A avaliação psicológica no trabalho policial: necessidade para a efetividade da segurança pública.

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28/12/2018 às 05:28

Resumo:


  • Os policiais enfrentam um alto risco de estresse e problemas de saúde mental devido à natureza de seu trabalho, incluindo assassinatos de policiais, tanto em serviço quanto de folga, no Rio de Janeiro e em outros estados.

  • A metodologia utilizada para o estudo foi uma revisão bibliográfica, buscando compreender e propor soluções para as inquietações mentais dos policiais, com foco na saúde mental e consequências no comportamento.

  • É essencial um acompanhamento psicológico regular dos policiais, e a pesquisa abordou diferentes órgãos de segurança pública, apontando a necessidade de investir na saúde mental dos servidores para garantir a eficácia da segurança pública oferecida à população.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A violência do embate com os criminosos, a segurança pessoal e familiar, o estresse, o esgotamento mental, o suicídio: como os órgãos de segurança estão enfrentando essa temática?

1- INTRODUÇÃO                                                                     

 No Estado do Rio de Janeiro, mas não exclusivamente nele, tornou-se comum o assassinato de policiais, seja em serviço, seja em períodos de folga. Terrivelmente ameaçados, estes profissionais se dedicam a oferecer à sociedade segurança no seu direito de ir e vir. Mas dado o contexto atual e tantos outros óbices estressantes e patológicos enfrentados por estes policiais, sejam civis ou militares, federais ou estaduais, como estaria a saúde mental destes homens e mulheres? O que esperar do comportamento destes servidores? Segundo Bock et al. (1999, p. 21), o objeto de estudo da Psicologia é justamente o comportamento humano. Estes questionamentos dizem respeito à motivação para este artigo científico.

  A principal contribuição que se pretende com o presente estudo é aferir quais as inquietações presentes nas mentes destes policiais e suas conseqüências, lembrando que indagações relativas à mente compõem objeto de estudo da filosofia desde remoto passado, atingindo seu ápice com Descartes na Idade Moderna- século XVII, na lição de Zilio (2010, p. 23). O artigo estará organizado em partes relativas aos distintos componentes do sistema de segurança pública, quais os principais problemas que os atingem e possíveis soluções.


  2- METODOLOGIA

 Para a elaboração do presente estudo utilizou-se a metodologia de pesquisa conhecida como revisão bibliográfica. Uma vez demarcado o assunto, foram levadas a cabo pesquisas nos mais variados meios bibliográficos disponíveis (físicos, virtuais) com o desiderato de compreender mais o tema e, aprofundando, propor soluções. Completa-se, assim, o que Tomasi e Medeiros (2008, p. 153), interpretam como artigo científico, qual seja uma publicação que propõe e discute ideias, processos e resultados. 


3- DESENVOLVIMENTO

 Passaremos a analisar como anda a saúde mental dos policiais descritos no artigo 144 da Constituição Federal de maneira separada por órgão. Tem-se por óbvio de que quanto melhor a higidez psíquica destes profissionais, tanto mais efetiva e eficaz será a segurança pública entregue à população brasileira. Para tanto, necessário o regular acompanhamento psicológico dos trabalhadores. Excluiremos da análise a Polícia Ferroviária Federal, uma vez que embora elencada no rol do artigo 144, não foi devidamente criada. Também excluiremos os Corpos de Bombeiros Militares, vez que atuam em áreas nobres de serviço público, mas estaremos restritos às atividades de polícia preventiva e repressiva.

3.1- POLÍCIA FEDERAL

Segundo dados constantes do portal O Guia Vice para saúde mental, no ano de 2015, pesquisa apontou que 30% dos policiais federais faziam tratamento psicológico, sendo os principais problemas apresentados estresse, alcoolismo, ansiedade, depressão e síndrome do pânico e que 2.000 admitiam o uso de medicamentos para tratar problemas psicológicos e/ou psiquiátricos. Entre março de 2012 e março de 2013, ocorreram 11 suicídios na Polícia Federal. Muitos entrevistados apontaram um ambiente de trabalho ruim como fator apto a tornar o trabalho ainda mais estressante.

 Para Chiavenato (1999, p. 377), “estresse é um conjunto de reações físicas, químicas e mentais de uma pessoa a estímulos estressores no ambiente.” Couto (1987, p. 95), liga o estresse ao trabalho:

O estresse ocupacional é um estado em que ocorre um desgaste anormal do organismo humano e/ou diminuição da capacidade de trabalho, devido basicamente à incapacidade prolongada de o indivíduo tolerar, superar ou se adaptar às exigências de natureza psíquica existentes em seu ambiente de trabalho ou de vida.

Nota-se, como pontua Couto, a relevância do salubre ambiente de trabalho para o controle do estresse. O Guia Vice, pontua, ademais, que na Polícia Federal existe somente um psiquiatra e cinco psicólogos para atender a todo efetivo e que o órgão não desenvolve práticas de prevenção ao suicídio, como determina a Secretaria de Direitos Humanos. Consta, outrossim, a existência de uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília em que 53% dos policiais entrevistados desejariam sair do órgão. Na mesma pesquisa, e segundo 88% dos entrevistados, não há qualquer preocupação do órgão com o bem-estar ou a saúde do policial. O desabafo extraído do  já citado portal resume bem a situação:

Agente federal há 18 anos, M.P.* conta que, nos últimos dias, ligou para um amigo também policial federal que estava retornando à função depois de 15 dias de férias. O colega de profissão desabafou que o descanso não foi suficiente: "Estou me entupindo de Rivotril pra ir trabalhar". (*nome preservado)

  Pelo exposto, nota-se a premente necessidade de mudar o grave quadro existente na Polícia Federal, investindo na saúde mental do servidor e na avaliação psicológica constante, sob pena de adoecimento coletivo e transtornos decorrentes.

   3.2- POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

    Oliveira (2017, p. 11), em extensa pesquisa de mestrado, aponta que os policiais rodoviários paulistas sofrem de Síndrome de Burnout, uma espécie de esgotamento profissional, assim definida pelo Manual de Procedimentos do Ministério da Saúde (2001):

A sensação de estar acabado ou síndrome do esgotamento profissional é um tipo de resposta prolongada a estressores emocionais e interpessoais crônicos no trabalho. Tem sido descrita como resultante da vivência profissional em um contexto de relações sociais complexas, envolvendo a representação que a pessoa tem de si e de outros. O trabalhador que antes era muito envolvido afetivamente com os seus clientes, com os seus pacientes ou com o trabalho em si, desgasta-se e, em um dado momento, desiste, perde a energia ou “se queima” completamente. O trabalhador perde o sentido de sua relação com o trabalho, desinteressa-se e qualquer esforço lhe parece inútil.

Com base em pesquisa de Mella, Oliveira (2017, p. 64), afirma que 48,7% da população policial pesquisada apresentava sintomas condizentes com a síndrome de Burnout, vinculados a problemas psicológicos. A elevada carga horária, a desvalorização pelo superior, a necessidade de prolongar as horas de trabalho, o aumento das horas de trabalho que seriam destinadas ao convívio familiar ou outros relacionamentos sociais, e atividades rotineiras e repetitivas são apontadas por Juniper (apud OLIVEIRA, 2017, p. 13-14) como fatores estressores e potencialmente passíveis de causar adoecimento.

O trabalho noturno e o sobreaviso provocam alterações no sono do indivíduo que acabam repercutindo na esfera física e psicológica. O barulho das rodovias e a falta de efetivo também colaboram para elevar a tensão emocional dos policiais.

A Polícia Rodoviária Federal não dispõe de efetivo profissional apto a cuidar das mazelas psicológicas de seu quadro funcional, como aponta Beck et al., inexistindo pessoal da área da saúde no órgão. Ressalta-se que é fundamental a implantação de um programa de promoção da saúde do servidor, mormente na perspectiva da saúde mental. Anota-se, finalmente, que o servidor policial manuseia arma de fogo e sua higidez psicológica assume significante valor.

3.3- POLÍCIA CIVIL

Conforme caminhamos na pesquisa, notamos que os problemas que assolam os policiais são similares, independentemente do órgão ao qual pertençam. Coleta e Coleta (2008, p. 63), em interessante pesquisa com 40 policiais civis de uma delegacia do interior de Minas Gerais (13 detetives, 5 carcereiros, 5 peritos criminais, 8 delegados, 7 escrivães e 2 inspetores), concluíram que os maiores fatores estressores eram em ordem decrescente: excesso de trabalho, infra-estrutura do trabalho, relacionamento com colegas, falta de apoio da sociedade, risco de vida, burocracia e ter que lidar com presos e pessoas de má índole. As pesquisadoras (p. 65) também analisaram as medidas que os policiais tomam para lidar com o estresse, fenômeno conhecido como coping: “isolar-se, não conversar sobre assuntos de trabalho com a família e separar a vida profissional da familiar.”

 Mônica Lopes (2014) pesquisou a situação emocional dos policiais civis do estado de Roraima e concluiu que:

Mesmo com o ambiente de trabalho inadequado, muitas vezes o policial precisa adaptar-se, contudo, no decorrer dos anos, as doenças ocupacionais começam a surgir. Como maior consequência, observamos a sobrecarga física e emocional, ocasionadas pelo acumulo de estresse gerado por um ambiente hostil e dificuldade de enfrentamento diante de situações difíceis que exigem do profissional um nível de atenção elevada.  (grifamos)

O sindicato das classes de policiais civis do estado do Paraná (Sinclapol), aponta em seu portal que, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), a atividade policial é a segunda mais estressante do mundo. Perde somente para os mineiros do carvão. A ONU classifica a atividade como insalubre, perigosa, geradora de estresse físico e, exigindo constante acuidade e higidez mental. Ainda segundo o portal, um estudo da Universidade de Manchester em 1987 apontou que o índice de estresse dos policiais seria de 7.5, estando na segunda colocação do ranking. Os campeões são os trabalhadores de minas (8.3).

Costa et al.(2017, p. 52), estudando a qualidade de vida de policiais do estado de Mato Grosso, detecta que eles possuem má qualidade de vida e não estão bem consigo mesmos. Destarte, como poderiam estar executando suas funções a contento. E além do diagnóstico, propõe soluções:

O alto nível de estresse encontrado em um grande número de policiais pode, eventualmente, levar à redução de produtividade e prejudicar a habilidade de tomada de decisão em momentos críticos. Os resultados revelam a necessidade de campanhas preventivas que possam colaborar para a aquisição de estratégias de enfrentamento do estresse ocupacional e a consequente redução do nível de estresse detectado. Indicam também o quanto são necessários programas de controle do estresse para os policiais já sofrendo de estresse ocupacional excessivo. É importante que mudanças organizacionais sejam implantadas com o objetivo de se ter um corpo policial capaz de desenvolver suas competências por meio do apoio e do reconhecimento de seu valor por seus superiores. A valorização do policial e do papel que exerce na sociedade são pontos fundamentais em qualquer programa de ação que vise reduzir o estresse e melhorar a qualidade de vida dessa classe ocupacional.

  As organizações as quais pertencem os policiais têm o dever de investir na qualidade de vida e na saúde mental de seus profissionais, e isto vale para todos os órgãos descritos no artigo 144 da Constituição Federal, pois os problemas se repetem, embora mude o órgão.

    3.4- POLÍCIA MILITAR

Os policiais militares atuam, prioritariamente, nas ruas e estão em contato direto com as ocorrências. Padecem dos mesmos males dos outros policiais, como já bem assentado. Bardagi e Oliveira (2010, p. 153-166), realizaram um estudo com 75 policiais militares, homens e mulheres, com idade variando de 22 a 44 anos. Um total de 57,3% dos pesquisados apresentavam sintomatologia de estresse, sendo que as mulheres demonstravam sintomas mais severos. Os sintomas psicológicos mais encontrados eram irritabilidade excessiva (54,7%), cansaço excessivo (46,7%), pensar constantemente em um só assunto (38,7%), irritabilidade sem causa aparente (37,7%) e sensibilidade emotiva excessiva (33,3%). As autoras do trabalho também defenderam a imediata adoção de propostas de intervenção no quadro que ora se apresentava.

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Infelizmente tem sido freqüente entre os policiais militares a prática do suicídio[1]. Trata-se da forma mais terrível de padecimento mental, em que o indivíduo não suporta mais seus problemas e encontra solução eliminando a própria vida. O indivíduo começa, regra geral, a proclamar que vai tirar a própria vida, ameaça outras pessoas frequentemente e por situações banais, aparenta estar perdendo o controle e com sentimento derrotista e tem atração excessiva por armas, violência, suicídios e homicídios.

Escóssia (2016) compila dados e informações muito úteis ao estudo do suicídio na polícia militar carioca. Retrata vários casos, como o do policial militar Miguel, assim descrito: “era agressivo em casa e brincava de roleta russa diante da mulher e dos filhos. Com colegas de trabalho, comentava que tinha vontade de dar um tiro na cabeça. Um dia deu: matou-se no banheiro de casa, com a própria arma”. Fruto de pesquisa da polícia militar do Rio de Janeiro em parceria com a Universidade do estado do Rio de Janeiro (UERJ), os dados apresentados por Escóssia revelam que 10% dos policiais afirmaram já ter tentado o suicídio, sendo que 22% já pensou na possibilidade e 68% nunca pensou. Os dados, por si só, revelam um quadro gravíssimo e que necessita de tratamento imediato. O sentimento de desvalorização é real, vejamos as palavras de um policial militar do serviço operacional: “O primeiro processo que você sofre é a perda da sua sensibilidade. Por exemplo, o colega morreu domingo de manhã, segunda-feira foi o enterro dele, né? E tá todo mundo trabalhando normalmente. A vida continua? A vida continua. Mas é tratado só como número”.

O ser humano, independente da profissão que exerce e do treinamento a que se submete, continua sendo humano e como tal falível e vulnerável. A missão dos policiais exige muito do aspecto físico e psíquico e como tal deve ser vista e analisada, sob pena de histórias inaceitáveis e irreversíveis como as acima descritas.

3.5- ANUÁRIO ESTATÍSTICO

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública publica anualmente um registro completo do mapa da segurança pública no Brasil. Em 2015, 393 policiais foram vítimas de homicídio, sendo 103 em serviço e 290 fora de serviço. Entre 2009 e 2015, policiais brasileiros morreram 113% a mais em serviço se comparados aos policiais norte-americanos. A maioria da população brasileira (64%) acredita que os policiais são caçados pelo crime e 63% opinam que eles não possuem boas condições de trabalho. No ano de 2016, houve um crescimento no número de policiais assassinados (456), porém em 2017 o número voltou a cair (367), embora ainda bastante significativo.

No estado do Rio de Janeiro, os policiais vivem sob intenso risco e muitos são assassinados. O coronel Fábio Cajueiro dispara[2]: "O número é maior do que as baixas do exército americano na primeira e segunda guerra mundiais. É 765 vezes mais fácil você ser ferido servindo na polícia do rio do que estando em guerras como a Guerra do Golfo".

Embora no Rio de Janeiro seja rotineiro o assassínio de policiais, esta estatística perniciosa não lhe é exclusiva e se estende por todos os demais estados da federação.

3.6- BOAS PRÁTICAS

Apontar gestões adequadas de prevenir e tratar desordens psicológicas do quadro funcional dos diversos órgãos de segurança é medida salutar. Quem valoriza a percepção de saúde mental e constantemente realiza avaliações psicológicas e psicodiagnósticos em seu efetivo, estará evitando uma série de transtornos.

Existem centros de apoio biopsicossocial, centros terapêuticos, centros de atenção psicológica, assessorias de psicologia e atendimentos preventivos em alguns órgãos policiais de variados estados brasileiros, v.g, Acre, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina. É fundamental que exista este tipo de atendimento em todos os estados (para todos os órgãos) e também na área federal. Assis et al. (2011, p. 2199-2209), pontua:

Hoje, o tema relativo à saúde dos policiais no chamado mundo desenvolvido, de certa forma, ultrapassou o diagnóstico e entrou numa fase de proposições sobre o tipo de condições técnicas, relacionais, subjetivas e de qualidade de vida que o Estado precisa lhes proporcionar, reformando suas instituições e valorizando seu trabalho. Em vários países, existem programas de avaliação e de reforma institucional e de apoio social e emocional a esses profissionais, pilares das instituições democráticas(...)    (grifamos)

Que o Brasil possa acompanhar o que há de mais moderno na doutrina policial e fazendo bom uso dos ensinamentos da psicologia, erradicar o panorama desolador que se apresenta.         

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