CONCLUSÃO
Diante do estudo realizado, constatou-se que os direitos autorais sempre mantiveram estreita relação com a tecnologia. Esta simbiose, contudo, sempre foi motivo de preocupação e intensas disputas judiciais, tanto por parte dos criadores das obras intelectuais, quanto pelos difusores presentes no mercado. Foi assim, desde o surgimento da prensa, com a possibilidade de reprodução gráfica em massa, até o surgimento da internet, que propiciou o acesso à informação sem precedentes, modificando as formas de disponibilização das obras musicais aos usuários e os conceitos autorais até então assentados sob a obra na forma tangível.
Essa ruptura, nos anos 90, iniciou-se com a chamada distribuição digital de músicas pela Napster, cujo sistema permitia a realização de downloads pelos usuários de forma totalmente livre, sem o pagamento de direitos autorais ao cantor/compositor, entretanto, vendo-se prejudicados pela ampla divulgação de suas músicas sem o devido pagamento de direitos autorais, uma batalha judicial iniciou-se, culminando com encerramento da empresa Napster por determinação judicial da Suprema Corte Norte Americana.
É nesse novo cenário que as empresas de tecnologia da informação passaram a desenvolver ferramentas capazes de fazer com que o consumidor tenha mais liberdade e interação no momento de ouvir ou escolher suas músicas preferidas. Dentro desta proposta, surge a tecnologia streaming que consiste na modalidade de transmissão ao vivo e em tempo real de dados em áudio e vídeo pela internet, sem o download do conteúdo. Essa plataforma digital possibilita que o ouvinte seja um ser ativo na audição de suas músicas, permitindo que a obra musical seja usufruída pelo acesso ao aplicativo ou página da internet, além de proporcionar a criação de playlist e outras comodidades.
Atendendo à demanda de mercado, impulsionada pelos novos hábitos dos consumidores, diversas rádios virtuais passaram a disponibilizar sua programação pela internet. O ECAD, atento a isso, e, sobretudo, (dentro de uma perspectiva internacional de entendimento sobre a disponibilização das obras em rede e a crescente insatisfação dos titulares quanto ao montante que deveria ser pago pelas plataformas de streaming), impulsionou diversas demandas judiciais contra essas empresas, alegando ser devido o pagamento de royalties em decorrência da execução pública (art. 68, §§ 2º e 3º da LDA) musical.
Dentro deste contexto, o ECAD interpôs o Recurso Especial nº 1.559.264/RJ, cuja sentença procedente, condenou, por unanimidade, a OI FM ao pagamento de direitos autorais decorrentes de execução pública nas modalidades webcasting e simulcasting. Assim, pode-se concluir, que os §§ 2º e 3º do artigo 68 da Lei de Direitos Autorais ao conceituar execução pública e local de frequência coletiva estariam englobando a internet (espaço digital) como local de frequência coletiva sob dois argumentos: a) a alteração do significado daquilo que constituiria uso público, mesmo que paradoxalmente apenas uma pessoa utilize; b) segundo o próprio entendimento da Instrução Normativa n. 02/2016, ao concluir que a transmissão via streaming não é ato de execução pública, os acordos de reciprocidade, que o Brasil mantém, por meio das associações de gestão coletiva, perderiam eficácia, afastando-se a cobrança pelo repertório estrangeiro aqui executado e a remessa dos valores à associação do respectivo país de origem, assim como o repasse às associações brasileiras do montante arrecadado do repertório brasileiro executado internacionalmente, o que prejudicaria milhares de autores brasileiros.
Por fim, é possível constatar que na modalidade simulcasting, não há duplicidade de pagamento ao ECAD, visto que, por meio de uma interpretação literal do artigo 31 da Lei de Direitos Autorais, percebe-se a natureza autônoma da transmissão, inclusive reforçada pelo fato da transmissão ser realizada por pessoa jurídica distinta, aumentando o número de ouvintes em potencial e gerando publicidade diversa da veiculada pelo rádio, não fosse assim, haveria enriquecimento indevido, já que é sobre o faturamento publicitário que a base de cálculo para cobrança de royalties na execução pública irá incidir.
REFERÊNCIAS
ABRÃO, Eliane Yachouh. Comentários à Lei de Direitos Autorais e Conexos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2017.
ABRÃO, Eliane Yachouh. Direito de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002.
ASCENSÃO, José de Oliveira, Direitos de autor e conexos inerentes à colocação de mensagens em rede informática à disposição do público. Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, ano 58, n.3, p.1063-1079, dez.1998.
ASCENSÃO, José de Oliveira. A recente lei brasileira dos direitos autorais comparada com os novos tratados da OMPI. Revista da ABPI, São Paulo, v. 42, p. 13-29, 1999.
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 1 nov. 2018.
BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm >. Acesso em: 01 nov. 2018.
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo Interno nº 1.0024.10.2874401/001. Agravante: Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ECAD. Agravada: Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt). Rio de Janeiro (RJ), 27 set. 2012.
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 1 nov. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.559.264. Recorrente: Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ECAD. Recorrida: Oi Móvel S/A incorporador do TNL PCS S/A. Brasília (DF), 08 fev. 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário: nº 1056363. Recorrente: Oi Móvel S.A. Recorrido: Escritório de Arrecadação e Distribuição ECAD. Brasília (DF), 11 jun. 2018a.
BRASIL. Lei nº 13.709, 14 de agosto de 2018. Marco Civil da Internet. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 01 nov. 2018b.
CHAVES, Antônio. Direito Autoral de Radiodifusão. São Paulo. Editora Max Limond, 1976.
EGEA, Maria Luiza de Freitas Valle. As novas formas de expressão das obras intelectuais nas tecnologias digitais e de comunicação e os direitos autorais. In:
NETTO, José Carlos Costa (Coord.). Direito Autoral Atual. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. p. 45-54.
FRANCISCO, Pedro Augusto P.; VALENTE, Mariana Giorgetti (Orgs.). Do rádio ao streaming: ECAD, direito autoral e música no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2016.
FRANÇON, André. Cours de proprieté littéraire, artistique et industrielle. Paris: Ed. Les Cours de Droit, 1985.
GRAU-KUNTZ, Karin. Un ensayo histórico sobre los derechos de autor. Revista Chilena de Derecho Y Tecnología, v. 6, n. 1, p. 113-150, 2017.
HARVEY, Eric. Station to station: the past, present, and future of streaming music. Pitchfork. 16 abr. 2014. Disponível em: <https://pitchfork.com/features/coverstory/9383-station-to-station-the-past-present-and-future-of-streaming-music/>. Acesso em: 1 nov. 2018.
IFPI RELEASES 2018 Music Consumer Insight Report. IFPI, Londres, 09 out. 2018. Disponível em: <https://www.ifpi.org/news/IFPI-releases-2018-music-consumerinsight-report>. Acesso em: 15 set. 2018.
INFORMATION providers guide. [S.l.: s.n.], 2015. Disponível em:<http://ec.europa.eu/ipg/services/web_streaming/index_en.htm>. Acesso em: 12 nov. 2018.
LEITE, Eduardo Lycurgo. Direito de autor. Brasília: Brasília jurídica, 2004.
LESSIG, Lawrence. Free Culture: How big media uses technology and the law to lock down culture and control creativity. New York: The Penguin Press, 2004.
LOUREIRO, Michele. Serviços de streaming estão contratando a todo vapor. Exame - Você S/A. São Paulo, 01 jan. 2018. Disponível em:<https://exame.abril.com.br/carreira/empresas-de-streaming-estao-crescendo-econtratando-a-todo-vapor/>. Acesso em: 20 set. 2018.
MORAIS, Walter. Artistas, intérpretes e executantes. São Paulo: RT, 1976.
NEIVA. Maria Rita Braga de Siqueira. O “Direito de Colocação à Distribuição do Público” e a Exploração dos Direitos Autorais na Internet: Antecedentes Normativos e Primeira Jurisprudência. Revista de Direito das Comunicações, Ano 2014, v. 8, p 63-88, 2014.
OUR STORY. Real Networks. Estados Unidos, 2018. Disponível em: <https://www.realnetworks.com/our-story>. Acesso em: 05 nov. 2018.
PECK, Patrícia. Direito Digital. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.
REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. Responsabilidade por publicações na internet. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
RICHARDSON, James H. The Spotify paradox: how the creation of a compulsory license scheme for streaming on-demand music platforms can save the music industry. UCLA Entertainment Law Review, Califórnia, v. 22, n. 1, 2014.
SANTOS, Manoel J. Pereira dos. A proteção e o exercício dos Direitos Autorias sobre obras intelectuais e fonogramas no comércio eletrônico. Revista da ABPI. v 42, p. 49-59, 1999.
SANTOS, Manoel J. Pereira dos. O Direito Autoral na Internet. In: GRECO, Marco Aurelio; MARTINS, Ives Granda da Silva (Coord.). Direito e Internet. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 137-162.
SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Execução Pública Musical na Internet: rádios e tvs virtuais. Revista da ABPI. v. 103, p. 51-67, 2009.
STJ PROMOVE audiência pública para debater tecnologia streaming e direitos autorais. Jusbrasil, Brasil, 2015. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/250000990/stj-promove-audiencia-publica-paradebater-tecnologia-streaming-e-direitos-autorais>. Acesso em: 20 set. 2018.
TEPEDINO, Gustavo. A cobrança de Direitos Autorais sobre obras musicais e fonogramas transmitidos via Internet. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. Belo Horizonte, v. 06, p. 128-150, out/dez. 2015.
UNIÃO EUROPEIA. Directiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação. Jornal Oficial das Comunidades Europeias, 2001. Disponível em: <https://eurlex.europa.eu/eli/dir/2001/29/oj>. Acesso em: 22 set. 2018.
VOSS JUNIOR, José; PÉRICAS, Francisco Adell. Compartilhamento de informações entre computadores através da tecnologia Peer-to-Peer (P2P) usando a plataforma JXTA. In: SEMINÁRIO DE INFORMÁTICA E COMPUTAÇÃO – SEMINCO, 2004, Blumenau. Anais... Blumenau: Universidade Regional de Blumenau, 2004.
Disponível em: http://www.inf.furb.br/seminco/2004/artigos/102-vf.pdf. Acesso em: 05 ago. 2018.
WHITE A. R. ; COOPER, K. Streaming and Downloading: Technology, Economics and Popularity. In: The Streaming Revolution in the Entertainment Industry. Editado por Marcelo Goyanes e Jeff Liebenson. International Association of Entertainment Industry. Londres: FRUKT, 2015. p. 32-50.
WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION - WIPO. Collective Management of Copyright and Related Rights. 2018. Disponível em:
<http://www.wipo.int/treaties/en/text.jsp?file_id=295166#P78_9739>. Acesso em: 19 out. 2018.
WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION - WIPO. WIPO Copyright Treaty. 1996a. Disponível em:<http://www.wipo.int/treaties/en/text.jsp?file_id=295166#P78_9739>. Acesso em: 12 set. 2018.
WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION - WIPO.Summary of the WIPO Performances and Phonograms Treaty (WPPT). 1996b. Disponível em:<http://www.wipo.int/treaties/en/ip/wppt/summary_wppt.html>. Acesso em: 12 set. 2018.
ZANINI, Leonardo Estevam Assis. Direito de Autor. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/9788502230231/pageid/61>.Acesso em: 20 set. 2018.