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Análise da materialidade nos crimes de estupro contra crianças e vulneráveis

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19/12/2018 às 15:22
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Infelizmente, o crime de estupro contra indivíduos vulneráveis é mais corriqueiro do que imaginamos e, os atos libidinosos diversos da conjunção carnal nem sempre deixam vestígios materiais, sendo necessário a produção de diversos meios de prova, que serão expostos a seguir.

Resumo: O presente trabalho discorre, com embasamento nas provas obtidas segundo o Código de Processo Penal sobre os casos de abuso sexual contra crianças e vulneráveis, dentre as quais se destacam o exame do corpo de delito, exame psíquico e o depoimento da vítima. O crime de estupro é crime hediondo que de regra deixa poucos vestígios do ato sexual praticado. Uma das peculiaridades deste crime é que o fato ocorre na clandestinidade, envolvendo apenas os sujeitos ativo e passivo do delito e em lugares obscuros, o que dificulta a obtenção de provas. Por derradeiro, viso fazer uma análise geral sobre o tema, mas especificamente voltando para os casos de crianças e vulneráveis, sendo baseado em pesquisa bibliográfica relacionando-se ao valor da palavra da vítima e o exame psíquico.

Palavras-chave: Crime Sexual. Direito Penal. Vulnerável. Materialidade. Provas.


1. INTRODUÇÃO

Neste artigo, pretende-se abordar a importância da análise da materialidade nos crimes de estupro contra crianças e vulneráveis, e os principais meios de provas mais plausíveis e usados no Poder Judiciário. O crime de estupro contra crianças e adolescentes é crime hediondo que em regra é escasso de vestígios. O abuso sexual, na maioria dos casos, não deixa marcas na vítima, o que dificulta sua descoberta. Esse crime possui como peculiaridade sua ocorrência na clandestinidade, onde apenas a vítima e o infrator são partícipes do ato, geralmente ocorridos ao ermo, dificultando assim a obtenção de provas.

Será conceituado incialmente o estupro de vulnerável assim como tipo penal e qualificador, por derradeiro será feito uma análise sobre o mecanismo de coleta de provas, sendo que materialidade no crime de estupro se dá pela obtenção dos elementos probatórios indispensáveis como: o exame de corpo de delito, previsto no artigo 158 do Código de Processo Penal; a prova testemunhal, que pode de fato suprir a falta do exame (artigo 167, do CPP), o exame psíquico, que a cada vez é mais inserido no âmbito jurídico, e evidentemente, o depoimento da vítima. Insta ressaltar, que o Código de Processo Penal elenca algumas realizações de perícias, mas que normalmente, não são requeridas ou determinadas pelo Juiz nos crimes sexuais.

Evidentemente, a palavra da vítima é o meio probatório mais relevante para elucidação dos fatos geradores do crime em si, no entanto, como será explanado a seguir, há casos em que esta criança ou adolescente são influenciados e induzidos a relatarem fatos inverídicos, seja por alienação parental, e até por problemas psíquicos. Outro meio de prova que está sendo inserido, mas que aos poucos está sendo utilizado é o exame psíquico nas vítimas, que proporcionará ao magistrado avaliar os danos decorrentes e através de laudo, que pode constatar o transtorno de estresse pós-traumático. Por fim, este artigo não pretende colocar em questionamento as decisões tomadas por magistrados através dos elementos probatórios expostos acima, mas sim refutar a forma como esses meios probatórios são extraídos da vítima, especialmente em seu depoimento pessoal.


2. ESTUPRO DE CRIANÇAS E VULNERÁVEIS

O crime de estupro contra crianças e vulneráveis é um crime sob o qual o sujeito ativo tem conjunção carnal ou outro ato libidinoso contra menores de quatorze anos ou aquela pessoa que no momento da ação não possuía discernimento ou que por qualquer outra causa, não poderia oferecer resistência para a prática do ato, é um crime cometido ao ermo, com difícil meio probatório. O artigo 217 – A do Código Penal apresenta em sua redação, a penalidade do crime praticado contra menor e vulnerável.

Segundo CAPEZ (2012, P.103):

Vulnerável é qualquer pessoa em situação de fragilidade ou perigo. A lei não se refere aqui à capacidade para consentir ou à maturidade sexual da vítima, mas ao fato de se encontrar em situação de maior fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica etc. Uma jovem menor, sexualmente experimentada e envolvida em prostituição, pode atingir às custas desse prematuro envolvimento um amadurecimento precoce. Não se pode afirmar que seja incapaz de compreender o que faz. No entanto, é considerada vulnerável, dada a sua condição de menor sujeita à exploração sexual. Por esse motivo, não se confundem a vulnerabilidade e a presunção de violência da legislação anterior. São vulneráveis os menores de 18 anos, mesmo que tenham maturidade prematura. Não se trata de presumir incapacidade e violência. A vulnerabilidade é um conceito novo muito mais abrangente, que leva em conta a necessidade de proteção do Estado em relação a certas pessoas ou situações. Incluem-se no rol de vulnerabilidade casos de doença mental, embriaguez, hipnose, enfermidade, idade avançada, pouca ou nenhuma mobilidade de membros, perda momentânea de consciência, deficiência intelectual, má formação cultural, miserabilidade social, sujeição a situação de guarda, tutela ou curatela, temor reverencial, enfim, qualquer caso de evidente fragilidade.

Conforme GRECO (2017, P.1190)

Além do critério biológico (enfermidade ou deficiência mental), para que a vítima seja considerada pessoa vulnerável, não poderá ter o necessário discernimento para a prática do ato (critério psicológico), tal como ocorre em relação aos inimputáveis, previstos pelo art. 26, caput, do Código Penal. É importante ressaltar que não se pode proibir que alguém acometido de uma enfermidade ou deficiência mental tenha uma vida sexual normal, tampouco punir aquele que com ele teve algum tipo de ato sexual consentido. O que a lei proíbe é que se mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com alguém que tenha alguma enfermidade ou deficiência mental que não possua o necessário discernimento para a prática do ato sexual. Existem pessoas que são portadoras de alguma enfermidade ou deficiência mental que não deixaram de constituir família. Assim, mulheres portadoras de enfermidades mentais, por exemplo, podem, tranquilamente, engravidar, ser mãe, cuidar de suas famílias, de seus afazeres domésticos, trabalhar, estudar etc. Dessa forma, não se pode confundir a proibição legal constante do § 2º do art. 217-A do Código Penal com uma punição ao enfermo ou deficiente mental. Assim, repetindo, somente aquele que não tem o necessário discernimento para a prática do ato sexual é que pode ser considerado como vítima do delito de estupro de vulnerável.

O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Segundo o artigo 226, inciso II do Código Penal, a pena será majorada de quarta parte, se o crime for cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; ou seja, no dispositivo legal não é exigível que a execução material seja efetivada numa pluralidade de pessoas para recair a causa de aumento, basta somente o concurso de agentes, conforme artigo 29 do Código Penal.

A vítima, segundo a norma legal, só pode ser pessoa menor de 14 (quatorze) anos, ou portadora de enfermidade ou deficiência mental, e que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Segundo CUNHA (2017, P.495):

Ao estabelecer, no caput do art. 217 -A, que a vítima do crime de estupro de vulnerável é a menor de quatorze anos, a lei consequentemente admite, uma vez atingida esta idade, a aquisição da capacidade de consentimento para a relação sexual, que, portanto, não é criminalizada, a não ser, evidentemente, quando, ainda que haja consentimento, tratar-se de situação em que haja exploração sexual.

CAPEZ (2012, P.104). “No tocante ao objeto jurídico, o crime em estudo tutela a dignidade sexual do indivíduo menor de 14 anos ou daquele que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

No crime de estupro de vulnerável, pune-se a conduta do agente que praticou conjunção carnal ou outro ato libidinoso com vítima menor de 14 (quatorze anos) ou portadora de enfermidade ou deficiência mental, e que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. A incapacidade que explana o dispositivo, não importa se foi causada ou não pelo autor. É um crime de execução livre, ou seja, admite várias formas para a prática da conduta típica. Para um maior esclarecimento sobre a conduta sobre o sujeito passivo do crime em epígrafe, é necessário que se faça uma abordagem dos dois tipos elencados no artigo 217-A, do Código Penal. Conforme dispõe GRECO (2017, P.1191):

Não importa que o próprio agente tenha colocado a vítima em situação que a impossibilitava de resistir ou que já a tenha encontrado nesse estado. Em ambas as hipóteses deverá ser responsabilizado pelo estupro de vulnerável. Poderão ser reconhecidas, também, como situações em que ocorre a impossibilidade de resistência por parte da vítima, os casos de embriaguez letárgica, o sono profundo, a hipnose, a idade avançada, a sua impossibilidade, temporária ou definitiva, de resistir, a exemplo daqueles que se encontram tetraplégicos etc.

Deve ser feita uma análise em relação a vulnerabilidade da vítima, conforme é observado pela redação do tipo penal, isto é, deve-se analisar se este tinha ou não o necessário discernimento na prática do ato. Em relação a segunda hipótese, sob a qual a vítima não pode oferecer resistência ao ato, pode tomar-se como exemplo o indivíduo que não detém de anomalia ou deficiência mental, mas que através de embriaguez, é submetido ao ato sexual sem poder resistir, ou o indivíduo que através do uso de drogas, é induzido a manter relação sexual não consentida. Também há os casos em que o agente, por exemplo, almejando ter relações sexuais com a vítima, faz com que esta se coloque em estado de embriaguez completa, ficando, consequentemente, à sua disposição para o ato sexual. Se a embriaguez for parcial e se a vítima podia, de alguma forma, resistir, restará afastado o delito em estudo. GRECO (2017, P.1191).

O crime é punido porque o agente tem conhecimento de que age em face de pessoa vulnerável, portanto, é doloso. Não é necessária finalidade específica, pois se presume que é suficiente o desejo de submeter à vítima à prática do ato sexual não consentido. O delito é consumado com a simples prática do ato, assim sendo, a tentativa é possível quando iniciada a execução, o ato não se consume por eventualidade diversa da vontade do agente.

CUNHA (2017, P.483) defende que:

A conduta aplicada no crime de estupro é a punição do ato de libidinagem, (conjunção carnal ou atos libidinosos diversos), acompanhado de violência física ou moral, onde o meio de execução é a violência, que deve ser material, o emprego de força física suficientemente capaz de impedir a vítima de reagir ou a grave ameaça, que se dá através de violência moral, direta, justa ou injusta, situação em que a vítima não vê alternativa a não ser ceder ao ato sexual.

Nos termos do art. 234-B do Código Penal, os processos em que se apuram crimes previstos pelo Título VI, vale dizer, os crimes contra a dignidade sexual, correrão em segredo de justiça. GRECO (2017, P.1207).


3. MECANISMOS DE COLETA DE PROVAS NOS CASOS DE ESTUPRO DE CRIANÇA E VULNERÁVEL

O crime de estupro de crianças e vulneráveis, por ser um crime cometido na obscuridade, ao ermo, por vezes dificulta sua autoria. Evidentemente, que para o autor do crime seja condenado, é necessário a comprovação de sua autoria e materialidade do delito, e que para a vítima, permaneça com seus direitos perpetuados, a Lei nº. 13.431, de 4 de abril de 2017, em seu Artigo 1º, estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.

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Segundo NUCCI (2016, P.307):

A prova é tudo aquilo que será utilizado para contribuir na formação do convencimento do órgão julgador, e esta pode ser entendida como o ato de provar (instrução probatória); o meio para provar, que são os instrumentos para a demonstração da verdade; e o resultado obtido para a análise do material probatório, isto é, o efeito ou o resultado da demonstração daquilo que se alega.

Assim, todas as provas possuem a mesma valoração e induz ao magistrado, segundo o princípio da livre convicção fundamentada, a análise e consequentemente, suscita a uma conclusão e apreciação àquelas que mais o aproxima da presunção de veracidade.

O crime de estupro de vulnerável é um crime que é praticado na clandestinidade, o que dificulta por vezes a identificação do agressor, assim como o testemunho. Sendo assim, a coleta de provas é a parte mais difícil. Quando o ato é consumado em si, ou seja, há cópula, penetração, a prova do crime pode ser facilmente identificada no exame de corpo de delito, obtendo assim a prova material, que por si só já esclarece o ato. Mas e se não houve a cópula? E se o criminoso pratica outros atos libidinosos, presente no artigo 217-A, que pode ser entendido como algo na mesma gravidade do sexo oral, anal, vaginal, e de introdução de objetos na vítima. Diante disso, a única testemunha pode ser a própria vítima.

3.1. EXAMES PERICIAIS

A palavra “perícia” se originou do latim peritia, e que informa ser uma habilidade especial, tratando-se, pois, “de um juízo de valoração científico, artístico, contábil, avaliatório ou técnico, exercido por especialista” (CAPEZ, 2015, p.443).

Conceitua NUCCI (2016, P.328):

Perícia é o exame de algo ou alguém realizado por técnicos ou especialistas em determinados assuntos, podendo fazer afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo penal. Trata-se de um meio de prova. Quando ocorre uma infração penal que deixa vestígios materiais, deve a autoridade policial, tão logo tenha conhecimento da sua prática, determinar a realização do exame de corpo de delito (art. 6.º, VII, CPP). Não sendo feito, por qualquer razão, nessa fase, pode ser ordenado pelo juiz (art. 156, CPP).

A prova pericial está disciplinada nos arts. 158 ao 184 do Código de Processo Penal, que abrange as principais perícias específicas como o exame de corpo de delito, autopsia, exumação, exame de lesões corporais, prova testemunhal, assim como sua realização que feita por peritos como conhecimentos técnicos e específicos em relação a natureza do exame.

Segundo o Art. 6, inciso VII do CPP, tanto a autoridade policial como o Juiz pode determinar a perícia de ofício ou a requerimento das partes. Como no crime de estupro a materialidade é de extrema importância, a autoridade policial deve solicitar de imediato. A prova pericial é desvinculada do Juiz, sob o qual o art. 182 do CPP reza: O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte. Assim, o Juiz não será unido somente ao laudo, podendo avaliar, analisar a perícia, aceitando ou não.

Conforme CAPEZ, (2015, P.444):

Como o laudo pericial é realizado por profissional específico, detentor do conhecimento técnico, presume-se que será adotada uma linguagem técnica e específica da área de conhecimento a cerca do exame efetuado. Sendo assim, é incumbido ao perito, o uso de linguagem clara e precisa, assim como a explicação de cada termo técnico, tornando-se o laudo mais compreensível da visão leiga, mantendo este como aceitável. Insta ressaltar que a Súmula 361 do STF, informa que é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionando, ou seja, caso apenas um perito subscreva o laudo do exame, aplicasse a citada Súmula, a nulidade seria relativa.

3.2. EXAME DE CORPO DE DELITO E EXAME SEXOLÓGICO

Conforme conceitua CAPEZ, (2015, P.447): “É o conjunto de vestígios materiais deixados pela infração penal, ou seja, representa a materialidade do crime. Os elementos sensíveis são os vestígios corpóreos perceptíveis por qualquer dos sentidos humanos”.

Segundo explana o artigo 158 do CPP, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado, este será priorizado quando se trará de crime que envolva violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência. Assim como explana TOURINHO, (2009, P.256): “Quando a infração deixa vestígios, por exemplo, em um caso de estupro, é necessário o exame de corpo de delito, isto é, a comprovação dos vestígios materiais por ela deixados torna-se indispensável”.

Para NUCCI (2010):

O exame de corpo de delito é prescindível. Pode-se demonstrar a ocorrência do estupro, por outras provas, inclusive pela palavra da vítima, quando convincente e segura. Neste sentido: STJ: “A configuração do crime de estupro prescinde da realização do exame do corpo de delito, sendo suficiente a manifestação inequívoca e segura da vítima, quando em consonância com os demais elementos probatórios delineadores no bojo da ação penal” (HC 8.720-RJ, 6ª T.; rel. Vicente Leal, 16.11.1999, v. u.; DJ 29.11.1999, p. 126).

O exame de corpo de delito é feito ainda na fase do inquérito policial, pelos peritos, que possuem conhecimentos técnicos, científicos, e na falta destes, por duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior, com habilitação técnica relacionada à natureza do exame (Art. 159, CPP).

O exame sexológico é feito por médico legista, que examina o corpo, os genitais da vítima, e constata se houve ato sexual mediante marcas que comprovem a violência. São recolhidos elementos presentes como sêmen, pelos, secreções, suor, vestígios de pele e sangue, inclusive sob as unhas. Se a vítima não puder ir ao IML, esse exame pode ser feito no hospital, a pedido da autoridade policial, o médico legista se desloca até o local. Os elementos mais comuns nos laudos nos exames são baseados na existência de vestígios da conjunção carnal e dos atos libidinosos desde a ruptura do hímen e resíduos de sêmen, além da confirmação do emprego de violência na prática do delito, como a existência de lesões, hematomas, e por fim, as consequências do ato para a vítima como perigo de vida, incapacidade de membro, doença incurável, deformação e aborto.

A função principal do exame no crime de estupro é comprovar a realização do crime, e as lesões ocasionadas por este, pois é de suma importância a prova de que este ato não foi consentido (mesmo com consentimento é crime se realizado com menor de 14 anos – Art. 217-A CP). No entanto, quando a vítima já possui vida sexual ativa, presume-se que o exame não possa comprovar muita coisa, já que no exame o legista tenta descobrir a condição anterior da vítima (virgindade) e se o ato foi recente (máximos dois dias). Caso a agressão tenha ocorrido há pouco tempo, o médico coleta o sêmen do agressor e outros resquícios, que servirão como provas, por isso a vítima precisa ser encaminhada para a realização do exame com urgência, o que muitas vezes não ocorre, seja pelo medo da denúncia, até diversos fatores psicológicos. Há outros pontos significativos em relação ao exame, que pode em alguns casos não detectar vestígios, porque há casos de estupro sob os quais as vítimas não apresentam lesões.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

O fato de os laudos de conjunção carnal e de espermatozoides resultarem negativos não invalida a prova do estupro, dado que é irrelevante se a cópula vagínica foi completa ou não, e se houve ejaculação. Existência de outras provas. Precedentes do STF. (STF, HC 74.246-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU, 13-12-1996, p. 50165.) (CAPEZ, 2012, p. 40).

Insta ressaltar que nos casos em que não há a conjunção carnal, mas sim o ato libidinoso, este provavelmente não deixará marcas. Conforme NUCCI (2011, P.68)

Como regra, havendo violência real e comparecendo a vitima para análise médica, obtêm-se sucesso na elaboração do exame de corpo de delito; entretanto, nos casos de grave ameaça e nas situações de vulnerabilidade, torna-se praticamente impossível a realização da pericia. Ressalte-se ainda, casos em que ocorrem atos libidinosos diversos da conjunção carnal, como um beijo lascivo forçado, imune a exames periciais.

Sendo assim, nessas hipóteses, conforme o art. 167 do CPP, caso os vestígios não possam mais ser detectados no exame de corpo delito, a prova testemunhal poderá suprir este. O juiz pode aceitar a prova testemunhal em decorrência da falta de vestígios, mas deverá solicitar um laudo pericial indireto elaborado a partir das falas das testemunhas. (CAPEZ, 2015, P.448). No entanto, conforme afirma NUCCI (2011, P.46), a eficácia do laudo pericial sobrepõe a prova testemunhal:

A realização desta perícia é um dos meios mais seguros de prova. Não sendo possível, substitui-se o exame de corpo de delito pela prova testemunhal, querendo com isto, apontar para a narrativa das pessoas que tenham visto a ocorrência do crime, embora sejam leigas, e não postam atestar cientificamente a prática do crime.

3.3. TESTEMUNHAS

“A palavra testemunha vem de testibus, que significa dar fé da veracidade de um fato. “En sentido jurídico probatório son terceras personas llamadas a comunicar al juzgador sus sensaciones extrajudiciales”. (AQUINO, 2016, P.38).

Conceitua (CAPEZ, 2016, P.471):

Em sentido lato, toda prova é uma testemunha, uma vez que atesta a existência do fato. Já em sentido estrito, testemunha é todo homem, estranho ao feito e equidistante das partes, chamado ao processo para falar sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das partes, capaz de depor, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes à causa.

Assim como, LENZA (2013, P.360) afirma que: “Testemunha é a pessoa física distinta dos sujeitos processuais chamada a juízo para prestar informações sobre fatos relacionados à infração, mediante assunção de compromisso de dizer a verdade”.

É evidente que a presença de testemunhas no crime de estupro que acontece na obscuridade, na clandestinidade, ao ermo é quase que improvável. No entanto, caso exista será de enorme importância para o caso, já que pode suprir o exame de corpo delito quando este não puder ser efetuado (Artigo 167 do CPP). A prova testemunhal se faz válida para a verificação dos fatos com intuito de identificar o autor do fato e assim fundamentar a tese jurídica sobre um veredito final. Sendo assim, ao analisar o testemunho, o juiz aprecia a coerência/justificação do depoimento assim como a autoridade do autor. Nesse sentido afirma o professor Aquino que, “com efeito, a idoneidade probatória só será preservada se a declaração testemunhal vier chancelada com o selo da veracidade e sinceridade”. (AQUINO, 2016, P.94).

3.4. LAUDO PSICOSSOCIAL E A VERACIDADE DA PALAVRA DA VÍTIMA A LUZ DA PSICOLOGIA.

A avaliação psicológica tem evidenciado um importante papel na investigação e decisão judicial, que é baseado, sobretudo, na ausência de provas materiais referentes a indícios físicos e biológicos sobre o crime em questão. A metodologia psicológica visa indicar a veracidade do discurso da vítima, a fim de identificar se há mentira, fantasia, ou dificuldades estruturais, que possam abalar a verossimilhança dos fatos descritos.

O psicólogo contribui através de dados objetivos de fundamental importância para a compreensão da criança vitimizada sexualmente. BRITO (2009) destaca que atualmente no sistema judicial brasileiro, em geral, a escuta de crianças e adolescente acontece por assistentes sociais e psicólogos das equipes técnicas dos juízos ou serviços especializados. Os profissionais possuem autonomia, durante as entrevistas, para optar pelas técnicas e procedimentos mais adequados a cada criança.

A Psicologia Judiciária, segundo (TRINDADE, 2012, P.37), é uma disciplina ainda em construção, mas que possibilita ao magistrado, o melhor conhecimento sobre o campo humano e preparo para o exercício profissional. Além do que, o uso da psicologia, pode auxiliar no crime de estupro, na elaboração de laudos e periciais, e na própria palavra da vítima.

Conforme afirma GRANJEIRO (2013, P.39):

O estudo psicossocial realiza-se com o objetivo principal de assessorar os magistrados, fornecendo-lhes um relatório com informações que poderão lhes propiciar um entendimento mais amplo da situação na qual as pessoas e, principalmente, as crianças vítimas de abuso sexual estão envolvidas. Assim, o psicólogo ou o assistente social coloca seus conhecimentos à disposição do magistrado, assessora-o em aspectos relevantes para determinadas ações judiciais, insere nos autos a realidade psicológica dos envolvidos, a qual, sem a sua atuação, jamais chegaria ao conhecimento do julgador. Desse modo, esse estudo é a voz do Setor Psicossocial nos autos.

A avaliação psíquica da vítima não é suficiente para comprovação da materialidade do abuso sexual, mas decorrente da ausência de elementos probatórios como vestígios e testemunhas, pode ser de valia para elucidar o fato proposto.

No caso de crime sexual, alguns autores, afirmam que a avaliação psicológica, seja, talvez, o melhor meio probatório para se atingir a verdade, como GRANJEIRO e COSTA (2008, p. 164).:

Nós sabemos que a prova nesses crimes de violência, normalmente é feita com base na palavra de que sofreu a violência, até porque esse crime ocorre na clandestinidade, às escuras, longe dos olhos de alguém que tenha capacidade de repetir aquilo que aconteceu ou de visualizar ou confirmar o que a vítima sofreu, nós queremos verificar se o fato foi informado ou formado.

Conforme GRANJEIRO, (2103, P.37), a finalidade da perícia psicológica é:

A análise do subconsciente das partes e mediante os laudos, buscar a verdade real, sob os quais deverá constatar qual argumento é real e qual evidência é tida como prova, ou seja, é confirmação que houve a existência do abuso sexual. Nesse sentido, quando só há indícios de abuso sexual, e as provas nos autos são insuficientes para confirmar a denúncia, o estudo se mostra imprescindível para o convencimento de que o fato realmente aconteceu, na medida em que o fato “informado” é a verificação dos fatos, o “atestado de verdade” de que houve violência, e o fato “formado” é a demonstração de que as informações dadas na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, que, posteriormente, levaram à apresentação da denúncia, são inverídicas e fantasiosas.

Em suma, o laudo psicológico baseia-se veemente na verificação dos argumentos e consequentemente na elaboração do laudo que elucide a verdade, o que remete a uma questão primordial, que se caso esse laudo não aponte de fato todas as informações pertinentes ao caso que o magistrado necessite, este pode, segundo o art. 371 do CPC, apreciar livremente a prova e indicará na decisão as razões de formação do seu convencimento, e conforme o art. 182 do CPP o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte, ou seja, ele pode dispensar o laudo.

No entanto, é cabível a dúvida em relação ao atendimento efetuado desses profissionais com as crianças e vulneráveis, especialmente crianças, que possuem pouco discernimento e capacidade intelectual. O profissional não deve se reter a uma primeira resposta, deve ser realizada uma avaliação sucinta e precisa para que inocentes não sejam julgados e condenados. Citar-se-á como cunho elucidativo, o caso de Paulo Barcellos, direito de uma Creche, condenado a nove anos de prisão, baseado somente nos laudos psicológicos feitos por dois peritos:

A investigação conduzida pela Dcav durou três meses e se iniciou a partir de uma ocorrência registrada pelo pai de uma das alunas da turma do Jardim III. O relato do pai da menina de 5 anos era de que o diretor financeiro tinha colocado a mão dentro da calcinha da criança, na sala de aula. Dois dias depois, outra mãe registrou queixa semelhante. Na semana seguinte, outras três mães também foram à delegacia para acusar Barcellos de beijar suas filhas na boca. As crianças passaram por exames de corpo de delito no Instituto Médico Legal e foram encaminhadas ao Serviço Voluntário de Psicologia da Dcav. Barcellos e uma funcionária acusada de presenciar as cenas prestaram depoimento. Os exames físicos deram negativo, mas os laudos feitos por dois psicólogos policiais da Dcav concluíram pelo abuso sexual. Os documentos foram a única prova contra Barcellos e o inquérito foi finalizado sem que o delegado sequer visitasse a escola. Entre as contradições nos laudos apontadas pelo CRP, os problemas começam por erros primários, como confusão de nomes entre as crianças, e se estendem até a falta de apresentação das técnicas usadas. (O DIA, 21 de fevereiro de 2015)

Observa-se, portanto, que a analise pericial deve ser feita de forma específica e objetiva, sob a qual o profissional devidamente qualificado, deverá expor as emoções da vítima assim como se há alguma incoerência, relacionando-se aos fatos e seu estado emocional.

3.5. DEPOIMENTO ESPECIAL

O crime de estupro, já conceituado anteriormente, possui como principal característica o fato deste ser cometido na clandestinidade, longe de testemunhas, com pouca probabilidade de existência de provas, sendo assim, o depoimento da vítima compreende uma prova substancial, que é de extrema relevância e importância para a solução da lide. Como pode ser verificado na seguinte jurisprudência:

“TJRJ: “Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, ainda que de pouca idade, tem especial relevância probatória, ainda mais quando harmônica com o conjunto fático-probatório. A violência sexual contra criança, que geralmente é praticado por pessoas próximas a ela, tende a ocultar-se atrás de um segredo familiar, no qual a vítima não revela seu sofrimento por medo ou pela vontade de manter o equilíbrio familiar. As consequências desse delito são nefastas para a criança, que ainda se apresenta como indivíduo em formação, gerando sequelas por toda a vida. Apesar da validade desse testemunho infantil, a avaliação deve ser feita com maior cautela, sendo arriscada a condenação escorada exclusivamente neste tipo de prova, o que não ocorreu no caso concreto, pois a condenação foi escorada nos elementos probatórios contidos nos autos, em especial pela prova testemunhal, segura e inequívoca de E. e S., irmão e cunhada do acusado, que presenciaram a relação sexual através da fechadura da porta, bem como pelo depoimento da avó que também presenciou o fato, sem contar com a confissão do acusado e do laudo pericial que atestou rupturas antigas e cicatrizes no hímen” (Ap. 0009186-56.2012.8.19.0023/RJ, 1º C.C., rel. Marcus Basilio, 24.04.2013).

Verifica-se, portanto, que a palavra da vítima pode de fato, suprir os elementos probatórios no processo, já que à luz da jurisprudência, somente a vítima sabe de fato o que aconteceu. Considerando as demandas do Judiciário e as necessidades da criança, a Lei 13.434/2017, prioriza o atendimento da criança vítima de abuso sexual com maior proteção durante a constituição da prova, o Artigo 7º da Lei 13.434/2017 abrange a Escuta Especializada e do Depoimento Especial de crianças e adolescentes, e Sobre o procedimento adotado no depoimento especial, este tramitará em segredo de justiça, e a criança será acompanhada por profissionais especializados que utilizarão técnicas que permitam a elucidação dos fatos, através da narrativa da vítima.No curso do processo judicial, o depoimento será transmitido para a sala de audiência, onde o Juiz, após consultar o MP, defensor e assistente técnico, avaliará a pertinência de perguntas complementares, que serão adaptadas pelo profissional especializado, para uma melhor compreensão da vítima, o que será gravado em áudio e vídeo. Insta ressaltar, que o Juiz, tomará todas as medidas apropriadas para a preservação da intimidade e da privacidade da vítima ou testemunha, assim como as medidas de proteção cabíveis, direcionada também à mídia, de forma a garantir o direito à intimidade e à privacidade da vítima ou testemunha.

A palavra da vítima é de relevância valor, mas, no entanto, pelo fato desta ser infante, por vezes é posta em questionamento quanto à veracidade e fabulação. No entanto, o depoimento infantil tem ganhado valor probante em várias decisões judiciais:

TJ-DF - Apelacao Criminal APR 20110910030700 DF 0003036-71.2011.8.07.0009 (TJ-DF)

Ementa: PENAL E PROCESSUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PROVA SATISFATÓRIA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. VALOR PROBANTE DO DEPOIMENTO INFANTIL. CONFIGURAÇÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1 Réu condenado por infringir o artigo 217-A do Código Penal , depois de praticar atos libidinosos contra duas meninas com três e dois anos de idade, manipulando as suas genitálias para satisfação da própria lascívia. Isso era feito prevalecendo-se do fato de funcionar na sua casa uma creche informal administrada pela mãe. 2 A palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual sempre foi reputada com elevado valor, embora se recomende redobrar a prudência quando se trata de infantes, ante as suas condições peculiares, com personalidade e caráter ainda em formação, época em que é mais facilmente sugestionável, além de sujeita a fantasias. Deve ser acatada quando se apresenta lógica, consistente e conta com um mínimo de amparo em outros elementos de convicção. 3 A continuidade delitiva entre crimes praticados contra vítimas distintas pode ser reconhecida, desde que satisfeitos os requisitos do artigo 71 do Código Penal . Os abusos foram praticados no mesmo local, mediante a prática das mesmas ações, aproveitando o agente as mesmas condições e situações para a prática de atos libidinosos contra duas crianças, num espaço de tempo relativamente curto. 4 Apelação parcialmente provida.

Assim, como o crime é executado às escuras, como já exposto, torna-se difícil a prova da materialidade e da autoria, não sendo poucas às vezes em que há apenas a palavra da vítima contra a palavra do réu, havendo que se delimitar o grau de confiança a ser extraído da palavra da vítima em confronto com a declaração do acusado, no caso concreto, conforme se explanará mais especificamente em seguida (NUCCI, 2014, p. 44).

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Sobre a autora
Suane Couto

Advogada OAB/PA

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