. 18 altera o art. 10 da Lei nº 8.429/92 para adicionar-lhe o inciso XV, in verbis:
"celebrar o contrato de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária , ou sem observar as formalidades previstas na lei".
Tão rigorosas disposições fazem, pois, do contrato de rateio o instrumento que consubstancia as obrigações financeiras de cada ente consorciado, conferindo-lhes a necessária seriedade e segurança.
Quanto ao contrato de programa, tem as seguintes características :
- é celebrado entre dois entes da Federação, ou entre um ente da Federação e um consórcio público; se previsto no contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação, poderá ser celebrado por entidades de direito público ou privado que integrem a administração indireta de qualquer dos entes da Federação consorciados ou conveniados ( art. 13, § 5º);
- atenderá à legislação das concessões e permissões de serviços públicos, quanto à regulação dos serviços e o cálculo de tarifas e preços públicos;
- deverá conter as cláusulas estabelecidas nos incisos I a VI do art. 13, § 2º, sob pena de nulidade, no caso de transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos;
- continuará vigente, mesmo quando extinto o consórcio público ou o convênio de cooperação que autorizou a gestão associada de serviços públicos;
- será automaticamente extinto, no caso de que o contratado já não mais integre a administração indireta do ente da Federação que autorizou a gestão associada de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação ( art. 13, § 6º).
Observe-se mais uma vez que é aí, na temática do contrato de programa, que aparece o convênio de cooperação, como Pilatos no Credo.
As conseqüências da subsistência do contrato de programa após a extinção do consórcio público ou do convênio de cooperação que o autorizou; e, bem assim, as da sua extinção automática, no caso de haver uma modificação na organização administrativa do ente federado que suprima uma sua entidade da administração indireta, deveriam ter sido melhor disciplinadas pelo legislador.
Afinal, trata-se de contratos especiais que viabilizam a gestão associada de serviços públicos, e que cuidam dos diversos aspectos da transferência total ou parcial de encargos, de serviços, de pessoal e de bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. Tal matéria por sua importância, mereceria tratamento mais prudente e cauteloso, por mais de um aspecto legal. Como fica esse pessoal transferido, por exemplo, em caso da extinção automática do contrato de programa que gerou sua transferência? E os bens transferidos, qual será sua destinação?