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Os desafios do processo de execução trabalhista em face de Estados estrangeiros

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25/12/2018 às 12:30
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5 DA EXECUÇÃO CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS  

No dia 11 junho de 2018, a comunidade do Lago Sul, região administrativa do Distrito Federal, foi surpreendida pelo ataque de fúria de um ex-funcionário da Embaixada da Guiné que na ocasião ateou fogo em dois veículos daquela representação diplomática e acabou sendo detido pela polícia militar no local do fato (FERNANDES, 2018).

De acordo com o que foi noticiado pela imprensa, a situação delituosa foi motivada por supostos débitos trabalhistas entre o autor do incêndio e a Representação Diplomática. 

Baseando-se em dados extraídos do sitio eletrônico do Tribunal Regional do Trabalho da 10º Região, do ano de 1988 a 2012, tramitaram 740 ações de cunho trabalhista, sendo que em 90% dos casos o trabalhador é a parte vencedora, contudo não consegue receber o valor da ação devido a falta de pagamento espontâneo, bem como a regra da impenhorabilidade dos bens afetos às missões diplomáticas.

Afinal de contas, um trabalhador que presta serviços a Representações Diplomáticas pode acionar a Justiça Trabalhista para pleitear seus direitos? O que diz o Consolidação das Leis do Trabalho a respeito do assunto?

Tendo em vista que o STF passou a relativizar a imunidade diplomática, de modo a assegurar a tramitação de reclamações trabalhistas movidas em face de Estados estrangeiros, quando um empregado ajuíza uma reclamação trabalhista em desfavor de um órgão diplomático pleiteando direitos, o caminho que o processo percorrerá dentro da Justiça do trabalho será idêntico ao de um processo movido contra um empregador comum.

Tem-se, portanto, que a fase de conhecimento desses feitos seguirá o seguinte caminho: I – Petição inicial ou reclamação verbal; II – Distribuição, III – Citação da Entidade Diplomática; IV – Audiência de Conciliação (caso, o autor não compareça ocorrerá o arquivamento, caso o réu não compareça ocorrerá revelia; V -Apresentação da contestação por parte do réu; VI – Reconvenção por parte do autor; VII – Apresentação de provas; VIII – Alegações finais; IX – Renovação da conciliação; X – Julgamento; XII – Sentença. (FILHO, 2016)

Apesar de o STF ter relativizado a imunidade de jurisdição que viabilizou a tramitação das reclamações trabalhistas em desfavor de Estados Estrangeiros, frisa-se que as restrições relativas a inviolabilidade dos bens estrangeiros continuou inalterada, salvo algumas raras exceções.

Diante desse tema, torna-se oportuno colacionar os ensinamentos do professor Élisson Miessa sobre o tema (MIESSA, 2015 p. 131):

Contudo, a Corte Suprema reconheceu a imunidade de execução dos entes de direito público externo, sob pena de indevida invasão no Estado estrangeiro. Noutras palavras, a Justiça do Trabalho poderá, na fase de conhecimento, reconhecer que o trabalhador laborou para o ente estrangeiro e condená-lo, por exemplo, ao pagamento das verbas rescisórias e das horas extras. No entanto, não poderá penhorar bens ou dinheiro de tais entes, devendo se valer da denominada carta rogatória.

Existem, porém, duas exceções em que não incidirá a imunidade de execução:

1º) quando o Estado estrangeiro renunciar à intangibilidade de seus próprios bens;

2ª) quando houver no território brasileiro bens que, embora pertencentes ao ente externo, não tenham nenhuma vinculação com as finalidades essenciais

inerentes às relações diplomáticas ou representações consultes mantidas em nosso País (STF- RE n2 222.368-4).

É necessário advertir que atualmente a doutrina moderna (MARTINS p. 102), (SCHIAVI, 2016 p. 249), (SARAIVA, 2016 p. 85), e o Colendo Tribunal Superior do Trabalho (RR-170700-28.2006.5.02.0063, proferido pela 5º Turma, em 20.02.2013) reconhecem que no caso concreto, excepcionalmente, os bens e valores que não estejam vinculados à atividade essencial diplomática poderão ter sua imunidade executória desconsiderada, podendo ser atacados em uma eventual execução.

Em contraponto a essa visão, destacam-se os professores Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (NETO, 2015 pp. 277-278).

Diante da complexidade do tema, torna-se oportuno colacionar trechos do referido julgado do Colendo TST para esclarecer alguns aspectos da execução em face de entes de direito público externo, vejamos:

“(...)

Com efeito, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963), às quais o Brasil aderiu como signatário, asseguram, em seus artigos, a inviolabilidade dos bens que estejam afetos à missão diplomática e consular.

Como se vê, não se trata de uma imunidade executória, vale dizer, não se veda a execução em si mesma. Proíbem-se, sim, os atos materiais de execução sobre os bens que estejam localizados no âmbito da jurisdição brasileira e que estejam afetados à Missão. Tais bens não podem sofrer qualquer ato de constrição tendente à satisfação dos débitos trabalhistas não adimplidos pelo Estado estrangeiro.

Por conseguinte, se, por um lado, a ação é possível contra o Estado estrangeiro, em face da notória relativização da imunidade, por outro lado, é necessário lembrar que a execução, à luz das Convenções de Viena, tem a sua efetividade sobremodo comprometida. Isso porque, muito embora possível, é manifesta a dificuldade de se encontrar bens que estejam desafetados da função diplomática ou consular do Estado. De modo que, em tais hipóteses, a efetivação da execução fica na dependência da expedição, pelo Brasil, da competente carta rogatória, sob pena de esvaziamento da sentença condenatória proferida.

Não se apresenta, assim, autorizada pelo ordenamento a penhora de valores depositados em conta-corrente de Estado estrangeiro. Isso porque a imunidade de execução que beneficia este apenas pode ser afastada em caso: a) de renúncia por parte do próprio Estado estrangeiro ou b) de existência de bens, em território brasileiro, não afetados às legações diplomáticas ou representações consulares. No caso, como não é possível se distinguir se os créditos havidos em conta-corrente estão afetados às funções precípuas da missão diplomática ou se são destinados a meros atos comerciais, prevalece a imunidade de execução em favor do Estado estrangeiro".

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Assim, observa-se que a imunidade de execução não proíbe a tramitação de processos trabalhistas (reclamações ou execuções), mas sim, a perpetração de atos judiciais que possam tangenciar os bens e valores afetos as atividades essenciais dos entes de direito público externo.  

Ou seja, com base nesse entendimento a imunidade diplomática somente não se estende aos bens e valores que não estejam afetos às atividades diplomáticas, contudo por se tratar de matéria nebulosa, sem uma definição precisa acerca do que se inclui como atividade essencialmente diplomática, verifica-se a impossibilidade de  se exigir o cobrança forçada e impor o pagamento de modo unilateral, esvaziando os poderes processuais das ações executivas, desnaturando tal modalidade processual.

Nesse sentido, frisa-se que o Excelso STF quando do julgamento do RE 222.368-Agr/PE, posicionou-se no sentido de que os entes de direito público externo conservam a imunidade de execução que impede a justiça brasileira de perpetrar atos judiciais de caráter material que possam tangenciar o patrimônio afeto às atividades diplomáticas e consulares de tais entes.

Contudo, no mesmo julgado, o STF prestigiou as exceções previstas pela doutrina moderna, possibilitando a execução em face dos entes estrangeiros no caso de renúncia expressa e contra os bens desafetados das atividades diplomáticas e consulares, e definiu que o modo adequado de se sugerir a cobrança de débitos trabalhistas já submetidos ao crivo da justiça laboral é a carta rogatória. 


 6 QUADRO COMPARATIVO (EXECUÇÃO TRABALHISTA COMUM X EXECUÇÃO TRABALHISTA CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS)

EXECUÇÃO COMUM

EXECUÇÃO CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS

Execução provisória

Execução definitiva

Execução (bens vinculados à atividades diplomáticas

Execução (bens não vinculados)

1 - Liquidação da sentença

1 - Liquidação da sentença

1 - Liquidação da sentença

1 - Liquidação da sentença

2 - Citação

2 - Citação

2 - Citação

2 - Citação

3 - Penhora e Avaliação

3 - Penhora e Avaliação

3 – Elaboração da carta rogatória  

3 - Penhora e Avaliação

4 - Sentença de embargos à execução ou de impugnação à sentença de liquidação

4 – O juízo encaminha a carta ao Ministério da Justiça que após analisar os requisitos, encaminhará os autos ao Ministérios da Relações Exteriores para as providências cabíveis.

4 - Sentença de embargos à execução ou de impugnação à sentença de liquidação

5 - Leilão ou praça 

5 - Leilão ou praça 

6 - Arquivamento

6 - Arquivamento

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Sobre o autor
Amom da Silva Oliveira

- Especialista em Direito Processual Civil - Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Amom Silva. Os desafios do processo de execução trabalhista em face de Estados estrangeiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5655, 25 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70942. Acesso em: 26 abr. 2024.

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