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O entendimento do Recurso Especial n. 1.559.264/RJ nos casos de execução pública na tecnologia streaming

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07/02/2019 às 16:40
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CONCLUSÃO  

Diante do estudo realizado, constatou-se que os direitos autorais sempre mantiveram estreita relação com a tecnologia. Esta simbiose, contudo, sempre foi motivo de preocupação e intensas disputas judiciais, tanto por parte dos criadores das obras intelectuais, quanto pelos difusores presentes no mercado. Foi assim, desde o surgimento da prensa, com a possibilidade de reprodução gráfica em massa, até o surgimento da internet, que propiciou o acesso à informação sem precedentes, modificando as formas de disponibilização das obras musicais aos usuários e os conceitos autorais até então assentados sob a obra na forma tangível.

Essa ruptura, nos anos 90, iniciou-se com a chamada distribuição digital de músicas pela Napster, cujo sistema permitia a realização de downloads pelos usuários de forma totalmente livre, sem o pagamento de direitos autorais ao cantor/compositor, entretanto, vendo-se prejudicados pela ampla divulgação de suas músicas sem o devido pagamento de direitos autorais, uma batalha judicial iniciou-se, culminando com encerramento da empresa Napster por determinação judicial da Suprema Corte Norte Americana.

 É nesse novo cenário que as empresas de tecnologia da informação passaram a desenvolver ferramentas capazes de fazer com que o consumidor tenha mais liberdade e interação no momento de ouvir ou escolher suas músicas preferidas. Dentro desta proposta, surge a tecnologia streaming que consiste na modalidade de transmissão ao vivo e em tempo real de dados em áudio e vídeo pela internet, sem o download do conteúdo. Essa plataforma digital possibilita que o ouvinte seja um ser ativo na audição de suas músicas, permitindo que a obra musical seja usufruída pelo acesso ao aplicativo ou página da internet, além de proporcionar a criação de playlist e outras comodidades.  

Atendendo à demanda de mercado, impulsionada pelos novos hábitos dos consumidores, diversas rádios virtuais passaram a disponibilizar sua programação pela internet. O ECAD, atento a isso, e, sobretudo, (dentro de uma perspectiva internacional de entendimento sobre a disponibilização das obras em rede e a crescente insatisfação dos titulares quanto ao montante que deveria ser pago pelas plataformas de streaming), impulsionou diversas demandas judiciais contra essas empresas, alegando ser devido o pagamento de royalties em decorrência da execução pública (art. 68, §§ 2º e 3º da LDA) musical.

Dentro deste contexto, o ECAD interpôs o Recurso Especial nº 1.559.264/RJ, cuja sentença procedente, condenou, por unanimidade, a OI FM ao pagamento de direitos autorais decorrentes de execução pública nas modalidades webcasting e simulcasting. Assim, pode-se concluir, que os §§ 2º e 3º do artigo 68 da Lei de Direitos Autorais ao conceituar execução pública e local de frequência coletiva estariam englobando a internet (espaço digital) como local de frequência coletiva sob dois argumentos:  a)  a alteração do significado daquilo que constituiria uso público, mesmo que paradoxalmente apenas uma pessoa utilize; b) segundo o próprio entendimento da Instrução Normativa n. 02/2016, ao concluir que a transmissão via streaming não é ato de execução pública, os acordos de reciprocidade, que o Brasil mantém, por meio das associações de gestão coletiva, perderiam eficácia, afastando-se a cobrança pelo repertório estrangeiro aqui executado e a remessa dos valores à associação do respectivo país de origem, assim como o repasse às associações brasileiras do montante arrecadado do repertório brasileiro executado internacionalmente, o que prejudicaria milhares de autores brasileiros. 

Por fim, é possível constatar que na modalidade simulcasting, não há duplicidade de pagamento ao ECAD, visto que, por meio de uma interpretação literal do artigo 31 da Lei de Direitos Autorais, percebe-se a natureza autônoma da transmissão, inclusive reforçada pelo fato da transmissão ser realizada por pessoa jurídica distinta, aumentando o número de ouvintes em potencial e gerando publicidade diversa da veiculada pelo rádio, não fosse assim, haveria enriquecimento indevido, já que é sobre o faturamento publicitário que a base de cálculo para cobrança de royalties na execução pública irá incidir.             


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DELAZERI, Diego. O entendimento do Recurso Especial n. 1.559.264/RJ nos casos de execução pública na tecnologia streaming. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5699, 7 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71022. Acesso em: 26 abr. 2024.

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