O direito das mulheres encarceradas:

uma discussão bibliográfica do sistema penitenciário feminino

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Através da compreensão da situação atual da encarcerada, observa-se que o ordenamento jurídico pátrio deve resguardar a integridade física e moral das condenadas o que, infelizmente, não vem sendo feito nos últimos tempos.

1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

A pesquisa abordará acerca dos direitos das mulheres encarceradas. Os objetivos são: analisar o princípio da dignidade humana da mulher no cárcere, destacar os direitos fundamentais das mulheres encarceradas, apresentar o tratamento aplicado à mulher encarcerada no Brasil, ressaltar os direitos das detentas.

Apesar da Constituição Federal, do Código Penal e da Lei de Execução Penal expressamente limitarem o ius puniendi do Estado garantindo um tratamento punitivo que respeite a vida humana, na maioria das vezes, o Estado transgride tais disposições normativas negando o caráter de pessoa aos apenados, pois as condições precárias e desumanas do sistema prisional brasileiro violam sistematicamente os direitos fundamentais de milhares de pessoas.

Nos últimos anos tem crescido consideravelmente a quantidade da população carcerária no Brasil, principalmente no que se refere as mulheres, e isso tem levantado questionamentos quanto aos motivos que levam estas pessoas a entrarem no mundo do crime, bem como, as oportunidades que o Estado pode oferecer para que estes classificados como criminosos pela sociedade, possam se restabelecer e se reestruturarem para voltarem ao convívio da sociedade com mais dignidade evitando ou prevenindo um retorno aos presídios.

No entanto, o que se observa são os fenômenos da invisibilidade pública e da humilhação social, que negam o reconhecimento da dignidade humana e excluem um grupo da sociedade. Por começar pelos problemas de superlotação, consumo de drogas, maus tratos, violência sexual, doenças, motins, rebeliões e tantas outras afrontas aos direitos humanos, os quais são encontrados com maior frequência nos presídios do Brasil.

Ainda há a questão das desigualdades de gêneros, onde a Lei de Execução Penal não previa, de maneira adequada, em seu texto original, garantias suficientes de condições para o gênero feminino nas prisões, se omitindo em relação às necessidades básicas desse grupo. A omissão que ganhou mais ênfase no presente estudo foi quanto à maternidade no cárcere.

Portanto, a pesquisa torna-se relevante por destacar aspectos dos direitos das mulheres encarceradas, verifcando que há uma urgente necessidade de amparo por parte dos administradores públicos num âmbito geral, no que diz respeito ao aumentando o número de vagas, espaços amplos que possibilitem as carcerárias o trabalho e o acesso à educação, criação de estabelecimentos da Secretária de Segurança Pública com celas reservadas às presas conforme a lei em vigor, utilização dos espaços já existentes implantando cursos profissionalizantes e educacionais, criação de berçários e creches, atenção médica e odontológica, entre outros.


2. A DIGNIDADE DA MULHER NO CÁRCERE

O direito penal deve ser entendido como o último recurso do Estado para lidar com os problemas penais da sociedade, devido a dificuldade de se cumprir os fins a que se destinam as penas e a constante violação de direitos humanos dentro do sistema carcerário.

Segundo Espinoza (2013, p. 15) a utilização da pena de prisão deveria servir para a reprodução dos papéis femininos socialmente construídos. A intenção era que a prisão feminina fosse voltada à domesticação das mulheres criminosas e à vigilância da sua sexualidade, proporcionando a estas mulheres possibilidade de ressocialização.

O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) afirma que o sistema penitenciário Brasileiro é um dos dez maiores do mundo, o que compreende o conjunto das unidades de regime aberto, fechado e semiaberto, masculinas e femininas, incluindo os estabelecimentos penais em que o recluso ainda não foi condenado, sendo estas unidades chamadas de estabelecimento penal (DAMÁSIO, 2010, p. 34).

Dessa maneira, por ser um sistema que tem crescido consideravelmente nos últimos anos, o tratamento que é aplicado as mulheres, são comparados ao mesmo que os homens, sem acesso a saúde e higiene.

De acordo com Queiroz (2014), em uma entrevista sobre prisões femininas, destaca que: “O poder público parece ignorar que está lidando com mulheres e oferece um ‘pacote padrão’ bastante similar ao masculino, nos quais são ignoradas a menstruação, a maternidade, os cuidados específicos de saúde, entre outras especificidades femininas”.

O tratamento prisional para a encarcerada é pior que o dispensado aos homens, que também têm precárias condições no cárcere, porém, a desigualdade de tratamento é patente e decorrente de questões culturais vinculadas à visão da mulher como presa e com direitos ao tratamento condizente com as suas peculiaridades e necessidades, próprias da aplicação do princípio constitucional de individualização da pena, da qual decorre a regra constitucional de Direito Penal explicitada no artigo 5º., inciso XLVIII, segundo o qual “...a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado...”. É necessário entender a mulher como um indivíduo que precisa de um tratamento diferente por suas peculiaridades (BORILLI, 2005, p. 42).

As negligências que o sistema penitenciário apresenta ferem a dignidade dos detentos, pois, enquanto a população carcerária aumenta cada vez mais, cresce também o sucateamento desse espaço. Aqueles/as que antes violaram direitos, agora têm seus direitos violados nas prisões. Os/as tidos/as como criminosos/as são esquecidos/as e renegados/as pela sociedade e a prisão por ser o “lugar do crime” não merece atenção, o estigma produzido pela prisão acaba afastando quem poderia contribuir para modificá-la. Assim, esse ambiente é apenas lembrado quando dele precisamos, ou seja, para punir e culpabilizar a pessoa que comete um crime (NASCIMENTO, 2012, p. 62).

O sistema penal utilizado unicamente como controle e regulação social reflete uma sociedade que discrimina e exclui as mulheres. A relação da criminalização feminina com o sistema de justiça penal é de extrema importância, uma vez que os institutos penais devem ser repensados, livres dos estigmas e preconceitos sociais ainda presentes. Deve-se pensar em uma estruturação do espaço das prisões como elementos relevantes no processo de ressocialização, demonstrando o respeito e intervenção do Estado no que diz respeito a dignidade das mulheres que estão presas. O sistema penal que reflete a realidade social e concorre para sua reprodução, privilegia a política de segurança máxima em detrimento da violação de direitos fundamentais e da cidadania (RAMOS, 2010).

2.1 O Direito a dignidade

A Constituição Federal de 1988, foi a primeira constituição do Brasil que reconheceu expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana, como prevê em seu artigo 10, inciso III, com o intuito de que não houvesse diferença entre o ser humano, que todos fossem tratados iguais independentes de qualquer grupo ou classe social (BRASIL, 1988).

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2005, p. 78).

Sarlet (2011, p. 73) propõe o seguinte conceito:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

Segundo o Conselho Nacional de Ética para as ciências da vida (2009, p. 20), a dignidade humana só é uma característica de cada ser humano na medida em que é a característica fundamental de toda a humanidade. A dignidade está na totalidade do humano e cada ser emerge com a sua própria dignidade dessa totalidade do humano. Por isso a importância fundamental do processo de individualização de cada ser. Em que a capacidade de exprimir uma representação simbólica de tudo o que vê, conhece ou faz, foi-se estruturando ao longo das várias etapas que trouxeram a humanidade até à etapa biogenética atual.  Poderá também ser na diferença de dignidade e de respeito existente entre o ser humano e o animal que radica o conceito de Dignidade Humana. Essa diferença não se fundamenta na afetividade, uma vez que o ser humano também a partilha com grande parte dos animais e possivelmente basear-se-á na qualidade específica que ele possui de simbolizar, capaz de representar e projetar no exterior os conteúdos da sua consciência e usá-los na criação da cultura humana.

Neste sentido, o caput do art. 3º da Lei de Execução Penal n. 7210/1984, prevê que: “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Assim sendo, a proteção à dignidade humana deve, abranger os encarcerados e as encarceradas. Entretanto, apesar da previsão legal, na prática, observa-se uma série de violações a estes direitos. 

A mulher tem peculiaridades diferentes em relação aos homens, por exemplo, podem engravidar, e, toda a mulher que está grávida precisa de acompanhamento médico e cuidados para que a gestação transcorra de maneira adequada, de maneira a preservar a saúde da gestante e do feto.

A dignidade é inerente ao indivíduo, independente do que aconteça, é irrenunciável. Logo, ao analisar a situação da presa gestante, verifica-se que também tem direito a ser tratado com dignidade, ainda mais quando está gestante, pois acima de tudo trata-se de um indivíduo, em que deve servir de “limite e fundamento do domínio político da República”, pois o Estado existe para o homem e não o homem para o Estado (ARAÚJO, 2018, p. 1).

Não é diferente o cuidado que aquelas mulheres que estão em cárcere devem receber, pois devem ter o direito a dignidade protegido pelo Estado.

No entanto, qualquer sujeito, homem ou mulher, quando se encontra inserido no sistema prisional, experimenta uma situação de perda de sua identidade, perda essa que é valorizada pelo sistema enquanto anulação de sua personalidade, como forma de se mostrar reabilitado (PIERSON, 2010, p. 605).

2.2 Os Direitos Fundamentais da Mulher Encarcerada

A princípio é relevante destacar a diferença que existe entre os direitos humanos e os direitos fundamentais. Direitos humanos são aqueles ligados a liberdade e a igualdade que estão positivados no plano internacional. Já os direitos fundamentais são os direitos humanos positivados na Constituição Federal. Assim, o conteúdo dos dois é essencialmente o mesmo, o que difere é o plano em que estão consagrados (GOMES, 2000, p. 1).

Amaral (2018, p. 1) cita que:

Os direitos fundamentais da pessoa humana são soberanos e precisam ser exercitados cotidianamente. O excesso de formalismo da estrutura jurídica jamais poderá impedir a concretização da plena isonomia e da equidade. O direito está a serviço da sociedade e da dignidade de homens, mulheres e crianças. A hierarquia das leis jamais poderá ser olvidada ou negligenciada.

O núcleo do conceito de direitos humanos encontra-se no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, dignidade esta expressa em um sistema que exerce uma função orientadora sobre a ordem jurídica, porquanto estabelece o bom e o justo para o homem. No entanto, tanto os direitos humanos quanto os fundamentais têm a pessoa humana como destinatária da sua proteção.

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Dallari (2014, p. 53), comentou a expressão “direitos humanos”, citando que: “Uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana e que esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida”.

O Estado Democrático de Direito é um Estado garantidor dos direitos fundamentais, onde os direitos individuais e coletivos estão previstos na Constituição para serem respeitados e cumpridos.

De acordo com Masson (2014, p. 122):

Em suma, os direitos fundamentais cumprem na nossa atual Constituição a função de direitos dos cidadãos, não só porque constituem – em um primeiro plano, denominado jurídico objetivo – normas de competência negativa para os poderes públicos, impedindo essencialmente e as ingerências destes na esfera jurídico-individual.

O Estado Democrático de Direito deve proteger os direitos de todos, mesmo daqueles que cumprem uma determinada pena por terem violado as leis do Estado. O Estado deve garantir os direitos das mulheres presas, no que se refere aos seus direitos fundamentais, quer seja em relação a saúde, educação, tratamento, e possibilidades de ressocialização.

É público e notório que as cadeias brasileiras são lugares indignos, insalubres, sendo inclusive já decretado pelo Supremo Tribunal federal um estado de coisas inconstitucionais, expressão originária da Corte Constitucional da Colômbia em 1997, o qual pressupõe a vulneração massiva e generalizada de direitos fundamentais de um número significativo de pessoas, em virtude da inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas no cumprimento de suas obrigações para garantia e promoção dos direitos, de modo que apenas transformações estruturais e a adoção de medidas complexas por uma pluralidade de órgãos são capazes de modificar a conjuntura (ADPF 347, 2015).

Apresenta que a superlotação e as condições degradantes do sistema prisional configuram cenário fático incompatível com a Constituição Federal, presente a ofensa de diversos preceitos fundamentais consideradas a dignidade da pessoa humana, a vedação de tortura e de tratamento desumano, o direito de acesso à Justiça e os direitos sociais à saúde, educação, trabalho e segurança dos presos. Situação esta, que decorre de falhas estruturais em políticas públicas, de modo que a solução do problema depende da adoção de providências por parte dos diferentes órgãos legislativos, administrativos e judiciais da União, dos Estados e do Distrito Federal (ADPF 347, 2015).

Esta arguição ainda destaca que o presente cenário de forte violação de direitos fundamentais dos presos e falência do conjunto de políticas públicas voltado à melhoria do sistema carcerário, o Supremo deve impor aos poderes públicos, em síntese, as seguintes medidas: elaboração e implementação de planos de ação sob monitoramento judicial; realização das audiências de custódia; fundamentação das decisões que não aplicarem medidas cautelares diversas da prisão, a fim de reduzir o número de prisões provisórias; consideração do “estado de coisas inconstitucional” quando da aplicação e execução da pena (ADPF 347, 2015).

De acordo com o Ministro Edson Fachin em análise da ADPF 347, ressaltou que apesar de muitos dos direitos violados serem assegurados na Lei nº 7.210/84, Lei de Execução Penal, e na Lei Complementar nº 79/94, Lei do Fundo Penitenciário Nacional, assiste-se à omissão reiterada e persistente das autoridades públicas no cumprimento das obrigações estabelecidas em favor dos presos. A realidade é diferente do que é realizado. Dessa maneira, verifica-se situação de fracasso das políticas legislativas, administrativas e orçamentárias. Há defeito generalizado e estrutural de políticas públicas e nada é feito pelos Poderes Executivo e Legislativo para transformar o quadro (ADPF 347, 2015).

2.3 Legislação Comparada

Partindo de um contexto internacional, o Brasil encontra-se na 4ª posição dentre os países que mais encarceram mulheres no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. De acordo com os dados coletados em junho de 2016, à época contávamos com 42,3 mil mulheres encarceradas em nosso país, respectivo a uma taxa de aumento de 455% em um período de 16 anos, entre 2000 e 2016. A título de comparação, dentre os cinco países com maior população prisional feminina no mundo, a segunda maior variação da taxa de aprisionamento no mesmo período foi da China, com um aumento de 105%, enquanto a Rússia diminuiu em 2% o encarceramento deste grupo populacional (BACKES, 2018, p. 1).

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Sobre as autoras
Karen Rosendo de Almeida Leite Rodrigues

ADVOGADA, PROFESSORA UNIVERSITÁRIA, PESQUISADORA

Alana Beatriz Brasil Garcia

graduanda em direito pela uninorte - manaus

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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