De Nuremberg a Curitiba: “opinião pública” e jurisdição de exceção

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04/01/2019 às 15:40
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3. OPERAÇÃO LAVA JATO E JUÍZO DE EXCEÇÃO: BREVES APONTAMENTOS.

O tópico se refere a breves apontamentos, pois, o estudo tem a finalidade de gerar a reflexão, o contrapor ao cenário midiático atual e, não objetiva fazer uma pesquisa minuciosa demonstrando todos os andamentos da operação lava jato e seus desdobramentos.

Iniciando esse tópico, é necessário mencionar expressamente alguns direitos fundamentais, que foram tidos como cláusulas pétreas, ou seja, até estar em vigor a Constituição Federal de 1988. Esses direitos não podem ser suprimidos, os quais, obrigatoriamente devem ser observados na operação lava jato, sendo eles: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (caput, art. 5º);  ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III); são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X); é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII); é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (art. 5º, XIV); não haverá juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII);  ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º LIII); aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV); são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI); ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII); Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, §2º), para esse parágrafo vale ressaltar que a Constituição recepcionou a Declaração Universal de Direito Humanos (1948), o Pacto Internacional Sobre os Direito Civil e Políticos (1966), e o Pacto de San José da Costa Rica, que é a Convenção Interamericana de Direito Humanos (1969), tratados internacionais, que também garantem o direito a um juiz imparcial e a um processo justo.

A operação lava lato em números é o maior processo da história do Brasil, com a pretensão de investigar e julgar o mais alto escalão social, entre políticos (presidente, ex-presidentes, ministros de Estado, governadores, senadores, deputados, etc.) donos de grandes grupos financeiros, em outras palavras, os oligarcas do país. Por ser pioneiro em nível de processamento de alta cúpula decisiva de toda uma nação, tem grande semelhança com o poder dos réus envolvidos no famoso caso de Nuremberg. Entretanto, a operação lava jato, coloca-se em semelhanças que vão além dos poderes dos réus, mas também com as medidas de exceção, acometidas pelos acusadores e julgadores, que serão expostos ao decorrer desse tópico. Ainda, sobre os números, somente em primeira instância sob a condução do Juiz Sérgio Moro, segundo o site do Ministério Público Federal, são de:

1434 procedimentos instaurados; 751 buscas e apreensões, 202 conduções coercitivas,  92 prisões preventivas, 101 prisões temporárias e 6 prisões em flagrante; 183 pedidos de cooperação internacional, sendo 130 pedidos ativos para 33 países e 53 pedidos passivos com 24 países; 155 acordos de colaboração premiada firmados com pessoas físicas; 10 acordos de leniência e 1 termo de ajustamento de conduta; 59 acusações criminais contra 267 pessoas (sem repetição de nome), sendo que em 27 já houve sentença, pelos seguintes crimes: corrupção, crimes contra o sistema financeiro internacional, tráfico transnacional de drogas, formação de organização criminosa, lavagem de ativos, entre outros; até o momento são 131 condenações, contabilizando 1.377 anos, 9 meses e 21 dias de pena; 8 acusações de improbidade administrativa contra 50 pessoas físicas, 16 empresas e 1 partido político pedindo o pagamento de R$14,5 bilhões; valor total do ressarcimento pedido (incluindo multas) R$38,1 bilhões; os crimes já denunciados envolvem o pagamento de propina de cerca de R$6,4 bilhões, R$10,3 bilhões são alvo de recuperação por acordos de colaboração, sendo R$756,9 milhões objetos de repartição, R$3,2 bilhões em bens dos réus já bloqueados.[18]

             

Feito o devido introito, passa-se a analisar criticamente – dentro das regras postas - algumas decisões que geram polêmicas. Entre elas, talvez a mais grave, diz respeito ao princípio do juiz natural, que somados os artigos; art. 5º, XXXVII: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, e, art. 5º LIII: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”; ambos da Constituição Federal de 1988, assim são comentados pela doutrina:

As modernas tendências sobre o princípio do juiz natural nele englobam a proibição de subtrair o juiz constitucionalmente competente. Desse modo, a garantia desdobra-se em três conceitos; a) só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição; b) ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fatoc) entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem imperativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja (...)

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Por isso, têm elas o direito de exigir um juiz imparcial – e o Estado, que assumiu a responsabilidade do exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas. [19](Grifo nosso).

A respeito dos processos relacionados a Petrobras que tem sede no Rio de Janeiro, tramitarem na cidade de Curitiba-PR, levanta-se várias teorias, que o estudo não pretende debater. A questão que leva maior estranheza, é o fato da 13ª Vara Federal de Curitiba (sob a condução do Juiz Sérgio Moro), desde a sua especialização, ter sido “alterada” 8 vezes trocando competências e até o nome, conforme demonstra as resoluções do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pesquisadas pelo Livre-Docente Gustavo Badaró:

A princípio: a então 2ª Vara Federal de Curitiba, por meio da Res. 20, de 26.05.2003, do TRF da 4ª Região, foi especializada para julgar os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.

Posteriormente, pela Res. 42, de 19.07.2006, do TRF da 4ª Região, a referida Vara Federal passou a ter competência para também julgar os crimes praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter transnacional das infrações.

Segue, então, a Res. 56, de 06.09.2006, do TRF da 4ª Região, que revogou a Res. 42/2006. Manteve-se a competência da 2ª Vara Criminal Federal de Curitiba para julgar os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Mas, por outro lado, retirou de sua competência o julgamento dos crimes praticados por organizações criminosas, atribuindo-lhe o julgamento dos processos de júri.

A Res. 56/2006 foi então alterada pela Res. 63, de 05.10.2006, desta vez, sem qualquer mudança específica na competência da 2ª Vara Federal Criminal.

Segue-se, então, a Res. 18, de 24.04.2007, do TRF, além de reorganizar as competências das Varas Federais Criminais da Justiça Federal da 4ª Região, manteve a competência 2ª Vara Federal de Curitiba, para julgar os crimes praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter transnacional das infrações, além da competência ora atribuída e a de processar e julgar os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, que já era de sua competência jurisdicional.

Posteriormente, por meio da Res. 99, de 11.07.2013, do TRF, alterou a denominação da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, que passou a ser denominada 13ª Vara Federal de Curitiba.

Depois de nova certidão de batismo, a 13ª Vara Federal de Curitiba, por força da Resolução nº 101, de 15.08.2014, passa a ter competência para processar os pedidos de cooperação jurídica passiva em matéria penal, tanto por meio de carta rogatória quanto por meio de cooperação direta com intervenção judicial, encaminhados à Justiça Federal da 4ª Região no âmbito da Seção Judiciária do Paraná (art. 1º).

Novo acréscimo de competência vem pela Resolução nº 96, de 10.09.2015, que alterou a competência de varas da Subseção Judiciária de Curitiba, passou a atribuir para 13ª Vara Federal de Curitiba a competência para os processos do tribunal do júri (art. 2º, caput, II, b), mantida a competência anterior.

Por fim, mas não menos relevante, a Resolução, nº 3, de 19.01.2016, a 13ª Vara Federal, assim como as demais varas federais da Subseção Judiciária de Curitiba, com competência criminal, passaram a ter atribuição jurisdicional para a execução penal da Penitenciária Federal de Catanduvas/PR (art. 1º).[20]

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Deste modo, acredita-se que o Tribunal Regional Federal da 4ª região, não tenha “manobrado” para que os processos da operação lava jato ficassem todos com o juiz Sérgio Moro, pois, se assim o fosse, teria instalado um Tribunal de Exceção nos mesmos moldes de Nuremberg.

Se já não fosse desconfiança o bastante, ainda se faz necessário trazer para o estudo, que o processo da operação lava jato ocorre em meio à conturbado ambiente político, e vez ou outra, um partido ou seu opositor se utiliza da investigação para se alavancar em meio a opinião produzida pela grande mídia e angariar apoio popular para suas bandeiras. Inclusive, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, teve dois grandes desdobramentos, um, seria o processo – também de exceção – que ocorreu por parte dos parlamentares, que não será aprofundado nesse estudo; e outro desdobramento, seria ter o apoio social, e esse se deu pelas investigações da lava jato, que foram determinantes para as justificativas, como apoio da “opinião pública” para embasar moralmente o processo de impeachment, como afirma o cientista político Singer: “a combinação entre três fatos produzidos pela Operação Lava Jato e o quadro de emergência comunicacional criado ao redor deles: a prisão de João Santana (23/2), a delação de Delcídio do Amaral (3/3) e a condução coercitiva de Lula (4/3)”[21].

Assim, nas principais fases midiáticas do processo da lava jato, que começa por volta de 2014, o país ainda tinha no governo, o Partido dos Trabalhadores, que acabará de ganhar uma eleição muito apertada, posto isto, seus principais opositores – com pauta neoliberal que beneficia os empresários do país – apropriaram-se dos discursos espetaculosos dos procuradores e do juiz da lava jato para criar uma comoção social, contra a corrupção, somado a grande mídia, que também tinha interesse no projeto neoliberal, já que lhe beneficiaria. Assim, deve-se enfatizar o papel da grande mídia no caso lava jato, e com sua estruturação publicitária bem definida, criou até uma propaganda à parte, com a frase, “passar o país a limpo”, tentando gerar um conforto na sociedade, de que se terá um novo Brasil após esse processo e, excluindo totalmente desse debate, o fator primordial para a causa da corrupção, que é o aparelho ideológico do capitalismo, gerador de individualismo e consumismo, principal fator para desigualdade social existente.

Deste modo, a intenção superficial da grande mídia é que todos investigados sejam condenados socialmente, para dar “exemplo”, com a publicidade jurídica de que no Brasil não se pode cometer corrupção, acabando com a impunidade de outrora. E, em outro sentido, a real intenção da grande mídia, é utilizar o processo para benefícios políticos próprios, que de certa forma, atende as demandas do grande empresariado brasileiro.

Tanto os acusadores da lava jato quanto o Juiz, se colocam publicamente como defensores máximos da sociedade, afirmando que seus atos são referendados pelo grande apoio popular – como já mencionado “opinião pública” encomendada pela grande mídia. Nesse sentido, o processo tomou proporções inimagináveis, a vaidade dos procuradores em ter o apoio da grande mídia ao seu lado ocorre em inúmeros casos, convocando até coletiva de imprensa para ridicularizar seus investigados, como exemplo, apenas um dos casos e talvez o mais grave, foi o episódio do procurador federal Deltan Dallagnol apresentando slides - que mais tarde viria ser motivo de chacota - dizendo que Lula era o "comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato"[22], sem no entanto, apresentar qualquer prova disso, apenas para ter o apoio da opinião “pública”, este caso, somados a várias outras arbitrariedades, como conduções coercitivas ilegais, vazamento seletivos de informações que deveriam ser sigilosas, quebra de sigilo telefônico sem a devida competência funcional, entre inúmeros atos de exceção, tornam esse processo, não só o maior caso da história brasileira, mas também, o maior caso de arbitrariedades já cometidas por um juízo e referendados pela sociedade, em total descompasso com a lei vigente.

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Sobre o autor
Matheus de Almeida

Doutorando em Filosofia do Direito - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípides de Marília - UNIVEM. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Marília - Centro Universitário Eurípides de Marília - UNIVEM. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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