Impactos ocasionados pela atuação da criminalidade organizada na atividade contrabandista

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28/12/2018 às 16:07
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3. COMO COMBATER A ATUAÇÃO ORGANIZADA DO CRIME DE CONTRABANDO

A discussão até aqui feita, partindo-se da problemática das fronteiras até os impactos socioeconômicos, nos leva a uma simples e certeira conclusão: desde a entrada das mercadorias proibidas pelas brechas fronteiriças até a sua comercialização nos grandes centros urbanos, a atuação organizada do contrabando, comandada por organizações criminosas complexas, centrada no fator econômico, na concentração de poder e consumo, retiram o dinheiro que deveria ir para o Estado e perpetuam e maximizam as condições de geração da violência e da criminalidade, por injetarem grande parte do capital adquirido com o contrabando na prática de outros crimes tão lucrativos e mais perniciosos, como tráfico de drogas e armas.

Com efeito, além das nefastas consequências para a economia nacional, ocasionadas pelo contrabando, a essa figura criminosa, se somam delitos mais graves, como os ligados ao tráfico de drogas e de armas, pois as organizações criminosas (principais agentes que disseminam esses crimes no País) com o lucro obtido pela atividade contrabandistas financiam os mais diversos tipos penais, criando com isso uma complexa rede empresarial voltada à prática de crimes.

Deste modo, não há mais como protelar as providências necessárias visando coibir o avanço do contrabando, principalmente o organizado, haja vista que, devido ao seu crescimento progressivo, estamos prestes a assistir, em pouco tempo, a rendição absoluta dos poderes constituídos à atuação do crime organizado.

Assim, chegamos ao seguinte questionamento: Quais medidas a serem tomadas para mudar esse cenário?

Pois bem, segundo o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade - FNCP, o controle na área aduaneira seria primordial para começarmos a reverter os prejuízos causados pela atividade contrabandista[63].

Assim, mobilizar recursos para reforçar a presença do Estado brasileiro nas fronteiras, com mais policiais, mais postos de controle e modernos equipamentos, seria o principal passo para conter o crescimento dos crimes aduaneiros, como o contrabando. Consoante essa pesquisa, o custo para com isso, seria compensado pelos benefícios a serem gerados com o aumento da arrecadação e da redução da criminalidade.

No entanto, não é só o aumento da máquina aduaneira que resolverá o problema, visto que esta deverá ser efetuada de forma eficiente, caso contrário será só mais uma causa de prejuízo econômico. Isso é o que relata Stephen Flynn, em seu estudo sobre o controle de fronteiras:

Os esforços para aprimorar as operações que visam garantir a observância das regulamentações, procedimentos de segurança e cumprimento da lei em fronteiras movimentadas podem acabar se revelando uma cura pior que a própria doença. Tais iniciativas colocam os governos em rota de colisão com um comércio simplificado, fator fundamental para a expansão e integração sustentadas da economia global. A maioria das empresas bem sucedidas precisa fazer circular profissionais e produtos de forma rápida, confiável e economicamente viável ao redor do planeta. Atrasos associados a fiscalizações mais intensas comprometem a competitividade das exportações por majorar os custos das transações. Compradores internacionais procuram evitar portos em que há risco maior de que os produtos cheguem danificados, estragados ou com atraso. E controles de imigração pouco morosos e que não causem constrangimentos se fazem essenciais para os negócios e o turismo global[64].

Logo, se o controle da aduana não for realizado de forma eficaz e certeira, ocasionará tormentos àqueles que ainda querem atuar na legalidade, visto que atrasos associados a fiscalizações mais intensas comprometem a competitividade das exportações por majorar os custos das transações.

Assim, juntamente ao controle da aduana, outras medidas deverão ser tomadas para que se combata o crescimento da atividade contrabandista. No estudo realizado pelo FNCP dito acima, além do controle da aduana eles trazem outras propostas bem versáteis para combater o contrabando, a saber:

  1. reforçar a coordenação interna e permanente entre os órgãos envolvidos nos problemas de fronteiras: Itamaraty, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda e Ministério da Defesa. Conhecer suas carências e seus problemas e tomar medidas para solucioná-los, ou seja, a política de fronteiras será de governo, não de ministérios isoladamente.

  2. Fortalecimento na coordenação da aduana com países vizinhos, com vista a estabelecer uma governança regional no combate ao contrabando, ao tráfico e a outros ilícitos.

  3. Buscar integração fronteiriça que valorize as populações locais e as tornem menos vulneráveis ao controle das organizações criminosas, pois quanto maiores às fontes de renda legal, menores as chances de o crime organizado prosperar.

  4. Revisão dos tributos para melhorar a competitividade dos produtos nacionais perante os contrabandeados; e,

  5. Punição mais severa a quem comete esse tipo de crime[65].

Conforme se observa com essas medidas, necessário enfatizar alguns pontos. Primeiramente é primordial que haja uma verdadeira vontade política de alterar o quadro atualmente existente. Assim, é preciso questionar que tipo de enfrentamento o Estado Brasileiro está disposto a fazer para combater de forma efetiva o crime de contrabando, bem como que tipo de estrutura pretende manter nas fronteiras para o seu efetivo controle.

Posteriormente deve-se atacar também a outra ponta do problema: a do consumidor que, por desconhecimento ou para levar vantagem indevida, compra os produtos contrabandeados, irrigando financeiramente as organizações criminosas. Para isso, necessário que se invista em instrumentos e ferramentas de informações, trazendo para o público as questões prejudiciais do contrabando.

Conforme demonstrado no decorrer deste trabalho, o público concorda que produtos contrabandeados ajudam o crime organizado e representam uma ameaça à saúde e à segurança do consumidor. Por extensão, portanto, os consumidores devem dispor de instrumentos para tomar decisões sobre suas escolhas de compra.

Neste ponto, necessário também que haja investimento nas indústrias nacionais, visando diminuir a taxa de desemprego, principalmente nas cidades próximas as fronteiras, visto que, por serem áreas mais desfavorecidas da sociedade e o contrabando ser uma espécie delitiva de lucro fácil, a sua prática é uma alternativa ao desemprego e um meio complementar ao trabalhador pobre de cobrir a deficiência do próprio salário.

Outro ponto primordial seria a revisão da taxa tributária brasileira, para uma melhoria na competitividade com os produtos nacionais, almejando a concorrência leal, com igualdade de esforços e de lucros, criando um mercado que beneficie todos os seus partícipes.

Deste modo, criar ferramentas informativas, fortalecer às populações residentes nas cidades próximas as fronteiras e a revisão da taxa tributária nacional, são pontos primordiais na vertente do consumidor, para revertermos o avanço do contrabando organizado.

No mais, punir mais severamente quem comete esse tipo de crime é de extrema necessidade, pois apesar de ilegal, o contrabando é uma atividade que segue a lógica de mercado e se desenvolve com a altíssima margem de lucro que aufere, sem que os criminosos tenham muita.

Ocorre que, embora tais medidas sejam imprescindíveis para começar a reverter o atual quadro que estamos vivenciado, nenhum desses esforços será suficientemente eficaz para o combate a esse tipo penal, se não houver conjuntamente o combate a sua atuação organizada, praticada pelas grandes organizações criminosas. Isso é o que relata Manoel Pedro Pimental, em seu livro de Direito Penal Econômico:

“nenhum esforço será suficientemente bem sucedido, no campo de combate aos delitos econômicos, se não se levarem em conta os fatores criminológicos que favorecem a sua incidência e dificultam a repressão” [66].

É possível sustentar nesse sentido, que nenhuma das medidas anteriormente descritas chegará próximo da eficácia caso se ignore a relevante característica da conexão do Crime Organizado com o Contrabando e a omissão do Poder Público. Assim, já discorreu Flávio Oliveira Lucas, em seu trabalho sobre Organizações Criminosas e Poder Judiciário:

Nesse sentido, não se pode, seriamente, pensar em erradicar o Crime Organizado, se em determinados espaços de seu território os agentes públicos não possuem livre-trânsito, como nas favelas, abrindo-se espaço para que o Crime Organizado passe a exercer a força que o Estado, por omissão, não exerce. A formação de uma consciência cidadã, fundada no respeito à dignidade da pessoa humana, é medida, pois, imperiosa[67].

Já de acordo com Claudio Armando Ferraz,

[…] o grande desafio no combate à criminalidade organizada é a necessidade de os poderes públicos investirem na cooperação policial e judiciária entre as diversas esferas, com a adoção de padrões instrumentais de combate às organizações criminosas, buscando a diminuição drástica e necessária da corrupção e da impunidade […][68].

Isto é, consoante os ensinamentos acima explanados, enquanto não houver atuação extensiva e ostensiva do Poder Público em locais que não possui livre acesso, como nas favelas e nas fronteiras e enquanto não tiver investimento para a adoção de padrões instrumentais de combate às organizações criminosas, dificilmente diminuirá a atuação da criminalizada organizada e consequentemente a atividade contrabandista continuará se expandindo.

Ou seja, não existe uma e única solução que seja “mágica” para o combate e prevenção do crescimento do crime organizado, tanto dentro do próprio Estado quanto fora dele, sendo necessárias várias medidas e nas mais variadas áreas como educação, saúde, infraestrutura, etc.

As dificuldades para o combate de todos estes organismos criminosos e organizados são grandes, mas o combate a eles começa com a valorização e investimentos dos órgãos que estão na linha de frente de combate a esses criminosos, o investimento em infraestrutura, saúde e principalmente em Educação, pois um dos grandes problemas mostrados é com relação à cultura nacional de aquisição de mercadorias contrabandeadas, que é no Brasil um problema cultural e sendo assim deve atentar nesta área de educação para uma modificação desse mau pensamento da sociedade brasileira.

Assim, atacar o contrabando com medidas eficazes é uma forma extremamente efetiva para a recuperação econômica, além de colaborar duramente para o fim da violência e criminalidade na sociedade, visto que, estes crimes em sua maioria só ocorrem pelo financiamento do contrabando às organizações criminosas que administram e praticam todos os demais crimes.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa monográfica foi pensada e desenvolvida no intuito de analisar os impactos causados pela atuação do crime organizado na importação e comercialização de mercadorias contrabandeadas.

No decorrer do desenvolvimento da pesquisa e para situar o leitor interessado pelo tema, foram abordados vários assuntos em comum com o objeto em foco, tais como: aspectos históricos e conceituais do crime de contrabando e do crime organizado e a evolução legislativa do crime de contrabando, desde o Código Penal do Império até a alteração legislativa nº 13.008/2014, onde os crimes de contrabando e descaminho foram desmembrados, recebendo ambos tratamentos diferenciados.

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Já no segundo capítulo adentramos mais ao tema da presente pesquisa, objetivando abordá-lo numa perspectiva socioeconômica, realizando assim, uma discussão acerca da cultura nacional de aquisição de mercadorias contrabandeadas, da problemática nas fronteiras brasileiras e os impactos socioeconômicos do contrabando, todos sobre o viés da atuação direta do crime organizado.

O terceiro capítulo tratou especificamente do combate à atuação organizada do crime de contrabando, abordando as medidas a serem tomadas pelo Poder Público para frear o crescimento do contrabando e do crime organizado.

Nessa perspectiva, considerando os impactos que tanto o contrabando quanto a criminalidade organizada causam a sociedade estando separados, colocamos ambos em conjunto, um complementando o outro e constatamos que desde a entrada das mercadorias proibidas pelas brechas fronteiriças até a sua comercialização nos grandes centros urbanos, a atuação organizada do contrabando, comandada por organizações criminosas complexas, centrada no fator econômico, na concentração de poder e consumo, perpetuam e maximizam as condições de geração da violência e da criminalidade, por injetarem grande parte do capital adquirido com o contrabando na prática de outros crimes tão lucrativos e mais perniciosos, como tráfico de drogas e armas.

São as organizações criminosas que dão cobertura ao transporte e armazenamento de produtos contrabandeados e, posteriormente, os distribuem nos grandes centros, auferindo grandes somas em dinheiro, que depois é usado na compra de armamentos pesados e drogas. Ou seja, funciona exatamente como uma cadeia empresarial.

Aliás, observamos também que ambos para existirem, se coexistem, ou seja, na perspectiva moderna, embora seja um entendimento não uníssono, o contrabando e o crime organizado são sim, interdependentes.

Isso porque, há entre o contrabando e o crime organizado um verdadeiro círculo vicioso, vez que a criminalidade organizada para ter o peso que tem hoje na sociedade necessita de injeção do capital obtido com crimes transnacionais, dentre eles o contrabando, e o contrabando para ocorrer, necessita de um incentivo de organizações criminosas que encabeçam e financia essa atividade, situação essa que faz com que, o crime organizado e o contrabando, indiretamente se tornem, interdependentes.

Constatamos a atuação da sociedade na propagação das atividades contrabandistas, não havendo nada de inocente na compra de um produto contrabandeado, vez que, com a compra destes tipos de produtos, há a quebra do arrecadamento estatal a título de tributos, que faz com que haja a diminuição de obras e propostas de melhorias para toda a população, além de se verificar que com a sua prática existe o financiamento do crime organizado.

Percebemos a problemática da fronteira, precipuamente a fronteira com o Paraguai, onde constatamos que são vários os fatores que fazem com que Foz do Iguaçu/PR, seja a principal ponte de entrada de produtos contrabandeados no Brasil, seja “o território dos contrabandistas”.

Neste ponto, trazendo para a nossa região, vimos que em nosso estado, além de sua vasta extensão territorial, a sua peculiar geografia e seus biomas, principalmente Amazônia e Pantanal, dificultam a atuação dos agentes de segurança pública, o que faz com que seja uma das rotas de maior facilidade para a entrada de produtos contrabandeados e por via de consequência uma das favoritas para a atuação dos contrabandistas.

Observamos também a diminuição da soberania estatal pela prática do contrabando pelas organizações criminosas, que ocorre em dois momentos: primeiro pela necessidade da intervenção de outro país para que em conjunto realizem medidas para frear o avanço do contrabando organizado e, pela falta de atuação do estado nas áreas de fronteiras o que acaba por favorecer a atuação da criminalidade organizada voltada ao contrabando sem maiores preocupações.

No importe econômico, avistamos que o dinheiro que deveria ir para o Estado a fim de implementar melhorias em todas as ramificações da sociedade, como educação, saúde, infraestrutura e segurança pública, ficam agora nas mãos das grandes organizações criminosas atuantes em nosso país, que dinamizam toda a criminalidade interna e transnacional, tudo isso a partir do dinheiro obtido pela atividade contrabandista.

Diante de todas essas constatações, evidenciamos que não há mais como protelar as providências necessárias visando coibir os comprovados meios e formas utilizadas pelos contrabandistas organizados, sob pena de assistirmos, daqui a pouco, a rendição absoluta dos poderes constituídos à atuação do crime organizado.

Assim, destacamos algumas medidas necessárias para o combate a tais fenômenos, principalmente a melhoria da aduana brasileira, reforçando a atuação das forças de segurança pública em tais localizadas, a fim de se extinguir os “vazios de poder” que lá se assolam, bem como melhorias para as populações que vivem nas fronteiras, aumentando número de postos formais de trabalho, além de revisar os tributos para uma melhoria na competitividade com os produtos nacionais.

Todas essas medidas devem ser realizadas conjuntamente, pois somente assim, começaremos a reverter o atual estado que vivenciamos, haja vista que o combate efetivo a atuação organizada do crime de contrabando é uma das formas extremamente eficazes para a recuperação econômica, além de colaborar para a diminuição da criminalidade e violência nos centros urbanos e nas fronteiras.

Todas essas medidas são premissas para que o país possa voltar a crescer, a gerar empregos e a promover o desenvolvimento de que tanto necessitamos.

Ou seja, combater a atuação organizada do contrabando que tanto afeta e traz prejuízos para todo país é lutar a favor da vida e da dignidade do cidadão brasileiro, da concretização de uma realidade almejada por todos, de respeito aos direitos, crescimento econômico e combate às ações criminosas.

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Sobre a autora
Nathalia Beltrão de Araújo

Advogada, servidora pública e concurseira.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Jurídicas como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Felipe Teles Tourounoglou. Cáceres/MT

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