Artigo Destaque dos editores

O art. 28 da Lei 11.343/2006: descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal

Exibindo página 3 de 3
Leia nesta página:

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do entendimento do Supremo Tribunal Federal pela natureza de crime, de acordo com o princípio da legalidade, o artigo 28 caracteriza infração sui generis, tendo em vista que afasta as penas privativas de liberdade e aplica penas restritivas de direitos como advertência, medida educativa de comparecimento a programas ou cursos educativos e prestação de serviços à comunidade, buscando alcançar uma justiça restaurativa, fugindo da determinação legal da Lei de Introdução ao Código Penal que considera crime as condutas apenadas com reclusão e detenção.

O uso de drogas não é tipificado e é possível entender que punir o indivíduo que porta pequena quantidade de droga para consumo pessoal é uma afronta ao princípio da lesividade, eis que é um comportamento que infringe somente a individualidade do usuário e o moralismo social, sem causar dano a bem jurídico de terceiro.

Ao contrário do que pregam os discursos governamentais e midiáticos, a perpetuação da Guerra às Drogas não traz qualquer benefício social por se tratar de uma estratégia de alto custo financeiro e, em contrapartida, de baixa eficácia, tendo em vista que o verdadeiro inimigo da sociedade não é o usuário de drogas, mas aqueles que auferem grandes lucros com o tráfico ilícito destas substâncias.

Além disso, é errôneo acreditar que a descriminalização da conduta irá implicar no aumento do consumo de drogas ou na elevação dos índices de criminalidade, já que não há qualquer efeito significativo direto sobre o uso, bem como inexiste correlação comprovada com a prática de outros crimes. Em oposição, o abolitio criminis pode vir a contribuir com a queda nos indicadores de marginalidade, já que serão evitadas as prisões em excesso e sem fundamento plausível.

Ademais, à medida em que a diferenciação de usuário e traficante é feita de forma subjetiva, sendo a legislação absolutamente omissa quanto à quantidade de droga que caracteriza traficância, a tendência é o aumento do número de injustiças cometidas pelos julgadores ao determinar penas privativas de liberdade aos indivíduos que necessitam de orientações, tratamento e recuperação.

A política criminal deve levar em consideração que a criminalização e a busca pela penalização dos usuários de forma equiparada aos traficantes, sendo considerados como seres periculosos, além de contribuir à superlotação do sistema carcerário, é equivocada e ineficaz, não sendo dever do Estado agir de forma paternalista. 

Tendo em vista a ineficácia da política proibicionista e a ausência de efetividade nas medidas alternativas previstas pela legislação, é necessária a eliminação dos dispositivos penais que caracterizam o paternalismo estatal.

Portanto, é necessário compreender que a política do encarceramento que aplaude a restrição de liberdade como forma de solução para os problemas sociais é utópica e impede o tratamento e recuperação dos usuários e dependentes dos entorpecentes. A criminalização vai em sentido contrário aos princípios norteadores do ordenamento jurídico penal contemporâneo, tais como a alteridade, a intervenção mínima, a fragmentariedade e a insignificância.

Em uma sociedade onde a política do encarceramento faz com que a polícia tenha metas de prisões e o número de usuários enquadrados como traficantes e privados de sua liberdade seja altíssimo, a descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal é a medida cabível para que seja possível a recuperação do usuário.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2015.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, 1. v.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, 1. v.

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

_____. Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, p. 2391, 31 dez. 1940.

_____. Decreto Lei nº 3.914, de 9 dez. 1941. Lei de introdução ao Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dez. 1940 e da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 out. 1941). Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, p. 23.033, 11 dez. 1941.  

_____. Lei nº 11.343 de 23 ago. 2006. Institui o sistema nacional de políticas públicas sobre drogas – SISNAD; prescreve medidas para prevenção de uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, p. 2, 24 ago. 2006. 

_____. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 430105 RJ. Ministro Relator Sepúlveda Pertence, 13 fev. 2007. Posse de droga para consumo pessoal: art. 28 da Lei 11.343/06 - nova lei de drogas. Natureza jurídica de crime. Diário de Justiça Eletrônico: 27 abr. 2007. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo465.htm. Acesso em: ago. 2017.

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

DORGIVAL, Caetano. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 19. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005..  

GOMES, Luiz Flávio (coord.). Lei de drogas comentada. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

GOMES, Luiz Flávio (coord.). Nova lei de drogas comentada artigo por artigo: lei

11.343/06 de 23.08.2006. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção e repressão. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

MACHADO, Luiz Alberto. Direito criminal: parte peral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. 1. v.

MARCÃO, Renato. Tóxicos: lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011..

MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Lei de drogas: lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. São Paulo: Método, 2007.

MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato. Manual de direito penal: parte geral. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015, 1. v.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. 1.v.

NUCCI, Guilherme de Souza. A droga da lei de drogas. In: Consultor Jurídico. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-nov-04/nucci-nao-nada-comemorar-10-anos-lei-drogas. Acesso em: 24 nov. 2017.

PITHON, Priscilla Passos Lopes. Pela descriminalização do porte e uso de drogas para consumo pessoal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVIII, n. 137, jun. 2015. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16052. Acesso em: 22 ago. 2017.

REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

RUEGGER, Gabriela. et al. A eficácia do direito penal no mundo contemporâneo. São Paulo: Damásio de Jesus, 2004.

SILVA, Amaury. Lei de drogas anotada. Leme, São Paulo: J.H. Mizuno, 2008.

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2010.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Paloma Renata Rodrigues

Graduada em direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DORIGON, Alessandro ; RODRIGUES, Paloma Renata. O art. 28 da Lei 11.343/2006: descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5940, 6 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70974. Acesso em: 20 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos