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Os consórcios públicos na sua legislação reguladora

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29/07/2005 às 00:00
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6.Alteração de leis federais pela Lei 11.107/05

A Lei 11.107/05 efetuou várias e importantes alterações em outras leis federais:

a) No Código Civil, quanto ao art. 41, criando nova pessoa de direito publico interno, a associação pública, como já comentamos.

- b) Na Lei 8.666/93, quanto aos artigos :

- 23, alterando em dobro ou em triplo o limite de valor para dispensa de licitação, conforme o número de entes federados participantes do consórcio público que venha a celebrar contratos;

- 24, acrescentando o inciso XXVI, com mais uma hipótese de dispensa de licitação para a celebração de contratos de programa autorizados por consórcio público ou convênio de cooperação; e adicionando-lhe parágrafo único, que altera para 20% os limites previstos nos incisos I e II do caput do artigo, para compras e serviços contratados por consórcios públicos;

- 26, apenas para compatibilizar sua redação com as modificações introduzidas no art. 24;

- 112, adicionando o §§ 1º, quanto à realização de licitações pelos consórcios administrativos, das quais resulte a celebração de contratos por órgãos ou entidades dos entes federados consorciados e ampliando, no § 2º, também para a licitação, a faculdade de acompanhamento da entidade interessada.

-c) Na Lei 8.429/92, acrescendo dois incisos, XIV e XV, às hipóteses de ato de improbidade administrativa do art. 10, quanto à celebração de contrato para a prestação de serviços mediante gestão associada, sem observância das formalidades previstas em lei, ou de contrato de rateio de consórcio público sem obediência às formalidades legais ou sem suficiente e prévia dotação orçamentária.


7.Regulamentação.

Como não poderia deixar de ser, sobretudo em lei de tamanha complexidade, anuncia-se, no art. 20, a futura expedição de regulamento. Nesse regulamento deverão, por determinação da Lei, ser incluídas as normas de contabilidade pública dos consórcios públicos (mais uma vez se omitem os convênios de cooperação), em conformidade com os pressupostos da responsabilidade fiscal.

Muito se espera dessa regulamentação que, no mínimo, deverá ser - o que a lei não é, de modo algum – um diploma extremamente didático, reordenando os assuntos de maneira mais sistemática e coerente, explicitando cuidadosamente os pontos em que a lei se revela obscura, ou pode ensejar certas perplexidades. Afinal, a norma em comento irá ser aplicada em todos os rincões do País, sobretudo na constituição de consórcios intermunicipais, e sua interpretação adequada vai em muito depender do manejo de textos claros e explícitos, acessíveis à compreensão de pessoas que nem sempre dispõem de notável saber jurídico.


8.Considerações finais.

A nova lei vem trazer, para os cidadãos em geral e para os operadores de direito, grandes perspectivas que a tornam especialmente bem-vinda, por um lado; por outro, algumas fundadas apreensões quanto à sua aplicação prática.

Trata-se de um poderoso instrumento que, se bem aplicado, ensejará amplas possibilidades para municípios, ou mesmo estados mais carentes de recursos, atualmente impossibilitados de enfrentar empreendimentos de infra-estrutura altamente necessários para suas populações, porém muito vultosos.

Poderão, assim, congregar-se associativamente para combinar e somar os recursos materiais, financeiros e humanos de cada um, no sentido de realizarem ações conjuntas que, se fossem desempenhadas por cada ente público, isoladamente, não ofereceriam a suficiente viabilidade financeira, nem alcançariam os mesmos resultados positivos com a desejável eficiência.

Aumentam a capacidade de grupos de entes públicos, inclusive com a novidade da presença da União, através de sua significativa participação mediante a transferência de recursos, para solucionarem problemas comuns, sem quebra de sua autonomia constitucionalmente assegurada.

O compartilhamento de recursos isoladamente escassos, de máquinas e equipamentos, de pessoal especializado, propicia condições que atinjam resultados que não seriam possíveis a nenhuma unidade isoladamente, na realização de políticas públicas de grande interesse coletivo.

Além disso, a congregação de vários municípios em torno de uma realização comum irá, sem dúvida, representar um maior atrativo para a catalisação de investimentos privados e de financiamentos de certo porte, ampliando significativamente seu poder de negociação junto aos governos estaduais e federais.

Não seria razoável , por exemplo, - e o Tribunal de Contas certamente iria desaprovar tais despesas – que um município de vinte ou trinta mil habitantes vá realizar investimentos em um centro cirúrgico de alta especialização tecnológica, com aquisição de equipamentos caríssimos e emprego de pessoal de sofisticada formação profissional. Mas um consórcio intermunicipal de saúde poderá somar equipamentos, recursos humanos e instalações hospitalares adequadas para o melhor atendimento às necessidades da população de vários municípios geograficamente vizinhos, com maior eficiência e economicidade. Decerto, pois o volume de recursos aplicados como investimento e o custeio de sua realização resultarão, afinal, bem menores do que o que seria necessário a cada um para a produção dos mesmos resultados.

O mesmo pode-se dizer das perspectivas que se abrem no campo do aproveitamento mais racional de recursos hídricos provenientes das mesmas bacias ou mananciais; para a canalização de esgotos de vários municípios vizinhos para um terminal único; para a realização de vários programas comuns de irrigação de municípios ribeirinhos; para a consecução de vastos programas de preservação ambiental atingindo comunidades tão próximas umas das outras que a ação isolada de cada uma delas não poderia conduzir a nenhum resultado eficaz no combate à poluição . E assim por diante.

Dir-se-ia que, atualmente, já existe disseminada na prática do País, à revelia de previsões legais específicas, a realização de empreendimentos consorciados, sobretudo na forma de consórcios intermunicipais.

Mas a nova legislação vem disciplinar a matéria em novos níveis, dando maior eficácia, segurança e responsabilidade administrativa, contábil, fiscal e até penal dos gestores públicos para a realização de tais empreendimentos.

Aspecto altamente positivo, que já destacamos anteriormente, é o da estruturação de consórcios com regras nacionalmente definidas e uniformes, sobretudo quanto aos mecanismos de fiscalização do cumprimento de seus objetivos e da aplicação dos recursos obtidos. Mecanismos, estes, que poderão ser acompanhados e efetivados muito de perto pelos órgãos e coletividades interessadas.

Se bem aplicadas tais regras, se bem efetivada a fiscalização do emprego e aplicação dos recursos, poderíamos, nos próximos anos, assistir a uma verdadeira redenção de municípios e estados mais carentes, pela institucionalização do tão sonhado federalismo regional, e pela diminuição das desigualdades sociais e regionais , tão almejada pela nossa Constituição.

Mas temos muitas apreensões quanto à realização prática de tais generosos princípios. Não fosse nosso País tão farto em leis avançadas que ficam somente no papel.

Nossa preocupação primordial diz respeito à própria lei. Representa ela um meritório esforço do legislador federal, que já enaltecemos, para dar efetividade ao cumprimento do art. 241 da Constituição, preservando a autonomia das ordens federadas. Mas é uma lei de difícil leitura e interpretação, de estruturação um tanto caótica, com omissões imperdoáveis, como já assinalamos. Tema tão relevante, cujas perspectivas são tão ansiosamente aguardadas, teria merecido um tratamento mais cuidadoso, do ponto de vista de técnica legislativa.

Outra apreensão, que acode aliás a qualquer cidadão comum, diz respeito à realidade sócio-política do País. Como funcionarem eficientemente as regras legais atinentes aos consórcios públicos e convênios de cooperação, ante o panorama desalentador que enfrentamos na hora presente, com os desvios e interferências da política partidária, com a multiplicação de até então impensáveis atos de corrupção de gestores políticos?

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Preocupa-nos, como já assinalamos, a possibilidade de estruturação de consórcios públicos com personalidade jurídica de direito privado, mesmo apesar das limitações de direito público que a lei lhes impôs. Entendemos que o consórcio público deverá, sempre, assumir a condição de ente de direito público, tendo em vista seus fins, sua organização e a posição dos entes que o compõem no ordenamento geral – todos públicos. Parece-nos, aliás, que será muito difícil, a um consórcio público com personalidade de direito privado, adaptar-se às regras da lei.

Outra sorte de preocupação diz respeito às extremas facilidades que a Lei estabeleceu, nas contratações efetuadas pelos consórcios públicos, para as dispensas de licitação.

Temos certas apreensões quanto à falta de compatibilização da aplicação da Lei com a de outros institutos regidos por legislação específica, o que pode ensejar indesejáveis conflitos e interferências. Referimo-nos, por exemplo, à Lei de Parcerias Público-Privadas (nº11.079/04);ao Estatuto da Cidade (nº 10.257/2001), no que diz respeito à área da gestão urbana associada; à legislação pertinente às agências reguladoras, que também disciplinam a prestação de serviços públicos ( objeto principal, na Lei 11.107/05, de gestão associada através de consórcios públicos e convênios de cooperação) .

Essa compatibilização nos parece indispensável, também, na atuação dos municípios limítrofes que compõem regiões metropolitanas, já que estas, na dicção do § 3 º do art. 25 da Constituição, integrarão a organização, o planejamento e a execução de funções públicas comuns.

Parece-nos imperdoável, por outro lado, a omissão total da Lei na previsão de formas de controle participativo das comunidades interessadas na realização dos consórcios públicos e convênios de cooperação, que se destinam à gestão associada de serviços públicos.

Aspecto altamente positivo da Lei, que oportunamente já ressaltamos, é o que diz respeito ao controle externo da atuação dos consórcios públicos, pelos Tribunais competentes para apreciar as contas de cada ente federado partícipe.

Preservada, assim, a autonomia dos entes federados, surge um problema: para que haja um efetivo e eficaz funcionamento de tal controle, encarece-se, mais ainda, a necessidade da implantação, em todo o País, que já se faz sentir, de um sistema integrado de informações entre os diversos Tribunais de Contas, nos níveis federal, estaduais e municipais. Controles esparsos de diversos órgãos, em seus próprios âmbitos de competência, não assegurarão suficiente a lisura dos procedimentos contábeis e orçamentários, tão necessários para que a instituição de tais consórcios se revista da necessária segurança e seriedade.

Por último, enfatizamos, mais uma vez, que os diversos recursos empregados por cada um dos partícipes dos consórcios públicos irão necessariamente variar, em função do montante de suas receitas, de sua população, dos bens e serviços disponíveis. Ora, o princípio da igualdade jurídica dos partícipes, com apoio, inclusive, no princípio geral federativo do inciso III do art. 19 da Constituição, tão bem interpretado pelas lições de CARMEN LUCIA ANTUNES ROCHA que inicialmente citamos, impõe que nenhuma diferenciação deverá ser estabelecida entre os mesmos, em função dos quantitativos de recursos de que dispõem, ou de qualquer outro critério. Daí, nossa extrema preocupação com a instituição, pela Lei, de votos múltiplos nas assembléias consorciais, a qual, em princípio, nos parece inconstitucional.

De qualquer sorte, deve ser festejada a nova legislação. Com ela, o País dá um primeiro e importantíssimo passo, que já tardava, para a disciplina da gestão associada, em diferentes níveis da Federação, da prestação de serviços públicos de grande interesse para a coletividade.

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Sobre a autora
Alice Gonzalez Borges

advogada e consultora jurídica em Salvador (BA), procuradora do Estado da Bahia aposentada, professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador aposentada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Alice Gonzalez. Os consórcios públicos na sua legislação reguladora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 755, 29 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7072. Acesso em: 28 mar. 2024.

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