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Análise da materialidade nos crimes de estupro contra crianças e vulneráveis

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19/12/2018 às 15:22
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4. DO VALOR PROBATÓRIO DA PALAVRA DA VÍTIMA

No crime de estupro, já exposto e conceituado, é necessário frisar novamente, a dificuldade de obtenção de elementos probatórios, e por fim, a palavra da vítima é considerada como o principal meio probatório do delito.

Tourinho afirma que:

Nos crimes contra a liberdade sexual, e.g., a palavra da ofendida constitui o vértice de todas as provas. Na verdade, se assim não fosse, dificilmente alguém seria condenado como corruptor, estuprador etc., uma vez que a natureza mesma dessas infrações está a indicar não poderem ser praticadas à vista de outrem”. (TOURINHO FILHO, 2013, p. 336)

A criança, por ser infante e decorrente da pouca idade e experiência de vida, pode ser facilmente influenciada por palavras ou situações. Esta tanto pode falar a verdade dos fatos como ocorreram, assim como também pode ilusionar, e inventar acontecimentos, que podem facilmente ser manipulados por outra pessoa a encorajando, nos casos de alienação parental (processo de desmoralização e um dos genitores pelo outro genitor). “As acusações de abuso inverídicas, visam sobretudo iludir os operadores do direito envolvidos na análise do caso, principalmente aquele que possui a prerrogativa de julgar, pois a conduta do genitor alienante é no sentido de não apenas convencer o magistrado, mas também ao próprio filho”. (CLARINDO, 2011, P.01). A criança ou adolescente podem ser coagidos facilmente, mesmo porque figuram a imagem do genitor como absoluta, quanto mais tenra a idade, são induzidos a acreditar que de fato foram abusados.

Citar-se-á abaixo um trecho da reportagem publicada em 02/03/2018, do G1 São Paulo, fica evidenciado que o acusado, que foi condenado por vinte e sete anos, por abusar sexualmente dos filhos que tinham entre seis e oito anos, na verdade foi vítima de vingança pessoal por parte da ex-esposa que induzia as crianças a mentirem sobre o fato inverídico, o que corrobora com a ideia que analise do depoimento da vitima deve ser colhido com critério objetivos, com escopo de evitar possíveis alienações:

O vendedor Atercino Ferreira de Lima Filho, de 51 anos, será solto nesta sexta-feira (2) após quase um ano preso injustamente. Ele foi condenado a 27 anos de prisão por abusar sexualmente dos filhos quando eles tinham 8 e 6 anos. Há 15 anos, Atercino tentava provar sua inocência. A condenação foi fundamentada nos depoimentos das crianças, que mais tarde contaram que foram obrigadas a mentir sobre os abusos para prejudicar o pai, que estava separado da mãe. Atercino estava preso na Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Atercino e a mulher se separaram em 2002, e os filhos Andrey e Aline ficaram sob a guarda da mãe, que foi morar na casa de uma amiga. Lá, os irmãos contam que sofriam maus tratos e fugiram de casa. Eles moraram em orfanato e, quando saíram, procuraram pelo pai e começaram uma batalha para provar a inocência dele. Em 2012, Andrey registrou em cartório uma escritura de declaração em que afirmava que nunca havia sofrido abusos por parte do pai. Em 2015, Aline fez uma declaração semelhante. Foi pedida a revisão do processo e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu por unanimidade que o vendedor é inocente.

O trecho acima tem cunho somente elucidativo, viso somente exemplificar como casos como este divulgados pela mídia, corroboram para a análise sobre casos de alienação. Os elementos probatórios nesse processo que originou a condenação foram os depoimentos das crianças, roborados pela genitora, que por simples ato de vingança e sabendo da inocência do genitor, quis incriminá-lo com a prática desta conduta que é penalmente relevante, cuja pena é elevada.

Nesse sentido, o posicionamento de NUCCI (2014, P.119):

[...] sabe-se que a criança costuma fantasiar e criar histórias, fruto natural do amadurecimento, motivo pelo qual, eventualmente, pode encaixar a situação vivida com o acusado nesse contexto aumentando e dando origem a fatos não ocorridos, mas também narrando, com veracidade, o acontecimento. Discernir entre a realidade e a fantasia é tarefa complexa e, por vezes, quase impossível. Por isso, deve o magistrado considerar a declaração fornecida pelo infante como prova relativa, merecendo confrontá-la com as demais existentes nos autos, a fim de formar sua convicção. Ainda nesse cenário, há pais ou responsáveis pela criança, que a induzem a narrar eventos não ocorridos ou a apontar o réu como autor de crime sexual, quando, na verdade, inexistiu malícia ou libidinagem entre eles. [...] Quanto ao adolescente, suas declarações podem ser mais confiáveis a depender do modo de vida e de seu comportamento geral.

Assim como, há existência no cotidiano de casos que envolvem doenças psíquicas, como a depressão, sob a qual, uma adolescente de Campina Grande, relatou ter sido abusada, mas, devido a filmagens foi constatado que o crime não ocorreu, conforme segue trecho da notícia abaixo, insta, portanto ressaltar novamente que é elucidativo, viso somente exemplificar como casos como este divulgados pela mídia, corroboram para a análise sobre casos de denúncia que envolvem doenças psíquicas e emocionais:

As imagens das câmeras de monitoramento de um ônibus mostram que a estudante a qual contou ter sido forçada a desembarcar do transporte coletivo e estuprada em um matagal, em Campina Grande, na verdade, esteve desacompanhada o tempo todo. Ela disse que um desconhecido sentou ao seu lado e a ameaçou com uma faca. As imagens mostram o contrário, conforme relatou a Polícia Civil, em coletiva de imprensa na tarde desta quarta-feira (15), em Campina Grande. Segundo a delegada Alba Tânia, a jovem foi questionada sobre as evidências em novo depoimento e confessou que escondeu a calcinha e rasgou as próprias roupas. Ela tem problemas psicológicos e quadro de depressão, segundo informou a polícia. Toda a situação do falso estupro aconteceu na noite de segunda-feira (13). A menina chegou a ser atendida no Isea, onde recebeu os medicamentos de padrão para as vítimas de violência sexual. A Polícia Civil passou a investigar o caso e, então, descobriu que não houve a abordagem criminosa. Além disso, no exame feito na unidade de saúde, ficou constatado que não houve estupro. (Notícias Policiais, 15/08/2018).

Sendo assim, conforme casos verídicos expostos acima é possível afirmar que há sim a probabilidade sob a qual a valoração da palavra da vítima deve ser de fato questionada, e deverá ter cautela por parte do judiciário para que os princípios da ampla defesa e do contraditório sejam mantidos aos acusados sob o escopo do artigo

Para que sejam equiparadas as provas versus depoimento da vítima, é necessário que haja verossimilhança e linearidade entre todos os elementos, haja vista, que o fato da vítima não possuir discernimento, ou com pouca experiência de vida, pode ser contraditório seu falar com os fatos ocorridos, é o que se pode verificar em alguns casos na atualidade. Citar-se-á o caso de uma menina de onze anos, com cunho elucidativo, que alegou ser vítima de estupro coletivo na Praia Grande, em São Paulo (O GLOBO, 24/04/2018):

O caso de uma menina de onze anos

Não foram encontradas veracidade e verossimilhança nos fatos descritos pela menor, não contribuindo para a investigação e elucidação do fato.

NUCCI (2014, P.31) explana que:

Para que a palavra da vítima seja considerada, é imprescindível que contenha verossimilhança e linearidade, para que tenha credibilidade para o magistrado. “

GONÇALVES (2013, apud LENZA, 2013, P.543): “Em suma é possível a condenação de um estuprador com base somente na palavra e no reconhecimento efetuado pela vítima, desde que não haja razões concretas para que se questione o seu depoimento. Há uma presunção de que as palavras desta são verdadeiras, mas é relativa”.

4.1. NA FASE INQUISITORIAL E AÇÃO PENAL

No inquérito policial, que não há o contraditório, o acusado é alvo de investigação, e prevalece o princípio inquisitório. As provas colhidas em inquérito, devem ser corroboradas em juízo, sob pena de nulidade do processo.

NUCCI (2014, P.96) explana que: “A investigação do crime inicia-se, como regra, na delegacia de polícia, instaurando-se o inquérito policial, de natureza inquisitiva e trâmite nos moldes do sistema inquisitivo. Nesse procedimento administrativo colhem-se provas a serem utilizadas posteriormente no contraditório judicial, com força probatória definitiva”.

Conforme BRITO, (2015, P.56).

O inquérito policial como instrumento estatal é o procedimento de que dispõe o Estado para exercer sua atividade investigatória e colecionar as evidências relacionadas à infração penal. Como garantia do cidadão, sua função é a de preservar o indiciado contra um número indeterminado de investigações, sejam elas de ordem privada ou de outras instituições que não a policial, e de evitar que uma ação penal seja proposta sem um mínimo de elementos que a justifiquem.

As provas produzidas no inquérito, por regra, deverão ser refeitas, justamente por não haver o contraditório e estas terem o cunho de instruir a denúncia, conforme entendimento do art. 155 do CPP, o qual dispõe que: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Sendo assim, em suma o inquérito policial possui valor probatório relativo, tendo em vista a presença das provas periciais. Nos casos de crime sexual, no entanto, há provas que não poderão ser refeitas, como por exemplo, o exame de corpo delito, devido a sua perda com o tempo. Daí a necessidade da investigação policial ser corretamente efetuada, pois esse meio probatório é de fundamental importância na comprovação do crime, assim como na sua autoria, sendo que se não realizado legalmente, as provas podem ser anuladas e a ação processual carente de comprovação.

A Lei n.º 12.015 de 07 de agosto de 2009, da Parte Especial do Código Penal, no tocante ao crime de estupro, dispõe em seu artigo 225, que nos crimes definidos nos capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. O inquérito será instaurado, quando a ação penal pública for incondicionada, a vítima é menor de 18 anos ou pessoa vulnerável, (CPP, art. 5º, I e II, §§ 1º, 2º e 3º) por ofício, a autoridade policial tem a obrigação de obrigação de instaurar o inquérito policial, independente de provocação, sempre que tomar conhecimento imediato e direto do fato, por meio de delação verbal ou por escrito feito por qualquer do povo (delatio criminis simples), notícia anônima (notitia criminis inqualificada), por meio de sua atividade rotineira (cognição imediata), ou no caso de prisão em flagrante. (CAPEZ, 2014, P.115); e Por requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, conforme explica o art. 40 do Código de Processo Penal: Quando, em autos ou papéis de que conhecerem os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. Todavia, se não estiverem presentes os elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia, a autoridade judiciária poderá requisitar a instauração de inquérito policial para a elucidação dos acontecimentos. O mesmo quanto ao Ministério Público, quando conhecer diretamente de autos ou papéis que evidenciem a prática de ilícito penal (CAPEZ, 2014, P.116). O prazo decadencial nesses crimes, só começa a correr quando a vítima completa 18 anos, justamente pleiteando o fato desta não ser prejudicada por uma possível inércia do seu representante. (Súmula 594 STF).

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Será instaurado, quando a ação penal pública for condicionada, mediante representação do ofendido ou de seu representante legal: de acordo com o art. 5º, § 4º, do Código de Processo Penal, se o crime for de ação pública, mas condicionada à representação do ofendido ou do seu representante legal (CPP, art. 24), o inquérito não poderá ser instaurado senão com o oferecimento desta. A autoridade judiciária e o Ministério Público só poderão requisitar a instauração do inquérito se fizerem encaminhar, junto com o ofício requisitório, a representação. (CAPEZ, 2014, P.117). Caso a vítima não exerça no prazo de seis meses seu direito de representação, será extinta a punibilidade (Art. 38 do CPP).

No entanto, conforme explicação de GRECO (2017, P.1138):

Segundo Súmula nº 608, no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada. Dessa forma, de acordo com o entendimento de nossa Corte Maior, toda vez que o delito de estupro for cometido com o emprego de violência real, a ação penal será de iniciativa pública incondicionada, fazendo, assim, letra morta parte das disposições contidas no art. 225 do Código Penal, somente se exigindo a representação do(a) ofendido(a) nas hipóteses em que o crime for cometido com o emprego de grave ameaça.

É necessário, portanto a análise sobre o tema em questão: a vítima vulnerável, somente no ato do delito, como por exemplo, embriaguez, uso de entorpecentes, será amparada pela ação penal incondicionada? Não. A vulnerabilidade em questão é somente configurada na ocasião de ocorrência do crime, a ação penal é condicionada à representação da vítima. Enquanto que os crimes sob o qual a vítima possui incapacidade permanente de oferecer resistência à prática dos atos libidinosos, a ação será sempre incondicionada.

HABEAS CORPUS Nº 276.510 - RJ (2013/0291689-4)

Habeas corpus. Estupro de vulnerável. Writ impetrado concomitante à interposição de agravo em recurso especial. Não cabimento. Verificação de eventual coação ilegal à liberdade de locomoção. Viabilidade. Pretensão de reconhecimento de nulidade nos depoimentos coletados por meio de audiovisual. Ausência de alegação em momento oportuno. Inexistência de demonstração de prejuízo. Não ocorrência, ademais, de prejuízo evidente. Coação ilegal não demonstrada. Pretensão de trancamento da ação penal. Vulnerabilidade verificada apenas na ocasião da suposta ocorrência dos atos libidinosos. Vítima que não pode ser considerada pessoa permanentemente vulnerável, a ponto de fazer incidir o art. 225, parágrafo único, do cp. Crime de ação penal pública condicionada à representação. Ausência de inequívoca manifestação da vítima no sentido de ver o crime de estupro de vulnerável processado. Inexistência de condição de procedibilidade. Constrangimento ilegal evidenciado.

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Sobre a autora
Suane Couto

Advogada OAB/PA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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