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Os desafios do processo de execução trabalhista em face de Estados estrangeiros

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25/12/2018 às 12:30
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7  DA CARTA ROGATÓRIA

Nessa hipótese, após a execução trabalhista ter sido iniciada o que ocorre se o executado (Estado Estrangeiro) não cumprir voluntariamente a sentença, e se o  exequente não conseguir indicar bens e valores desvinculados das atividades essencialmente diplomáticas? Infelizmente, só resta um caminho a luz da jurisprudência consolidada no STF: a utilização da carta rogatória.

Preliminarmente, amparando-se no art. 37 do CPC, verifica-se que o pedido de cooperação jurídica internacional oriundo de autoridade brasileira competente será encaminhado à autoridade central para posterior envio ao Estado requerido para lhe dar andamento.

De acordo com o Decreto nº 9.360 de 07 de maio de 2018, observa-se que a figura da Autoridade Central recai sobre o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça.

Nesse sentido, registra-se a Portaria Interministerial nº 501, de 21 de março de 2012, elaborada em conjunto pelos Ministérios das Relações Exteriores e Justiça a fim de balizar sobre tramitação de cartas rogatórias e outros instrumentos de cooperação jurídica internacional, dentre outros aspectos.

Sabe-se que a carta rogatória é uma forma de comunicação entre o judiciário do Brasil com o de outros países, objetivando a colaboração para prática de atos processuais.

Nota-se que esse instrumento jurídico de cooperação processual entre países, tem por objetivo a realização de atos e diligências processuais no exterior, como, por exemplo, audição de testemunhas. Contudo, o cumprimento dessa modalidade de comunicação deve se balizar nas regras estabelecidas nas Convenções Internacionais.

Desse modo, tendo em vista que a tramitação da carta rogatória possui um regramento peculiar, bastante complexo, entende-se oportuno elaborar um passo-a-passo simplificado relativo a tramitação desses feitos com base nas informações constantes nas normas acima mencionadas:

1º passo: verificar a existência de acordo internacional entre o Brasil e o país destinatário, pois os normativos internacionais trazem os requisitos necessários para o envio do pedido.

2º passo: o juízo rogante elabora a Carta ou o formulário obrigatório e o encaminha ao Ministério da Justiça com os documentos necessários ao seu processamento;

3° passo: O Ministério da Justiça após se posicionar formalmente sobre o teor do pedido de cooperação encaminha os autos para o Ministério das Relações Exteriores para providências;

4º passo: O Itamaraty após analisar a carta rogatória ou formulário e verificar a presença dos requisitos exigidos encaminha os autos para o país requerido.

Oportuno mencionar, que de acordo com informações extraídas do sitio eletrônico do Ministério da Justiça[2], o prazo médio de cumprimento das cartas rogatórias é de aproximadamente oito meses, salvo as cartas rogatórias citatórias encaminhadas para os Estados Unidos da América, cujo prazo médio para cumprimento é de aproximadamente três meses.


8   DA EFETIVIDADE  

Em 27 de setembro de 2017, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, publicou pesquisa (SEVERO, 2017), que apontou que a fase de execução das sentenças trabalhistas continua a ser o gargalo da Justiça do Trabalho, tendo em vista que acumula alto volume processual e alta taxa de congestionamento (porcentual de processos que ficaram represados sem solução no ano).  

Ainda, com base nesse estudo, registra-se que, no âmbito da Justiça do Trabalho a fase de conhecimento no 1º grau leva 11 meses. Já a fase de execução extrajudicial no 1º grau gasta 4 anos e 11 meses, enquanto a execução judicial no 1º grau consome 3 anos e 3 meses.

Nota-se que essa pesquisa considera um universo de processos com vistas a traçar um tempo médio que será usado como referencial no momento da fixação de metas a serem cumpridas pelo Poder Judiciário nos anos seguintes.

Diante disso, surge a indagação: se a execução judicial comum leva em média 3 anos e 3 meses, quanto tempo leva a execução de uma sentença judicial em face de um Estado estrangeiro?

Nos termos do art. 4 do CPC, “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”

Seguindo essa linha de raciocínio o renomado processualista, professor Fredie Didier Jr (JR, 2015 p. 113), defende que “o princípio da efetividade garante o direito fundamental à tutela executiva, que consiste na exigência de um sistema completo de tutela executiva, no qual existiam meios executivos capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva”.

Diante desses elementos, percebe-se que a efetividade de uma decisão judicial, só será alcançada quando o direito tutelado for entregue ao destinatário final, que no caso é o empregado. Outra vertente desse princípio, é a razoável duração do processo que se traduz na prestação jurisdicional com rapidez e celeridade, sendo assim a efetividade e a celeridade mantêm estreita relação.

Os créditos trabalhistas constituem parte do patrimônio do trabalhador destinada a suprir as necessidades básicas do ser humano, como alimentação, vestuário, transporte, lazer e etc.

Apresenta-se ai a necessidade da execução trabalhista, não ser excessivamente morosa, sob pena de ferir a dignidade dessas pessoas e dificultar a subsistência do trabalhador e de seus dependentes.

Nessa esteira, sabe que a dignidade da pessoa humana por se tratar de um princípio basilar dentro do Estado democrática de direito não pode ser relegada a um plano inferior, sob pena de violação da Constituição Federal e de diversos Tratados Internacionais sobre direitos humanos.

Partindo-se da premissa que as execuções trabalhistas contra Estados soberanos, tem um caminho a percorrer diferente, mais complexo, que envolve além do Poder Judiciário, órgãos do Poder Executivo e a boa vontade de Estados Soberanos, conclui-se que a execução desses feitos levará mais tempo que uma execução comum, que já é demorada.

Afim de ilustrar esse problema, convém somar o tempo médio que uma carta rogatória leva para ser cumprida (8 meses) com o prazo médio da fase de execução trabalhista (3 anos e 3 meses). Ou seja, no mínimo o processo de execução terá o acréscimo de tempo relativo aos trâmites da carta rogatória, que por si só, não torna inefetivo o direito buscado, tendo em vista os resultados positivos dessas execuções, mas que certamente influenciam na duração desses processos.

Nesse ponto, a execução ganha contornos mais complicado, tendo em vista a necessidade de se realizar a cobrança sem violar a soberania do Estado inadimplente, ou seja, apesar do resultado buscado ser o mesmo de uma execução comum, o caminho a ser percorrido certamente será mais sinuoso, pelo fato de se tratar de uma relação processual bastante complexa e delicada.   

Além da complexidade da relação processual, ainda, pode-se destacar a instabilidade das relações políticas entre diversos países do globo terrestre.

A fim de exemplificar o problema, suponha-se que exista uma execução trabalhista em fase final (pendência do cumprimento de carta rogatória) entre um empregado brasileiro e a República Bolivariana da Venezuela. Atualmente, sabe-se que o Governo Brasileira suspendeu as relações diplomáticas com aquele País por conta da expulsão em dezembro do ano passado do Embaixador brasileiro da capital daquele País (BRASIL, 2018). Diante desse cenário, pergunta-se: O governo de Caracas daria seguimento a uma carta rogatória estando com as relações diplomáticas suspensas com o Brasil?

   Sem adentrar no mérito da questão, percebe-se que a relação entre países é bastante complexa, e apesar desse procedimento ser mais complicado, o fato dele existir e ser utilizado pelo Brasil com certa frequência já demonstra que é um procedimento viável e efetivo.

   Contudo, por ser um procedimento que leva mais tempo que a execução comum, que já é demorada, evidencia-se a necessidade de se buscar um modelo mais enxuto e que tenha uma tramitação ágil tanto no âmbito do Judiciário brasileiro, no Poder Executivo (MJ e MRE), bem como no âmbito externo.

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Após refletir sobre as dificuldades dessa modalidade, conclui-se que algumas medidas normativas poderiam amenizar ou até mesmo extinguir esse problema:

1º - Elaboração de tratado internacional que padronizasse o procedimento de execução trabalhista contra Estados Estrangeiros, estipulando as fases e os prazos processuais de forma a garantir uma tramitação célere e segura;

2º - Criação pela comunidade internacional de um Fundo Internacional destinado exclusivamente ao pagamento de verbas trabalhistas de Órgãos diplomáticos inadimplentes.

  Diante da profundidade da questão, surge a necessidade de o legislador e dos Estados Estrangeiros chegarem a um consenso e elaborarem modelos que possam garantir os direitos fundamentais dos trabalhadores sem violar as imunidades dos Estados soberanos com representações instaladas no País.  


9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

  O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma compreensão mais especializada da execução trabalhista e da legislação correlata, de modo que se tornou possível entender com clareza a execução trabalhista movida em desfavor de Estado estrangeiros, avaliar as dificuldades dessa modalidade e refletir sobre meios que possibilitem o aperfeiçoamento desse procedimento.

  É interessante destacar que essa modalidade de execução trabalhista apesar de alcançar seu o objetivo, corre o risco se tornar excessivamente demorada, tendo em vista a sua complexidade procedimental e os fatores geopolíticos que podem interferir em sua tramitação. Por outro lado, observou-se que esse procedimento tem sido efetivo devido a sua capacidade de obter créditos e de alcançar resultados concretos e seguros do ponto de vista jurídico.

 Pela análise das normas processuais que tratam da matéria, constata-se que essa espécie de execução foi um avanço positivo no que se refere à facilitação do acesso à justiça, uma vez que assegura ao trabalhador a possibilidade de pleitear o crédito trabalhista e executar a dívida em face de um Estado soberano. Assim, diante dos elementos da pesquisa, fica evidente que os objetivos do trabalho foram plenamente alcançados.

 Diante da importância do tema, se vê a necessidade de o Brasil e da comunidade internacional fomentarem o debate e o desenvolvimento de novas ideias que possam ser aplicadas no direito processual e internacional com a finalidade de racionalizar as etapas desse tipo de execução e garantir uma solução célere e efetiva.

 Diante disso, conclui-se que até mesmo os Entes de direito público externo quando considerados parte vencida pela justiça local, poderão ser compelidos a cumprir com suas obrigações trabalhistas, desde que a execução não fira a soberania do Estado estrangeiro e esteja em perfeita consonância com as normas de direito internacional.  

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Sobre o autor
Amom da Silva Oliveira

- Especialista em Direito Processual Civil - Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Amom Silva. Os desafios do processo de execução trabalhista em face de Estados estrangeiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5655, 25 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70942. Acesso em: 26 abr. 2024.

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