Resumo: A criminalidade organizada e os crimes de contrabando não são fenômenos novos em nossa sociedade. O contrabando compreende a ação de importar ou exportar mercadoria proibida, enquanto o crime organizado consiste na associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada, objetivando obter, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional. Estando o crime de contrabando entre uma das principais atividades realizadas pela criminalidade organizada, importante é colacionar quais os impactos causados por essa prática no atual cenário político-econômico brasileiro, desde a introdução até a comercialização de tais mercadorias. Este trabalho desencadeou-se a partir de pesquisas bibliográficas, acadêmicas e precipuamente reportagens de jornais nacionais. A atuação organizada do contrabando, comandada por organizações criminosas complexas, centrada no fator econômico, na concentração de poder e consumo, perpetuam e maximizam as condições de geração da violência e da criminalidade. Há entre o contrabando e o crime organizado um verdadeiro círculo vicioso, vez que a criminalidade organizada para ter o peso que tem hoje na sociedade necessita de injeção do capital obtido com crimes transnacionais, dentre eles o contrabando, e o contrabando para ocorrer, necessita de um incentivo de organizações criminosas que encabeçam e financia essa atividade, situação essa que faz com que, o crime organizado e o contrabando, indiretamente se tornem, interdependentes. Conclui-se que combater a atuação organizada do contrabando que tanto afeta e traz prejuízos para todo país é lutar a favor da vida e da dignidade do cidadão brasileiro, da concretização de uma realidade almejada por todos, de respeito aos direitos, crescimento econômico e combate às ações criminosas.
Palavras-chave: contrabando; crime organizado; impactos socioeconômicos; fronteira; crescimento econômico; segurança pública.
Sumário: INTRODUÇÃO. 1. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DO CONTRABANDO E DO CRIME ORGANIZADO. 1.1 Contrabando. 1.1.1 Aspectos Históricos e Conceituais. 1.1.2 Evolução Legislativa do Crime de Contrabando. 1.1.3 O crime de contrabando no Brasil, após o advento da Lei nº 13.008/2014. 1.2 Do crime organizado. 2. O CRIME ORGANIZADO VOLTADO A PRÁTICA DO CONTRABANDO. 2.1. Cultura nacional de aquisição de mercadorias contrabandeadas. 2.2. Da problemática nas fronteiras – facilidade da entrada de produtos contrabandeados no Brasil. 2.3. Impactos econômicos do Contrabando. 2.4. Atuação da Criminalidade Organizada. 3. COMBATE A ATUAÇÃO ORGANIZADA DO CONTRABANDO. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
A criminalidade organizada e o crime de contrabando não são fenômenos novos em nossa sociedade. Isso porque, desde o momento em que a história menciona a formação organizada das primeiras civilizações, tanto a transação de mercadorias consideradas proibidas, quanto à atuação organizada de pessoas com o fito de praticar crimes, já eram recorrentemente praticadas.
Isso é o que retrata Francisco Policarpo Rocha da Silva, em seu trabalho sobre “A origem e o desenvolvimento do crime organizado”. Veja-se:
O crime organizado é um fenômeno inerente à socialização humana, ou seja, a partir do momento que o homem se reúne com outros, objetivando a comunhão de esforços para a consecução de seus fins almejados, e esses fins se mostram eivados de ilicitude, evidencia-se a gênese do crime organizado.[1]
No mesmo sentido posicionou-se Cesar Roberto Bitencout, relatando que a incriminação do contrabando remonta a antiguidade, coincidindo com o surgimento das Alfandegas e o estabelecimento de privilégios e regalias para o comércio de determinados gêneros, de interesse do Estado[2].
Ou seja, as práticas tanto do contrabando, quanto do crime organizado, remontam o início da civilização organizada, coincidindo com o início da formação da sociedade como conhecemos hoje. Deste modo, é forçoso reconhecer que, em meio ao complexo desenvolvimento da sociedade contemporânea, tais condutas vêm evoluindo, aprimorando suas práticas e por consequência, os seus resultados.
O contrabando deteriora a economia nacional, aumenta o desemprego, prejudica o ambiente de negócios e gera risco à integridade e à saúde do consumidor. O crime organizado, a seu turno, favorece o crescimento da criminalidade interna e transnacional, estimulando assim, o aumento dos índices de violência e criminalidade nos centros urbanos e nas fronteiras, acarretando por consequência, a diminuição da Soberania Nacional.
Ao analisar estes dois fenômenos separadamente vislumbram-se inúmeras consequências prejudiciais ao crescimento econômico do país, em virtude da clandestinidade exacerbada de ambos.
Contudo, esse entendimento não é uniforme em todos os setores da sociedade, pois conforme se observa nas inúmeras reportagens jornalísticas do país, que retratam o crime de contrabando, vemos e constatamos que “o brasileiro ainda age como se tal conduta fosse um deslize tolerável”[3]. É o que concluiu o FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade), em uma pesquisa realizada no ano de 2016.
Essa atitude da sociedade brasileira é justificada porque há uma ideia em moldes gerais, de que o crime de contrabando é uma das atividades criminosas que menos prejuízos trazem a população, tendo em vista que não a vítima direta com a sua pratica.
Isto porque, no crime de contrabando, não há existência, de modo direto, de uma vítima individual, não se identifica imediatamente a pessoa que tenha sido lesada no exato momento da realização da ação.
Ocorre que, tal constatação é temerária e foge da realidade a qual vivenciamos principalmente se levarmos em consideração a atuação da criminalidade organizada na prática do contrabando, visto que tal atividade, tem se apresentado como uma forma de se capitalizar dinheiro rapidamente, podendo os agentes criminosos investir na compra de drogas ou armas, diversificando assim seus negócios, a partir do contrabando.
. Nesse sentido Flávio Oliveira Lucas, Juiz Federal da 4ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, em seu trabalho sobre as “Organizações Criminosas e Poder Judiciário”, colacionou que, os ilícitos praticados pela criminalidade organizada, dentre eles o contrabando, são muito mais lesivos para o Estado e para a sociedade do que aquelas que atingem uma vítima específica, a exemplo do furto. Veja-se o seguinte trecho apresentado no trabalho do Excelentíssimo Juiz Federal:
Evidentemente que, se levarmos em consideração um espaço de tempo maior, chegaremos à inevitável conclusão de que tais ações criminosas são muito mais lesivas para a sociedade e para o Estado do que as que imediatamente prejudicam alguém que foi vítima de um furto, um roubo, um estelionato etc., posto que interferem na arrecadação de tributos pelo Estado, na manutenção da paz e da ordem pública, na economia, na livre concorrência, etc.[4].
Nessa perspectiva, vislumbramos o grande risco que atuação da criminalidade organizada na vertente do contrabando pode ocasionar a toda infraestrutura estatal, pois estando o crime de contrabando entre uma das principais atividades que o crime organizado se utiliza para a arrecadação de capital, todos os riscos explanados acima, quando se estuda separadamente tais condutas, agora estão ocorrendo ao mesmo tempo, coexistindo numa mesma situação.
Com efeito, estando o crime de contrabando entre uma das principais atividades realizadas pela criminalidade organizada, importante é colacionar quais os impactos causados por essa prática no atual cenário político-econômico brasileiro, desde a introdução até a comercialização de tais mercadorias. Sendo este o aspecto o norteador do presente trabalho.
A presente pesquisa monográfica visa analisar os impactos causados pela atuação da criminalidade organizada na atividade contrabandista. Tal trabalho desencadeou-se a partir de pesquisas bibliográficas, acadêmicas e precipuamente reportagens de jornais nacionais, visto que sobre o tema em análise, há poucas doutrinas relevantes.
Assim, com o referido objetivo, a pesquisa monográfica trabalha em seu primeiro capítulo com os conceitos, aspectos históricos e outras informações pertinentes ao contrabando e ao crime organizado, citando conceitos de diversos autores, e observando o desenrolar de seus desenvolvimentos ao longo da evolução da humanidade, tanto no aspecto legislativo quanto no aspecto histórico propriamente dito.
O segundo capítulo visa adentrar mais especificamente ao tema do presente objeto da pesquisa, destacando a própria ideia da atuação organizada do contrabando praticado pelas organizações criminosas, em uma perspectiva socioeconômica, realizando assim uma discussão que vai desde a participação efetiva da sociedade no financiamento da criminalidade organizada, pela compra de produtos contrabandeados, passando pela problemática das fronteiras, até chegar ao ponto em destaque, qual seja, os impactos socioeconômicos ocasionados pelo contrabando através da atuação do crime organizado.
E, por fim, o terceiro capítulo intitulado “Como combater a atuação organizada do crime de contrabando”, aborda algumas medidas a serem tomadas pelo Poder Público para frear o crescimento do contrabando e da criminalidade organizada.
1. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DO CONTRABANDO E DO CRIME ORGANIZADO
1.1 Contrabando
1.1.1 Aspectos Históricos e Conceituais
O Direito Penal Pátrio, dentre as várias condutas as quais atribui o caráter de ilícito, cuidou desde os primórdios, daquela consistente na exportação ou importação de mercadorias proibidas, conduta esta, conhecida hoje, como contrabando.
Em uma esfera universal, desde o momento em que a história menciona a formação organizada das primeiras civilizações, a transação ou transporte de mercadorias desacompanhadas do pagamento das taxas alfandegárias ou mercadorias consideradas proibidas desvelam a conduta ilícita de contrabando e do descaminho.
Para Prado, “a palavra ‘contrabando’ tem origem latina contra e bandum definido como atravessamento dos limites territoriais com mercadorias sem o pagamento das devidas taxas estipuladas”[5]. Desta forma, em uma definição mais simplista, contrabando tinha por conceito, em épocas mais remotas, a ação contrária à ordem, sendo designada para indicar a vedação que existia ao tráfico ou o comércio de determinadas mercadorias.
Ainda de acordo com o autor acima mencionado, “após o advento dos monopólios estatais, na fabricação e comercialização de determinados produtos, o contrabando passou também a denotar a fabricação, importação e venda de tais produtos”[6]. Ocorre que, com o crescimento da intervenção estatal na economia, começou a vedação em absoluto da importação ou exportação de certos produtos, ou a taxação consideravelmente à fabricação de outros. Logo, o atentado contra essas disposições, passou a ser enfocado como contrabando.
No mesmo sentido, segue os ensinamentos de Bitencourt,
A incriminação do contrabando remonta a antiguidade, coincidindo com o surgimento das Alfandegas e o estabelecimento de privilégios e regalias para o comércio de determinados gêneros, de interesse do Estado. O próprio direito romano não ignorou o crime de contrabando, impondo-lhe penas severíssimas, sendo-lhe, inclusive fortalecidas na Idade Média, com a aplicação de confisco, mutilações, penas de morte etc., especialmente se o crime fosse cometido por quadrilha, à mão armada ou por reincidente, já naquela época[7].
Pelo que se vê a repressão ao crime de contrabando, vem desde a antiguidade remontando o início da civilização. Instituíram-se juntamente as alfândegas e com o interesse do Estado em fomentar e proteger a comercialização de determinados produtos.
Na realidade brasileira, a conduta do contrabando, está presente desde a sua concepção, constituindo-se num dos principais problemas enfrentados.
Para Rainer Gonçalves Sousa, desde a época do descobrimento (1500), ou seja, desde a época que pisaram em solo brasileiro, os portugueses não pouparam esforços em explorar as terras recém-descobertas, principalmente acerca da existência de ouro e prata. Mediante a negativa, acabaram desviando suas atenções para a extração de uma árvore chamada pau-brasil. A tinta de cor vermelha, empregada na fabricação de tecidos e a sua madeira resistente, acabaram justificando a primeira atividade econômica dos portugueses por aqui[8].
Assim, levando-se em consideração os fortes atributos do Pau-Brasil, a Coroa Portuguesa anunciou o monopólio sobre as atividades de extração dessa madeira. Ou seja, qualquer pessoa que tivesse o interesse em buscar o pau-brasil nas terras da colônia deveria comprar uma concessão vendida pelo governo português.
Apesar dos dispositivos legais que garantiam o controle sobre essa exploração ultramarina, os portugueses foram alvo da ação de corsários que retiravam o pau-brasil de nossas terras. Os espanhóis fizeram parte desse contrabando, mas não tiveram grande presença por conta do Tratado de Tordesilhas. Já os franceses, que não reconheciam a validade desse mesmo tratado, promoveram diversas incursões em nosso litoral.
Fatores naturais, como a posição geográfica e a vasta extensão litorânea da costa brasileira, proporcionaram um incito natural à navegação e ao comércio ultramarino português, como expõe Barbosa:
As facilidades de navegação proporcionadas por um litoral com mais de 8000 quilômetros fez do momento a partir do qual Pedro Álvares Cabral ancorou sua esquadra no dia 22 de abril de 1500, na localidade de Santa Cruz de Cabrália no sul da Bahia, o ponto marcante do início de uma intensa navegação de cabotagem na orla da então Ilha de Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz e, finalmente, Brasil, impulsionada cada vez mais na medida em que novos grupos de pessoas chegavam.[9]
Já na época do Brasil Colônia (1530 a 1822) os delitos aduaneiros, principalmente o contrabando e o descaminho, passaram a dominar grande parte do comércio ultramarino da colônia apesar das tentativas do governo de Portugal em combatê-los.
Nesse contexto, segundo Gomes, “a maior preocupação da Coroa Portuguesa na época, se deu a partir da descoberta do ouro na região de Minas Gerais (Ciclo do Ouro), durante o reinado de Dom João V (1706-1750)” [10].
Ainda de acordo com o supracitado autor, o governo português investia de forma significativa no intento de evitar que mercadorias e, principalmente, metais preciosos, fossem extraídos e comercializados a margem da lei vigente, sendo rigorosamente punido aquele que fosse apanhando a desviar a senda das Estradas Reais ou a burlar a fiscalização das Casas de Fundição.
Nesse período, consoante dispõe Lopes, “a desorganização na colônia foi tamanha, que não se sabia se o déficit enfrentado era fruto da baixa produtividade ou do contrabando e do descaminho”[11].
Ato contínuo, conforme estudos realizados por Flores,
No Período do Brasil Império (1822 a 1889) e até meados da República Velha (1890-1930) a prática do contrabando se intensificou, principalmente por partes de grupos de resistência social que lutavam contra a ordem capitalista, que vinha se estabelecendo através da privatização dos rebanhos e das terras, a qual se consolidou através da Lei de Terras em 1850[12].
Ou seja, as práticas do contrabando, tanto no Período Imperial quanto na República Velha, tinham por principal objetivo fazer uma espécie de oposição ao espaço econômico oficial de cada período, os quais não ofereciam opções de crescimento para a classe trabalhadora, a classe popular.
Pelo exposto, observa-se que a conduta de contrabandear, está atrelada ao desenvolvimento do Brasil, começando desde a época mais remota, a do descobrimento, onde eram contrabandeadas matérias-primas do solo brasileiro (pau-brasil) até a época da República Velha, em que a prática do contrabando estava inerente às lutas sociais deste período.
1.1.2 Evolução Legislativa do Crime de Contrabando
Nos ensinamentos de Nathalia Rodrigues, antes da instituição dos Códigos, no Período Colonial, as legislações eram conhecidas através de Ordenações Reais que correspondiam às vontades do Rei, nem sempre atendendo aos anseios da população. Após as Ordenações vieram os códigos, sendo que o Sistema Jurídico Brasileiro possuiu três Códigos Penais: o Código Criminal do Império, de 1830; o Código Penal da República Velha; e o Código Penal vigente, de 1940[13].
Na época do Império (1822-1889), o crime de contrabando, era tipificado no mesmo dispositivo legal do crime de descaminho, sendo estes integrantes no Código Penal do Império (1830), do Titulo VI que previa “Dos crimes contra o tesouro público e a propriedade pública”. Na época do Brasil-Império, a maior preocupação dos governantes era com a entrada das mercadorias ilegais, pela via marítima.
Em 1890, na mesma linha de seguimento do antigo Código (Código Penal da República Velha), o contrabando e o descaminho estavam inseridos no Título VII que tratava “Dos crimes contra a Fazenda Pública”. Com o cunho mais político, este código, repreendia a prática, principalmente com o objetivo de “frear” as manifestações populares, que eram recorrentes na época, conforme já mencionado anteriormente.
Já em 1940, na formulação do atual Código Penal, segundo Prado, “seguindo as codificações anteriores e fiel as tradições, tratou do contrabando e do descaminho no mesmo dispositivo legal (artigo 334), mantando-se a ideia de que estes tinham o mesmo significado, contrariando a natureza ontológica de ambos”[14].
Prosseguindo à evolução legislativa, finalmente, em 2014, por via da Lei nº 13.008/2014, foi rompida a tradição legislatória do Brasil de tratar no mesmo artigo os crimes de contrabando e descaminho, vindo estes a serem separados, recebendo molduras penais distintas.
Diante desta contextualização no âmbito histórico legal frisa-se que cada legislação possui seu momento histórico, desenvolvendo desta forma uma abordagem necessária para cada contexto social.
Assim, como todo esse avanço legislativo em relação ao crime de contrabando e descaminho, houve também uma nova formulação para o conceito do crime em análise.
Atualmente, conforme entendimento de Cunha,
[...] o contrabando é entendido como, a conduta daquele que importa ou exporta mercadoria proibida. Aqui se está diante de uma norma penal em branco, cumprindo à legislação especial (extrapenal) complementá-la apontando as mercadorias relativa ou absolutamente proibidas de entrarem ou saírem do nosso país[15].
1.1.3 O crime de contrabando no Brasil, após o advento da Lei nº 13.008/2014.
Conforme dito anteriormente, o Código Penal (decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940), em sua redação original, tipificava no artigo 334, as figuras do contrabando e do descaminho, conjuntamente. A redação original era assim disposta:
Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena — reclusão, de um a quatro anos.
De acordo com o penalista Rogério Greco, “a doutrina majoritária considerava a primeira parte do mencionado artigo como hipótese de contrabando (próprio) e a segunda, onde se previa o descaminho, como a de contrabando impróprio”[16].
Com o advento da Lei nº 13.008, de 26 de junho de 2014, os delitos foram desmembrados, sendo que o descaminho permaneceu tipificado no artigo 334 e o contrabando passou a ser previsto no art. 334-A, recebendo ambos tratamentos diferenciados, principalmente no que diz respeito ao preceito secundário, ou seja, as penas cominadas.
Hoje, o crime de contrabando tem a seguinte previsão:
Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.
§ 1 ºIncorre na mesma pena quem:
I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;
II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;
III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;
IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;
V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.
§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.
Pelo que se observa no disposto artigo, o seu núcleo, está pautado no ato de receber ou fornecer produto que é considerado proibido, sendo que essa mercadoria proibida de que trata o caput, se enquadra no que se conhece no direito penal como norma penal em branco, de modo que, para a análise dos limites da imposição de que trata o dispositivo, necessário se buscar o seu complemento em outro diploma legal (não o Código Penal), uma vez que, sem esse complemento, torna-se impossível sua aplicação, cabendo ao Governo brasileiro, por meio de seus Ministérios (Fazenda, Agricultura, Saúde etc.), em regra, a especificação das mercadorias consideradas proibidas.
Outrossim, nosso legislador estabeleceu também, outras condutas assimiladas, que são consideradas contrabando, as quais se encontram presentes nos incisos do supracitado artigo.
Logo, são cinco as hipóteses de condutas assimiladas ao contrabando, sendo imputável a quem: i) “importa ou exporta clandestinamente mercadoria que depende de registro, análise ou autorização de órgão competente”; ii) “reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à importação”; iii) “vende, expõe à venda, mantêm em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira”; iv) “adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida por lei brasileira”; e, por fim, de forma genérica, também declinou o agente que “prática fato assimilado, em lei especial, a contrabando”.
No artigo ainda observa-se a presença de uma causa de aumento de pena, prevista no § 3º, a qual prevê a aplicação da pena em dobro se o crime é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.
Nesse sentido, Greco sabiamente, nos ensina que,
O agente que se utiliza de qualquer dessas modalidades de transporte para a prática do contrabando, incorre em um maior juízo de censura, uma vez que dificulta, com esse comportamento, a ação das fiscalizadora das autoridades competentes. Para que ocorra a aplicação da majorante, faz-se necessário que o transporte por via aérea, marítima ou fluvial seja clandestino. Caso o agente, v.g., tenha se submetido regularmente à fiscalização aduaneira, na chegada da sua viagem ao Brasil, seja qual for o transporte utilizado (aéreo, marítimo ou fluvial), se trouxer em sua bagagem mercadoria proibida, não haverá possibilidade de aplicação da majorante em estudo, pois, caso contrário, seria ela aplicada à quase totalidade dos contrabandos, excepcionando-se, somente, o transporte terrestre[17].
Impende destacar no mais que o crime de contrabando é norma residual e será aplicado genericamente, nas situações não disciplinadas em legislações especiais (princípio da especialidade), como por exemplo, a conduta de quem importa ou exposta droga ou substâncias análogas, pois se subsumirá a conduta que está prevista no art. 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).
Quanto à classificação, Guilherme de Souza Nucci, afirma ser o contrabando crime comum (aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa), tendo por sujeito passivo o Estado e sendo punível somente a titulo de dolo, ou seja, não há figura da culpa[18].
Por fim, quanto ao bem jurídico tutelado, segundo ensina Capez, “o crime de contrabando, tutela-se a Administração Pública, em especial o erário público, protegendo-se ainda, a saúde, a moral e a ordem pública”[19].
1.2. Do crime organizado
A criminalidade organizada não é um fenômeno novo, contudo não se tem como afirmar ou mesmo vislumbrar um conceito doutrinário acerca da origem do crime organizado ou mesmo da primeira organização criminosa. Vejam-se os seguintes ensinamentos de renomados doutrinadores.
Segundo Lima:
Não é tarefa fácil precisar a origem das organizações criminosas. Certo, porém, é dizer que a mais famosa de todas é a Máfia Italiana. Com estrutura próxima a uma família, houve a formação de diversas máfias na Itália, ganhando notoriedade a "Cosa Nosrra", de origem siciliana, a "Camorra", napolitana, e a N' drangheta, da região da Calábria. Inicialmente, as atividades ilícitas estavam restritas ao contrabando e à extorsão. Posteriormente, também passaram a atuar com o tráfico de drogas e a necessária lavagem de capitais. Com o objetivo de resguardar o bom andamento das atividades ilícitas, a Máfia italiana passou a atuar na política, comprando votos e financiando campanhas eleitorais[20].
No mesmo sentido, relata Silva:
A origem da criminalidade organizada não é de fácil identificação, em razão das variações de comportamentos em diversos países, as quais persistem até os dias atuais. Não obstante essa dificuldade, a raiz histórica é traço comum de algumas organizações. Essas associações tiveram início no século XVI com movimentos de proteção contra arbitrariedades praticadas pelos poderosos e pelo Estado em relação a pessoas que geralmente residiam em localidades rurais, menos desenvolvidas e desamparadas de assistência dos serviços públicos. A mais antiga delas são a Tríades Chinesas, que tiveram origem no ano de 1644, como movimento popular para expulsar os invasores do império Ming[21].
Conforme os entendimentos acima transcritos, ainda não se chegou a um consenso do momento em que se pode dizer que surgiu a primeira organização criminosa, isso porque, além de ser um crime de difícil conceituação, seus traços surgem das mais variadas formas, com diferentes comportamentos e em diferentes locais do mundo. Contudo, pode-se afirmar que em âmbito internacional, as máfias Italianas, as Tríades Chinesas, bem como a própria Yakusa (máfia japonesa), foram as principais responsáveis pela expansão do crime organizado no mundo.
Nestes moldes, a máfia Italiana Surgiu no Sul da Itália no período da Idade Média, é resultante da exploração dos camponeses pelos senhores feudais, decorrência da organização dos camponeses por grupos, a principio com o objetivo de obter a proteção do Estado em detrimento dos mais fortes, ou seja, dos camponeses. Essa máfia deu origem a diversas outras, fazendo com que, o crime organizado se expandisse de forma categórica na Europa.
No âmbito asiático, afirmam Cícero e Souza,
As Tríades Chinesas surgiram no ano de 1644, através de um movimento popular em decorrência da dinastia Cheing. Sua atuação ocorria principalmente na China, mas devido a dimensão grandiosa de seus negócios e a quantidade de membros que chegou em torno de 30.000, sua atuação se expandiu mundialmente. [22]
Por fim, a Yakusa, a máfia mais conhecida internacionalmente, é uma organização criminosa que surgiu no Japão no tempo feudal por volta do século XVII. É da essência da Yakusa um código de leis, com base na justiça na lealdade, fidelidade, fraternidade e dever para com a organização. Como as máfias anteriormente citadas, a atuação da Yakusa, não se remete tão somente ao Japão, mas também em países em que existe a colônia japonesa.
No âmbito nacional, no que tange ao nascimento do crime organizado, pairam algumas discussões, pois embora a história da criminalidade organizada aponte como marco inicial a prática do jogo do bicho, acredita-se que o verdadeiro marco inicial seja o movimento denominado cangaço que se deu por volta do século XIX e inicio do século XX, tendo como mais famoso líder do movimento Virgulino Ferreira da Silva o “Lampião”.
Segundo Silva,
A criminalidade organizada no Brasil tem sua origem no cangaço, que atuou no sertão nordestino entre o final do século XIX e o começo do século XX, com origem nas condutas dos capangas de grandes fazendeiros e na atuação do coronelismo. Posteriormente, esses mesmos cangaceiros passaram a atuar em diferentes atividades ilícitas, como saques a vilas e pequenas cidades, extorsão de dinheiro mediante ameaça de ataque e até mesmo sequestro de pessoas importantes para cobrar resgates[23].
Assim, no Brasil, a manifestação mais remota do crime organizado tradicionalmente apontada pela doutrina diz respeito à atuação do cangaço, bando então liderado por "Lampião".
Trazendo para moldes atuais, conforme destacado por Lima, “a criminalidade organizada estruturou-se nos presídios do Rio de Janeiro e de São Paulo, com a formação do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC)”[24], duas facções gigantes e rivais atuantes em todo o território nacional.
Sobre essas duas organizações criminosas atuantes no Brasil, Julio Cesar Facina Hartmann, em seu trabalho sobre o Crime Organizado no Brasil, abordam que,
O Comando Vermelho surgiu durante os governos militares, no presídio Candido Mendes do Rio de Janeiro, conhecido popularmente como o caldeirão do diabo onde os membros das organizações guerrilheiras de esquerda presos na ditadura, foram colocados com criminosos comuns. Uniram-se então os presos comuns com os presos políticos, que buscavam melhorar o convívio na cadeia, entrando num acordo comum para que pudessem ter um convívio melhor dentro do presídio devido à população prisional crescer a cada dia e com isso ocorrer mortes entre os mesmos.
[...]
Primeiro Comando da Capital, é uma organização criminosa paulistana, criada com o objetivo manifesto de "defender" os direitos de "cidadãos" encarcerados no país. Surgiu no início da década de 1990 no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, local que acolhia prisioneiros transferidos por serem considerados de alta periculosidade pelas autoridades[25].
Conforme traz o jurista, o Comando Vermelho nasceu dentro de um dos maiores presídios do Brasil, na época da ditadura, presídio Candido Mendes do Rio de Janeiro, o famoso “Caldeirão do Diabo”. O nome Comando Vermelho, faz uma alusão à cor das bandeiras das organizações e partidos de esquerda chamada Falange Vermelha.
Até hoje, embora haja mudança em seus direcionamentos e ambições, o CV, ainda dita à forma organizacional do Estado, principalmente o Rio de Janeiro, uma vez que, atua predominantemente nas favelas, comandando todo o tráfico regional e muitas vezes o nacional, pois está presente nos mais diversos estados da Federação.
Nesse sentido, já se posicionou Ariane Bastos de Mendonça,
Embora existam em território brasileiro várias organizações criminosas, nenhuma dessas possui a magnitude e amplitude do Comando Vermelho, atuante em todo o país. Após tantos anos, os “vermelhos” continuam a ser seguidos por outras facções tendo inclusive inspirado o surgimento de algumas, como o Primeiro Comando da Capital, o PCC[26].
Doutro giro, ainda nesse mesmo sentido, mas visando ampliar o campo em estudo, surge a outra grande organização criminosa atuante no País, o Primeiro Comando da Capital, o PCC, criada nos presídios do estado de São Paulo, com o objetivo manifesto de defender os direitos de cidadãos encarcerados no país.
Sua atuação, assim como o Comando Vermelho é vista em todo o território nacional, tendo também como maior motivação o narcotráfico nacional e internacional. Conforme a reportagem realizada pelo “Jornal Estadão”, o Primeiro Comando da Capital já faz presença em todos os 27 (vinte e sete) estados da Federação, se expandindo ainda em países da América do Sul. Confira-se o trecho retirado da reportagem realizada pelo Jornal, intitulada “Domínios do Crime”,
O poderio financeiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) reflete diretamente seu poderio geográfico. Na medida em que as receitas da organização crescem, expandem-se também seus limites territoriais. Se, em 2013, após três anos e meio de investigações, o Ministério Público Estadual (MPE) concluiu que a facção se espalhava por 22 Estados, Distrito Federal, Bolívia e Paraguai, hoje o PCC se faz presente em todas as 27 Unidades da Federação e já tem bases também na Argentina, no Peru, na Colômbia e na Venezuela[27].
Caracterizado os moldes históricos e pertinentes sobre o crime organizado, cabe agora trazer explicações acerca de sua definição e conceituação.
A este despeito Gomes e Cervini, asseveram que “o crime só pode ser reputado organizado, obviamente, quando decorre de uma atividade ilícita da mesma natureza. Dito de outro modo: denomina-se crime organizado (numa primeira aproximação) o praticado por organização criminosa”[28].
Seguindo este entendimento, pode-se afirmar então, que o crime organizado é o substrato da organização criminosa. Desta forma, necessário, antes de tudo, buscar o conceito de organização criminosa.
Por ter várias nuances, organização criminosa passou por muitos problemas conceituais em nosso sistema legislativo, devido, em um primeiro momento, à falta de uma lei que o definisse e, posteriormente, à precariedade da redação disposta na Lei nº 9.034/1995. Tal lei dispunha tão somente acerca da utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, de forma que, a parte conceitual de organização criminosa, àquela época, ficava a cargo da doutrina.
Posteriormente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em seu Informativo 467 – 6º Turma considerou que o conceito de organização criminosa estava positivado no art. 2º da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, chamada de Convenção de Palermo, promulgada pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, que dizia:
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.
No ano de 2012, sobreveio a lei nº 12.694/2012 que versava sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas e que, diante da grande confusão a respeito do conceito de organizações criminosas, consequentemente, acabou por defini-las em seu artigo 2º:
Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
Contudo, tal definição não resolveu suficientemente a questão, pois esboçou um conceito válido tão-somente para efeitos daquela legislação, que hoje já se encontra obsoletos. Atualmente, parece que, em função de revogação tácita, sobrepõe-se o conceito ventilado pela recente Lei nº 12.850/13, segundo a qual, em seu artigo 1º, §1º, assim dispõe:
Art. 1º. [...]
§1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. [...]
A supramencionada legislação, além de definir o que seria organização criminosa, dispõe ainda sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o seu procedimento criminal, revogando dessa forma, a Lei nº 9.034/1995.
Com efeito, em linhas gerais, e seguindo o conceito trazido pela Lei 12850/2013, organização criminosa pode ser descrita como uma entidade coletiva ordenada em função de estritos critérios de racionalidade em que cada um de seus membros realiza uma determinada função para qual se encontra especialmente capacitado, em razão de suas aptidões ou possibilidades pessoais. Assim agindo, a organização alcança características próprias de uma sociedade de profissionais do crime, na qual se manifesta um sistema de relações específicas, definidas a partir de obrigações e privilégios recíprocos.
Logo, em relação ao conceito de crime organizado, pode-se chegar ao entendimento, conforme todo o acima exposto de que, a criminalidade organizada geralmente diz respeito à reunião de vários membros de uma sociedade, que se associam hierarquicamente e organizam sua atividade criminosa como um projeto empresarial, formando o que se denomina de organização criminosa.
Nessa linha de estudo encontramos afirmação de Luiz Flávio Gomes, de que o crime só pode ser organizado quando decorrer de uma atividade ilícita pré-existente, estando a ela diretamente relacionada, como no contrabando, aonde também é identificada a sonegação fiscal[29].
Contudo, entendemos que o que define de fato a criminalidade organizada são algumas características que o tornam diferente do crime comum. Isto é, não é a modalidade do crime que identifica a existência de Crime Organizado e sim, algumas características que os diferenciam. Essas características, para a maioria dos autores, são cinco: Hierarquia, Previsão de lucros, Divisão do trabalho, Planejamento empresarial e Simbiose com o Estado.
Consignada todas as premissas dos tipos penais objeto de estudo, parte-se agora para a situação na qual se fomenta este trabalho, qual seja o crime organizado voltado à prática do contrabando.