IV – REVOGAÇÃO, MODIFICAÇÃO E INALTERALIDADE: O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE E A TENTATIVA DE UNIFICAÇÃO.
Dentro do contexto acima narrado, é curial entender que as novas regras instituídas pela Lei n. 10.406/02 não são capazes de prover a revogação, ainda que parcial, da Lei n. 4.886/65. A Lei de Introdução ao Código Civil reservou, para tais casos, a inteligência do princípio da incompatibilidade, segundo o qual só haverá derrogação (ou ab-rogação) se a nova regra, mesmo geral em face da especial, for com ela incompatível.
E, por isso, não se cogita de modificação, adaptação ao Código Civil, tampouco em alteração por aplicação subsidiária, como pretendem alguns juristas [30]. Ora, a Lei de Introdução ao Código Civil prevê a incolumidade da lei especial em face da lei geral que introduz novas regras genéricas. Assim, admitir-se a modificação ou a derrogação é tornar letra morta a regra que disciplina a vigência das leis no ordenamento jurídico pátrio [31].
Com isso, tem-se que a Lei n. 10.406/2002 é incapaz de revogar a profissão do representante comercial, bem como é incapaz de prover alterações ou modificações nas disposições constantes da Lei n. 4.886/65. A adaptação da lei de 1965 deve se dar, apenas, no campo da hermenêutica, transferindo-se as referências aos "comerciantes" e atividades "mercantis" aos empresários e atividades empresariais, já que acolhida a teoria da empresa pelo Código de 2002. Essa é, inclusive, a categórica posição de Rubens Edmundo Requião:
"O contrato de agência, portanto, poderá envolver a intermediação de qualquer espécie de negócios, desde que estes não sejam o ‘objeto’ mediato de ato de intermediação regulamentado por outra lei especializada. Resolvem-se, neste aspecto, as dúvidas que ocorreriam em face daquela restrição posta pela Lei n. 4.886/65, que provocavam a exclusão de um sem-número de atividades legítimas do sistema do contrato de representação comercial. É que não eram, no regime dos atos de comércio que antes orientava a legislação comercial brasileira, consideradas atividades comerciais. A partir da vigência do Código Civil elas serão absorvidas pelo contrato de agência, desde que sua intermediação não seja regulada por lei especial, ficando reservada ao contrato de representação comercial a intermediação de negócios mercantis." (2003: 11-12)
A conclusão exarada conduz ao entendimento de que a lei especial dos representantes comerciais não está revogada pelas novas regras inseridas pelo Código Civil de 2002. Será aplicável às atividades empresariais [32] e as regras gerais do Código Civil às demais atividades privadas.
A convivência dos diplomas legais se dará, efetivamente, pela aplicação do princípio da especialidade [33], que determinará o rito especial para as atividades mercantis (empresárias), excluindo a incidência da norma de 1965 em frente das demais atividades. Não se pode admitir a adaptação aos preceitos divergentes do Código Civil, pois, se assim for, estar-se-á, na verdade, a permitir a derrogação ou modificação da lei especial, o que não se mostra correto.
Todavia, não se pode deixar de questionar que a conclusão tirada neste estudo é, a princípio, conflitante com o hipotético objetivo do Código Civil de 2002, qual seja, a unificação do direito privado. Neste diapasão e em breve digressão, considerando-se a tentativa de unificação, especialmente a revogação da parte geral do antigo Código Comercial, não seria contraditório afirmar que a lei especial aplicar-se-á aos negócios empresariais, restando ao Código regular os demais negócios jurídicos? O objetivo da lei não seria o de criar institutos jurídicos que fossem capazes de regular tanto os negócios empresariais como os não-empresariais?
A idéia não é consistente. O Código Civil não logrou êxito em sua empreitada de unificar o direito civil e o comercial, do ponto de vista das obrigações, tampouco encerrou ou decretou a inexistência das obrigações comerciais. Aliás, isto está nítido no art. 2.037 do Código Civil que, textualmente, diz aplicar-se aos empresários as leis não revogadas e que tratem dos "comerciantes", das "sociedades comeciais" ou das "atividades mercantis".
A unificação, a bem da verdade, foi meramente formal, legislativa, e não dogmática, didática e substancial, ainda que no tocante ao contrato de agência, tenha tido algum aparente sucesso a disposição legislativa [34].
Porém, em um sistema positivista que não permite a valorização da mens legislatoris [35]e que exige a revogação expressa da lei anterior ou a incompatibilidade para revogação tácita, não se pode vislumbrar outra conclusão, senão, a da plena vigência da Lei n. 4.886/65 e de sua inalterabilidade pela superveniência do Código Civil. Sendo a atividade afeta aos negócios empresariais [36] aplicar-se-á a Lei de Representação Comercial, já que é a atividade profissional criada (e não extinta até o presente momento) para este fim.
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NOTAS
01 No dizer de Rubens Requião, surgiu constituindo verdeira "longa mão da empresa." (1994:02).
02 Cf. Humberto Theodoro Júnior, item 01 – "Noções Introdutórias" do artigo "Do Contrato de Agência e Representação no Novo Código Civil", disponível no site www.mundolegal.com.br/html/artigos/documentos/texto301.htm, acessado em 05/03/2004.
03 REQUIÃO, 1994:01.
04 A idéia narrada tem origem na doutrina do Prof. Rubens Requião (1994:02), entretanto, o renomado jurista, ao finalizar seu raciocínio, enceta que bastaria qualificação para comerciar, afirmativa com a qual ousamos discordar, vez que o representante comercial não praticava, ainda mais sob égide da teoria dos atos do comércio, tecnicamente, comércio, sendo certo que somente veio a ser equiparado aos comerciantes, por analogia à atividade de corretagem.
05 Cite-se, por ilustração, o Sindicato dos Representantes Comerciais e das Empresas de Representação Comercial do Estado de São Paulo – SIRCESP, criado em 1938 (www.sircesp.com.br, acessado em 03.05.2004.)
06 Conforme Rubens Requião (1994:10)
07 A Lei n. 4.886/65 definiu, em seu art. 1º, a atividade da representação comercial (e não o sujeito que a exerce), ou seja, o representante comercial. Trata-se, assim, de lei regulamentadora de profissão, de atividade, e não de um profissional.
08 Código Civil Italiano, art. 1.742.
09 Decreto n. 58-1.345, de 23 de dezembro de 1958, baixado pelo Governo Francês, in REQUIÃO, 1994:13.
10 Código de Obrigações da Suíça, art. 418-a, in REQUIÃO, 1994:14.
11 Código do Comércio da Alemanha, art. 84 (‘Representante de Comércio"), in REQUIÃO, 1994:14.
12 Neste sentido, confira-se o escólio de Waldírio Bulgarelli: "Trata-se, pois, de uma atividade de intermediação a exercida pelo representante comercial autônomo, em caráter profissional, sem dependência hierárquica, mas, de acordo com as instruções do representado. É um tipo específico de representação, pois, em princípio, o representante não é mandatário (o que poderá ser também desde que assim ajustado com o representado), nem comissário (o que poderá também ocorrer, cumulando ambas as situações), nem empregado, nem prestador de serviços no sentido técnico, mas que presta serviços, através do exercício da atividade de recolher (ou agenciar, como diz a lei) propostas ou pedidos para transmiti-los ao representado. (…)" (1987:471/472) Em seguida, ao tratar das obrigações dos representantes, assim se pronuncia: "Basicamente consistem em cumprir bem e fielmente o avençado; fornecer ao representado, quando lhe for solicitado, informações detalhadas sobre o andamento dos negócios a seu cargo, devendo dedicar-se à representação, de modo a expandir os negócios do representado e promover os produtos; agir estritamente de acordo com as instruções do representado – não pode conceder abatimentos, descontos ou dilações sem autorização expressa. " (1987:473)
13Representação Comercial – "De acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002)". 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.
14Contratos. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 370.
15Nova Regulamentação da Representação Comercial Autônoma. 2 ed. adapt. ao novo Código Civil – Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. São Paulo: Saraiva, 2003.
16 "(…) aquele em que uma parte se obriga, mediante remuneração, a realizar negócios mercantis, em caráter não eventual, em favor de uma outra. A parte que se obriga a agenciar propostas ou pedidos em favor de outra tem o nome de representante comercial; aquela em favor de quem os negócios são agenciados é o representado. O contrato de representação comercial é também chamado contrato de agência, donde representante e agente comercial terem o mesmo significado." (MARTINS, 1976:337)
17 SAITOVITCH, 1999:33.
18Do Representante Comercial. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 46 e seguintes.
19 Incumbe ressaltar neste ínterim, que o mencionado jurista, em artigo disponibilizado na internet (www.seesp.org.br/juridico, acessado em 26/04/2004), chegou a afirmar que "quanto ao representante comercial, não há de se ter preocupação se sua atividade é de agência ou representação de acordo com o novo código, porque, conforme os princípios da lei específica, para o representante é irrelevante ter ou não ter a posse dos bens comercializados." Data maxima venia, embora espelhe solução da diversa da defendida em seu livro (obra citada), o respeitado autor equivoca-se ao buscar a diferenciação dos institutos pela "posse da mercadoria", pois, como visto, a atividade concernente à representação comercial, mantida pela agência, é uma só: a intermediação de negócios. Portanto, é irrelevante para a definição da natureza jurídica (se agência ou representação comercial) se há propriedade ou não da mercadoria (isso diferencia a agência da distribuição, esta, introduzida pelo art. 710 do Código Civil).
20 Com essa idéia concorda o Prof. Humberto Theodoro Júnior, em artigo disponibilizado na internet, "Do Contrato de Agência e Distribuição no Novo Código Civil" (acessado em 05/03/2004, www.mundolegal.adv.br/artigos/documentos/texto301.htm), que assim se pronunciou em seu item 02: "O Novo Código Civil, a exemplo do direito europeu, atribui à atividade tradicional da representação comercial o nomen iuris de agência." E, no item 09, ao definir o "objeto do contrato de agência", o ilustre Professor Mineiro o faz, igualando o objeto ao da representação comercial: "Objeto, portanto, do contrato de agência, que é um contrato típico e de execução continuada, é uma atividade de promoção de negócios individuais, consistente na busca e visita da clientela, para coletar propostas ou encomendas a serem repassadas à empresa representada."
21 Evidentemente, a unificação foi uma tentativa frustrada, já que se restringiu ao campo da forma legislativa. A autonomia didática e pedagógica restou preservada, intocada. Tal fato, inclusive, restou muito claro com a Lei de Falência e Recuperação Judicial/Extrajudicial recentemente publicada, pois, para se cogitar de unificação, certamente não seria admissível a existência de dois sistemas de insolvência (insolvência civil e falência).
22 REQUIÃO, 1994:49.
23 Exposição de Motivos do Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, in Mensagem n. 160 de 1975, disponível em www.interlegis.gov.br, acessado em 22.04.2004.
24 Nesse sentido, cite-se: "Estabeleceu, pois, o legislador, normas gerais aplicáveis à espécie. Desta forma, pacífica é a coexistência do novo Código Civil com a Lei 4.886/1965 por se tratar de do mesmo instituto, como procurar-se-á mostrar neste ensaio." (SADDI, 2003:55, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 129). O Autor, em seu artigo, ainda cita Antônio Felix de Araújo Cintra e Renato Berger, verbis: "A representação poderia ou não ocorrer, dependendo de serem ou não conferidos poderes para que o agente representasse o proponente na contratação dos negócios. Ou seja, o agenciamento sempre ocorreria por força da natureza do contrato, sendo que a representação apenas existiria se, além de agenciar os pedidos em favor do proponente, o agente tivesse poderes para representá-lo nas respectivas relações de compra e venda dos produtos agenciados. Diante dessa situação, é fácil entender que os legisladores apenas utilizaram o nome que lhes pareceu refletir de maneira correta a natureza do contrato." (in Definição de agência e distribuição. Gazeta Mercantil, em 20.03.2003.
25 Nesse particular, insta salientar que o Prof. Humberto Theodoro Júnior, na obra já citada, expressou entendimento no sentido de que as regras especiais da Lei n. 4.886/65 não se revogavam com a entrada em vigor do Código Civil, todavia, "apenas quando alguma norma do Código estiver conflitando com preceito da Lei n. 4.886 é que terá ocorrido derrogação parcial desta." Data venia, não se coaduna com o ilustre Doutor, como se demonstrará adiante, neste trabalho, pois, não há que se falar em conflito quando há simples disposição especial, diversa da geral. Foi esta situação a Lei de Introdução de 1942, em seu art. 2º, § 2º, visou tutelar.
26 Anote-se que a edição da Lei n. 4.886/65, além de atender aos anseios da classe dos representantes que já exerciam, de fato, a atividade, fazia-se necessária para atender, também, ao comando da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, que, em seu artigo 141, § 14, tornava livre e legal o exercício das profissões, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas pelas leis ordinárias.
27 Outros aspectos da Lei de Representação Comercial: (a) regulamentação da atividade dos representantes comerciais; (b) caracterização da atividade profissional (com registro obrigatório no órgão de classe); (c) composição dos Conselhos; (d) procedimento administrativo para punição; (e) instituição de "faltas profissionais"; (f) definição dos motivos justos para a rescisão do contrato pelo representado e pelo representante.
28 Destaca-se que a Lei n. 4.886/65 encontra-se catalogada e indexada no Senado Federal (www.senado.gov.br) como "EXERCÍCIO PROFISSIONAL" e sua ementa é a seguinte: ‘REGULA A ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS".
29 Entre outros, colha-se as lições de Serpa Lopes e Clóvis Beviláqua respectivamente:
"45 – Caso de não revogação tácita. Estabelece o art. 2º da Lei de Introdução que a lei nova não revoga nem modifica a lei anterior, se estabelecer disposições gerais ou especiais a par das já existentes.
Com essa expressão a par das já existentes pretendeu o legislador referir-se às normas que ficam a par das anteriores, por conseguinte iguais em qualidade e merecimento, pois apenas corrobora o princípio da incompatibilidade, critério geral e básico nessa matéria. A Lei de Introdução pretérita consignava, no art. 4º, que a disposição especial não revogava a geral, nem a geral à especial senão, quando a ela ou não seu assunto se referisse, alterando-a explícita ou implicitamente." (LOPES, 1989:80)
"45. É princípio geralmente aceito que a lei especial posterior não revoga a geral anterior; nem a geral posterior revoga a especial anterior, se a ela não se refere explícita ou implicitamente para revogá-la. Esta regra fora consignada no primitivo Projeto de Código Civil Brasileiro (95) porém, desapareceu no da Câmara. Como, entretanto, consigna uma exceção ao princípio geral da revogação tácita pela incompatibilidade das disposições, não era lícito afastá-la e o Código o consigna (Introdução, art. 4º, 2ª parte) (96)(*)." (BEVILÁQUA, 1976: 56)
30 Entre eles, cite-se o Doutor Jairo Saddi, que assim se pronunciou: "Assim, aplicam-se aos representantes comerciais autônomos a legislação específica e, subsidiariamente, as inovações trazidas pelo novo Código Civil pátrio, consoante o art. 721." (Considerações Acerca da Representação Comercial Frente ao Novo Código Civil. Revista Mercantil, 2003, v. 129, p. 56)
31 Anote-se, por outro lado, que não se pode cogitar de aplicação subsidiária dos preceitos da lei geral à lei especial neste caso específico, por não constar dos artigos 710 usque 721 (Código Civil) nenhuma disposição não existente na lei especial anterior. O que existe, insista-se, são disposições semelhantes, com pequenas alterações. Assim, não há lacuna a permitir a integração da lei especial que, portanto, não demanda integração.
32 Jairo Saddi relembra, em seu respeitado artigo multicitado, o escólio de De Plácido e Silva que, ao definir o representante comercial, revigora a discussão acerca da afetação da representação comercial ao direito comercial, já que, por natureza, não seria atividade comercial (à luz da teoria dos atos do comércio). Veja-se: "De Plácido e Silva, nesta mesma seara, define a representação comercial com sendo a ‘denominação atribuída ao estabelecimento comercial ou ao comércio em que se tratam ou se encaminham negócios. A representação, assim, não é negócio ou comércio por conta própria, mas comércio por conta alheia ou de outrem." Assim, a representação permaneceria no direito comercial por conta do empresário e não por sua própria conta. Nada obstante, em face da nova conjuntura instituída pela adoção da teoria da empresa, essa afetação ao direito comercial através da pessoa do empresário (afetação por conexão, segundo Carvalho de Mendonça), não parece coadunar com o propósito de unificação do direito privado, tampouco com o propósito de igualdade constitucionalmente garantido.
33 São vários os casos em que se aplica o princípio da especialidade, podendo-se citar o caso da multa moratória no Direito do Consumidor, por exemplo, que não pode ser superior a 2%. Para as demais relações jurídicas, não há tal limitação. O egrégio Tribunal de Alçada, reiteradas vezes, aplica o princípio, em diversos casos. Veja-se um julgado, apenas por ilustração (Embargos Infringentes na Apelação cível 309.775-4, 3ª Câmara Cível): "EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES - EMBARGOS DO DEVEDOR - DIREITO INTERTEMPORAL - LEI GERAL NOVA E LEI ESPECIAL ANTIGA - REVOGAÇÃO, AB-ROGAÇÃO OU MODIFICAÇÃO INOCORRENTES (ART. 2º, § 2º, DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL) - VOTO VENCIDO. 1. A lei nova contendo disposições gerais não revoga, ab-roga ou modifica lei especial antiga (art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil). 2. A Lei nº 8.078, de 1990, contém disposições gerais relativas às relações de consumo, enquanto o Decreto-lei 167, de 1967, contém regras especiais sobre a cédula de crédito rural. 3. Em decorrência do princípio da especialidade mencionado, a multa moratória de 10% prevista no último diploma legal, continua a ser aplicável. V.v.: Ajuizada a execução em data posterior à edição da Lei 9.298/96, a multa moratória contratual não pode ultrapassar a 2% do débito."
34 Frederico Viana Rodrigues, na recente obra por ele mesmo coordenada (Direito de Empresa no Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004), no artigo "Autonomia do Direito de Empresa no Novo Código Civil", asseverou que no campo das obrigações a unificação teve aspecto inexpressivo, eminentemente legislativo (formal), sem afetar a disciplina das matérias comerciais e civis (p. 31). Em seguida, afirmou: "A unificação formal do Direito Privado não afetou, pois, a autonomia jurídica do Direito Comercial, mantendo-se, tal como na sua origem, como o direito especial dos negócios de massa." (p.32).
35"... o intérprete, examinando uma norma, que tem 50 anos, não está incondicionalmente vinculado a procurar que razão induziu o legislador de então, mas qual é o seu fundamento racional hoje e sob esta medida decidir..." (Alfredo Buzaid, citado por Jorge Lobo, em Sociedades Limitadas. 2004:XVI, prólogo).
36 Por mais uma vez, é forçoso destacar que o Prof. Humberto Theodoro Júnior, ao definir o objeto do contrato de agência no artigo jurídico já citado, pontuou que o objeto se perfaz em face de empresários, verbis: "O contrato de agência, em sua feição típica, tem como objeto uma prestação de serviço entre empresários: a promoção de negócios constitui a obrigação fundamental que o agente contrai em favor do preponente." (item 09). Assim, a mantença da idéia da persistência da autonomia das obrigações empresariais e civis, levaria o instituto da agência à letra morta, tal como o tratamento dispensado aos títulos de crédito pelo Código o foi e o é. Por outro lado, o jovem comercialista Mineiro, Marcelo Andrade Féres, ressaltou, em artigo constante da mencionada obra coordenada por Frederico Viana Rodrigues (2004:67), que o art. 2.037 do Código Civil prescreveu que " ‘salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis." E de forma acertada concluiu: "Com isso, substitui-se, no ordenamento, as figuras do comerciante e das sociedades comerciais por, respectivamente, empresário e sociedades empresárias. A título ilustrativo, quando a Lei de Falência diz, no seu art. 1º, que ‘Considera-se falido o comerciante...’, leia-se: ‘Considera-se falido o empresário...". Nessa ordem clara de idéias, é nítida a sobrevivência do negócio mercantil (o que decorre da própria lei, art. 2.037, parte final, do Código Civil), à guisa da autonomia da obrigação mercantil e do próprio direito mercantil, e, com isso, da aplicação do instituto da "representação empresarial" aos negócios empresariais, tal como afirmado pelo ilustre comercialista Rubens Edmundo Requião.