1 APRESENTAÇÃO
Em tempos de crise econômica, as demandas envolvendo ação de execução de título executivo extrajudicial estão cada vez mais recorrentes.
Diante desse cenário, o caso analisado retrata a problemática da efetividade da prestação jurisdicional em relação ao processo de execução de título extrajudicial no âmbito dos Juizados Especiais.
Após a identificação das características do processo de execução e do Juizado Especial, por meio da coleta de dados dos processos em trâmite no Juizado Especial Cível de Formoso do Araguaia/TO e da percepção dos advogados militantes na Comarca, foi traçado um perfil de como os processos de execução podem ser resolvidos sob a ótica do método alternativo de resolução de conflito.
Ao final, sugerem-se mecanismos a serem adotados por magistrados na condução do processo executivo, de modo a facilitar a transação entre as partes para viabilizar a realização de acordos.
2 RESUMO DO PROBLEMA
É possível aumentar a efetividade do processo executivo por meio de audiência de conciliação no âmbito do Juizado Especial Cível? Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgados no ano de 2017[1] apontam que o Poder Judiciário brasileiro finalizou o ano de 2016 com 79 milhões de processos em tramitação, a despeito das mais de 30 milhões de sentenças proferidas.
No âmbito do processo de execução, os dados apontam que o tempo médio entre o ingresso da ação e a sentença é de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, enquanto do processo de conhecimento a média de tempo necessário é de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses.
O mesmo relatório do CNJ informa que apenas 5% (cinco por cento) dos processos de execução são solucionados por meio de acordo, ao passo que nos processos de conhecimento nos Juizados Especiais este índice sobe para 16% (dezesseis por cento).
Diante dos números apresentados pelo CNJ em seu relatório anual é possível concluir que a cultura da conciliação nos conflitos de conhecimento é uma realidade adotada por advogados, juízes, defensores etc, contudo, o mesmo não se pode dizer em relação ao processo de execução.
O procedimento de execução de título extrajudicial ainda possui a característica da rigidez processual e não prioriza a autocomposição. Mesmo nos Juizados Especiais, pautado pela informalidade, a Lei n. 9.099/1995 prevê a realização da audiência de conciliação depois de realizada a penhora de algum bem do executado.
Com efeito, a sistemática do processo de execução não permite ao devedor e ao credor transacionarem sobre parcelamento, renúncia de parte da dívida, abatimento dos juros. Tampouco é possível observar as reais condições do devedor, suas possibilidades e capacidade financeira.
Pretende-se, então, com esse trabalho, realizar um estudo de caso do tipo exploratório no qual se pesquisará como a realização da audiência de conciliação nos processos de execução no âmbito do Juizado Especial Cível da Comarca de Formoso do Araguaia/TO pode contribuir para a efetividade jurisdicional, atendendo a expectativa de advogados e jurisdicionados.
3 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DE CASO
Segundo Yin (2001, p. 32) “um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidos”.
Por meio de um projeto de pesquisa implícito com método exploratório, a questão estudada será a audiência de conciliação no procedimento de execução por meio da coleta de dados sobre o quantitativo de ações em curso e a relevância da conciliação para solução destes litígios (Yin, 2001).
3.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA
O problema que orientou esta pesquisa foi a possibilidade da realização de audiência de conciliação no processo de execução de título extrajudicial no âmbito do Juizado Especial Civil como forma de resolução alternativa do conflito.
Diante do problema proposto, a revisão de literatura se concentrou no processo de execução no Juizado Especial e como a conciliação pode representar uma significativa ferramenta para resolver conflitos.
Os resultados desta pesquisa passaremos a apresentar.
3.1.1 Métodos alternativos de solução de conflitos
A palavra conflito tem origem do latim e significa choque, ação de chocar, de contrapor ideias, palavras e ideologias. Segundo Lima e Spengler (2009, p. 240) é por isso que “se pode afirmar que um conflito existe quando atividades incompatíveis ocorrem (...) uma ação incompatível com outra impede, obstrui, interfere, danifica ou de alguma maneira torna a última menos provável ou menos efetiva”.
Nem sempre coube ao Estado, na história da humanidade, o papel de pacificar os conflitos inerentes à vida em comunidade[2].
Primitivamente, o Estado só definia os direitos, mas não se comprometia a solucionar os conflitos que surgissem do relacionamento entre as pessoas[3].
Antigamente os conflitos eram solucionados de forma violenta e tosca, quase sempre resultando em violência física. Sobre isso, escreveu Diniz (2002, p. 9) “historicamente, nos primórdios da civilização humana, dominava a vingança coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes”.
Da vingança coletiva passou-se a solucionar os conflitos pela vingança privada. Como na passagem bíblica que cita a parábola do mau devedor[4], contada por Cristo, que, perdoado em muito pelo credor, não soube relegar pequena quantia que um servo lhe devia. Em consequência, seu credor o prendeu, mandou castigá-lo, mantendo-o sob algemas até pagar toda a dívida (Mateus, Cap. 18, vers. 23 a 34[5]).
Sobre a vingança privada, o brocardo “olho por olho, dente por dente” já denota uma ideia de reparação do dano. Na verdade, o principio é da natureza humana, qual seja, reagir a qualquer mal injusto perpetrado contra a pessoa, a família ou ao grupo social[6].
Após a concepção moderna de república, nas palavras de Pantoja e Almeida (2016, p. 55), o Estado se incumbiu “das funções essenciais de administrar, legislar e julgar”, fato que permitiu que um dos Poderes do Estado – o Judiciário – pudesse prestar com exclusividade a jurisdição.
Ocorre que o monopólio da jurisdição e a ampliação do acesso à justiça “exige nada menos que o estudo crítico e reforma de todo o aparelho judicial” (CAPPELLETTI e GARGHT, 1988, p. 75) para fins de oferecer uma prestação jurisdicional célere e efetiva.
Os métodos alternativos de solução de conflitos, na concepção de Garcez (2003), representam um novo tipo de cultura na solução dos litígios, distanciados do antagonismo agudo dos clássicos combates entre as partes e mais centrados nas tentativas de negociar harmoniosamente a solução desses conflitos, num sentido, em realidade, direcionado à pacificação social quando vistos em seu conjunto, em que são utilizados métodos comparativos.
Os conflitos, basicamente, são resolvidos por meio da utilização da autotela, autocomposição e heterocomposição[7]. De modo bem sucinto:
* autotutela ocorre “quando o próprio sujeito busca afirmar, unilateralmente, seu interesse, impondo-o (e impondo-se) à parte contestante e à própria comunidade que o cerca”;
* autocomposição na hipótese em que “o conflito é solucionado pelas partes, sem a intervenção de outros agentes no processo de pacificação da controvérsia” e;
* heterocomposição nos casos pelos quais “quando o conflito é solucionado através da intervenção de um agente exterior à relação conflituosa original”.
Como salientou o Ministro Luiz Fux nos autos da ADI n. 5062/DF, a conciliação, a mediação e a arbitragem, enquanto métodos voluntários e alternativos à jurisdição estatal, (i) minimizam a demanda pelo Poder Judiciário e (ii) propiciam a análise dos conflitos intersubjetivos por técnicos e especialistas no tema[8].
3.1.1.1 Conciliação
A conciliação é um método consensual de resolução de conflito no qual um terceiro (conciliador) auxilia as partes a chegarem a uma solução que possa atender o interesse de todos, dentro de uma concepção “ganha-ganha”.
De acordo com Cappelletti e Garght (1988, p. 83), as vantagens são óbvias se um litígio é resolvido sem necessidade de julgamento, pois “parece que tais decisões são mais facilmente aceitas do que decretos judiciais unilaterais, uma vez que eles se fundam em acordos já estabelecidos”.
Hoje a conciliação está prevista no Código de Processo Civil como norma fundamental[9], inclusive prevendo a realização obrigatória de audiência como o segundo ato do processo de conhecimento[10] e isentando os litigantes do pagamento das custas caso haja composição antes da sentença[11].
A mudança trazida pelo Novo Código de Processo Civil reflete uma nova política pública para tratamento adequado dos conflitos jurídicos, pois passou a priorizar a autocomposição em detrimento da heterocomposição.
Antes mesmo do advento do Novo Código de Processo, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 125/2010[12], já orientava de forma administrativa os Tribunais a implementarem práticas de estímulo à autocomposição.
Nas palavras de Didier (2017, pg. 304), a concepção moderna de que o jurisdicionado deve ser protagonista da construção da decisão judicial “reforça a participação popular no exercício do poder (...) e tem forte caráter democrático. O propósito evidente é tentar dar início a uma transformação cultural - da cultura da sentença para a cultura da paz”. (grifo do autor)
O conciliador tem um papel ativo no processo de negociação e pode, inclusive, sugerir soluções para o litígio[13].
3.1.1.2 Mediação
A mediação, segundo Baccelar (2003) é um processo transdisciplinar que se destina a aproximar pessoas interessadas na resolução de um conflito e induzi-las a perceber no conflito a oportunidade de encontrar, por meio de uma conversa, soluções criativas, com ganhos mútuos e que preservem o relacionamento entre elas.
Os casos submetidos a mediação, de regra, são mais complexos e exigem conhecimento interdisciplinar do mediador (psicologia, sociologia, filosofia) e tem por finalidade resolver o conflito de modo menos gravoso possível para as partes por meio da autocomposição.
Como há, de regra, um vínculo prévio entre as partes, o mediador atua de forma a facilitar o diálogo entre as partes de modo a auxiliar a compreensão das questões relevantes para solução do litígio e é mais indicada para contendas envolvendo direito societário e de família[14].
3.1.2 Do processo de execução no âmbito do juizado especial
De acordo com Chasin (2007, p. 12), a história do surgimento do Juizado Especial de Pequenas Causas remete a dois atores principais: “o Ministério da Desburocratização, responsável pela elaboração do projeto de lei que resultaria na criação do juizado” e a “Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), pioneira na implementação da primeira instituição do país semelhante ao juizado, o Conselho de Conciliação e Arbitramento”.
Inserido no contexto da terceira onda de acesso à justiça[15], por meio do art. 98[16] a Constituição Federal previu a criação dos Juizados Especiais para fins de resolver casos cíveis e criminais de menor complexidade. Em 1989 o Projeto de Lei n. 1.480/1989 do então Deputado Federal, hoje Presidente da República, Michel Temer, foi aprovado e se tornou a Lei n. 9.099/1995.
Na exposição de motivos do Projeto de Lei, o legislador fixou como princípios gerais dos juizados especiais a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade[17]. Tais princípios foram positivados no art. 2º da Lei n. 9.099/1995[18], que ainda fez constar a conciliação e a transação como faróis basiladores[19].
A doutrina complementa e traz como princípios implícitos inerentes aos juizados especiais o imediatismo, a concentração, a identidade física do juiz e a irrecorribilidade das decisões interlocutórias[20].
Pela natureza informal dos procedimentos submetidos aos juizados, afirma Rossato (2014, p. 21-22), “os juizados especiais carregam consigo a carga idealizada de garantir o amplo acesso ao Poder Judiciário e a rápida solução das lides” e permite ao “magistrado inovar em matéria procedimental com a finalidade de buscar a solução (para o conflito) de forma mais equânime”. (grifo nosso)
A interpretação doutrinária permite concluir que a pacificação do conflito deve se sobrepor ao rigorismo processual, desde que se respeitem os princípios constitucionalmente garantidos às partes, como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal e os demais próprios dos juizados especiais.
Neste ponto, oportuna é a lição de Rossato:
Tanto é assim que, como dito acima, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE) já aprovou Enunciados que, aparentemente, contrariam a Lei n. 9.099/95, mas que, em verdade, emprestam à lei o seu correto sentido diante da necessidade de conferir dinamismo ao procedimento. Esse dinamismo é extremamente necessário. A Lei n. 9.099/95 nasceu de um ideal de celeridade, de acesso à Justiça, de solução adequada de causas de menor complexidade. Por conta disso, o papel interpretativo é necessário e não deve impor a pena de engessamento à lei ou ao procedimento especial. De outro lado, a carga idealizada para os Juizados Especiais não pode sobrepor-se ao devido processo legal, em especial ao contraditório e à ampla defesa. Mesmo na ânsia de celeridade e simplicidade procedimental, deve-se respeitar o núcleo duro do due process of law, sem o que não se garante a Justiça. E esse é o desafio do intérprete: ampliar os horizontes dos Juizados Especiais graças à interpretação principiológica, sem impor qualquer prejuízo ao devido processo legal. (ROSSATO, 2014, p. 23) (grifo nosso)
Desta forma, não basta que o Estado garanta o direito do cidadão por meio de uma atividade jurisdicional de conhecimento ou até mesmo apenas possua arcabouço normativo autorizando a execução do título extrajudicial.
É necessário que o judiciário, quando provocado, possa proporcionar soluções para que o direito devido e não adimplido espontaneamente pelo devedor seja satisfeito.
Nunes (2013, p. 329) conceitua o procedimento executivo como sendo a atividade “jurisdicional de substituição da atividade do devedor (mediante meios executivos sub-rogatórios), ou de sua captação (mediante meios coercitivos), que se destina a produzir o adimplemento da obrigação ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
Também com o escopo conceitual, Câmara (2017, p. 277) afirma que a “execução é a atividade processual de transformação da realidade prática. Trata-se de uma atividade de natureza jurisdicional, destinada a fazer com que aquilo que deve ser, seja”. (grifo nosso)
Baseada no direito constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV[21]), o processo executivo deve ser pautado pelo busca da satisfação da obrigação, com observância ao respeito à dignidade humana, instrumentalizado pelas regras de impenhorabilidade prevista no art. 833 do CPC[22].
De acordo com o art. 784 do CPC[23] são títulos executivos extrajudiciais a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque, a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor, o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas, o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal, o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução, o contrato de seguro de vida em caso de morte, o crédito decorrente de foro e laudêmio, o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio, a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei, o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas, a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei e todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.
O processo de execução de título extrajudicial é sempre patrimonial, exceto nas demandas envolvendo pensão alimentícia, nas quais a prisão civil é admitida pelo ordenamento jurídico[24]. Os títulos são dotados de eficácia bastante para autorizar agressões patrimoniais, independentemente de prévias investigações sobre existência ou inexistência do crédito[25].
Embora os títulos executivos gozem de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, o Código de Processo Civil é expresso ao prever que a execução deve ser menos gravosa possível ao executado[26], não significando salvo conduto para o inadimplemento da dívida. Devem as partes e o juiz encontrar um ponto de equilíbrio para o fim de satisfazer o crédito do credor sem ferir a dignidade do devedor. Gonçalves (2014, p. 632), sobre o princípio da não onerosidade, afirma que “pode haver dois modos equivalentes para alcançar o resultado almejado pelo credor. Em casos assim, há de prevalecer o menos gravoso ao devedor”.
3.1.3 Hipótese para aumentar a efetividade nos processos de execução de título extrajudicial no âmbito do Juizado Especial Civil por meio da audiência de conciliação
As regras atinentes à execução de título extrajudicial com base na Lei n. 9.099/1995 reprisam, basicamente, o disposto no Código de Processo Civil.
Conforme visto, pelo rito previsto na lei dos juizados, a audiência de conciliação só se realizaria caso houvesse êxito em penhorar algum bem do executado. Entretanto, a realização da audiência de conciliação antes da intimação para pagamento poderia tornar o processo de execução menos gravoso ao executado e mais efetivo ao credor.
Propõe-se que a audiência de conciliação seja realizada no primeiro ato do processo. Caso não houvesse acordo, só aí ocorreria a intimação do devedor para efetuar o pagamento da dívida em 3 (três) dias.
3.1.4.1 Vantagens e desvantagens da realização de audiência preliminar de conciliação no procedimento de execução no âmbito do Juizado Especial Cível
É razoável permitir ao devedor e ao credor renegociar o débito no ambiente forense, pois a aproximação das partes, além de tornar o processo mais célere e informal, tende a ser mais eficaz.
Há ainda a inegável redução da força de trabalho do já abarrotado sistema de justiça, porque ao findar o processo de execução no primeiro ato todos os subsequentes (citação, embargos, penhora etc.) não serão mais necessários.
Permitir a transação faculta ao devedor firmar um compromisso moral com o credor para saldar a dívida e tornar o procedimento executivo mais humano, na medida em que mitiga o risco de expor o devedor à situação vexatória ao ver seus bens penhorados.
Outro ponto relevante é a possibilidade de o credor flexibilizar o recebimento do seu crédito, concedendo parcelamento, abatimento de juros etc, hipóteses que no rito previsto na Lei n. 9.099/1995 não é contemplada.
Após a homologação do acordo, o título executivo extrajudicial se torna judicial e segue o rito previsto no art. 523 e seguintes do CPC, ou seja, a vantagem para o credor é manifesta na medida em que passa a cobrar sua dívida como cumprimento de sentença.
Malgrado ser inegável as inúmeras vantagens na realização da audiência de conciliação prévia, reconhece-se que há desvantagens em inverter o momento da realização da audiência de conciliação no processo de execução.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Tocantins, nos autos da Correição Parcial n. 0009736-25.2017.827.0000 de Relatoria da Desembargadora Jacqueline Adorno, analisou o caso do juiz do Juizado Especial Cível da Comarca de Tocantinópolis/TO que, ao se deparar com pelo menos 150 (cento e cinquenta) ações de execução de título de nota promissória ajuizadas por 1 (uma) empresa, passou a designar audiência de conciliação antes de citar a parte devedora para pagamento.
Irresignado com a conduta do Magistrado, a empresa propôs correição parcial sob o argumento de que a designação de audiência de conciliação ocasionaria demora na prestação jurisdicional em ofensa aos princípios da celeridade e economia. Desta forma, pugnou para que o Tribunal reconhecesse o error in procedendo do juiz e determinasse a adequação das ações de execução de título extrajudicial ao previsto na Lei dos Juizados.
A 1ª Câmara Cível acatou, por unanimidade, a tese do requerente e reconheceu que o magistrado incorreu em error in procedendo, porque a execução possui rito próprio e a demora na citação poderia acarretar prescrição do título extrajudicial.
Transcrevo da ementa:
[...] O douto magistrado a quo ao receber a petição inicial, passou a exarar decisão determinando a designação de audiência de conciliação, em ofensa ao procedimento legal aplicável às execuções, sob entendimento de que a Lei 9.099/95 tem a busca pela conciliação como princípio norteador do sistema dos Juizados Especiais. Foi realizado pedido de reconsideração, o qual restou indeferido. 4 - A correição parcial destina-se à correção de decisões não impugnáveis por outros recursos e que configurem inversão tumultuaria dos atos e fórmulas da ordem legal do processo. 5 - Ao determinar a designação de audiência de conciliação, o magistrado incorreu em \"error in procedendo\", posto que a execução possua rito próprio, que prevê no artigo 829 do CPC/2015 que o executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação 6 - O credor deve manejar a execução no prazo específico para o título exequendo e obter a citação do devedor, para, a partir de então, interromper o prazo prescricional. A regra do art. 802 do CPC estabelece que o despacho de citação interrompe a prescrição, desde que esta seja realizada dentro do prazo estipulado no §2º, do art. 240, do CPC. 7 - Correição Parcial provida para reformar a decisão proferida pelo MM Juiz de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Tocantinópolis-TO, para determinar que nos autos nºs 0001269-82.2017.827.2740, 0001270-67.2017.827.2740 e 0001324-33.2017.827.2740 seja cumprido o despacho constante no evento 4 dos mesmos, e nos demais que seja determinada a citação dos devedores das demandas executivas para pagamento dos débitos no prazo de (três) dias, nos termos do artigo 829 do CPC/2015. Decisão unânime. (TJTO, 2017) (grifo nosso)
Ocorre que, na prática, a pouca efetividade das penhoras em razão da inexistência de bens ou constrição de bens de baixíssimo valor se torna inevitável, como o caso de repercussão nacional da penhora de 2 (dois) frangos procedida pelo Juizado Especial de Gurupi/TO[27] e a adequação do rito à realidade se revela necessária para garantir a solvência da dívida.
3.2 DAS RECOMENDAÇÕES PARA ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA
Nos termos do que foi apresentado, a designação de audiência no início do processo de execução de título extrajudicial proporcionará as partes transacionarem antes mesmo do início de qualquer ato processual ou de extrapropriação.
Portanto, para fins de que o processo de execução resulte em satisfação da dívida – e por corolário, efetividade jurisidicional -, recomenda-se que o magistrado ao receber a petição inicial paute audiência de conciliação e intime as partes para comparecem ao ato.
Na hipótese das partes não compuserem um acordo, o executado é intimado na própria audiência para efetuar o pagamento da dívida em 3 (três) dias ou embargar a execução no prazo de 15 (quinze) dias.
Decorrido o prazo e caso não efetuado o pagamento ou embargada a execução, deverá o oficial de justiça, munido da segunda via do mandado de citação, proceder de imediato à penhora de bens do executado e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto, dele intimando-se na mesma oportunidade, o executado. Se a penhora recair sobre bem imóvel, se casado for o devedor, o cônjuge também deve ser intimado e a constrição averbada na matrícula.
Sem prejuízo do cumprimento do mandado de penhora, deve o magistrado proceder as consultas nos sistemas Bacenjud e Renajud para fins de localizar dinheiro e veículos em nome do devedor. Caso haja êxito na constrição de algum bem, nova audiência de conciliação (art. 53, §1º, da Lei n. 9.099/1995) deve ser designada.
Finalmente, se caso não encontrado o executado ou bens passíveis de penhora, o processo deve ser arquivado (art. 53, §4º, da Lei n. 9.099/1995).
4 CONCLUSÃO
A confiança conferida a um cheque ou uma nota promissória permite aos negociantes realizarem transações comerciais de forma segura e ainda, contribui para o desenvolvimento econômico da sociedade de modo que, em caso de inadimplemento, o credor terá o respaldo do Estado para buscar a satisfação do crédito.
Nesse contexto, o Código de Processo Civil criou procedimento próprio para executar os títulos executivos extrajudiciais que independe de juízo de conhecimento. Ou seja, por meio do processo de execução, presumem-se a certeza, a exigibilidade e a liquidez do título executivo e o ônus de desconstituí-lo passa a ser do devedor.
Contudo, em que pese o rigorismo do procedimento que não permite questionamento sobre a existência da dívida (de regra), a prática processual demonstra que os processos de execução são ineficientes, morosos e agressivos ao devedor.
Após o advento do CPC/2015 os métodos alternativos de resolução de conflitos ganharam especial relevância no ordenamento jurídico, pois trabalham com a ideia de autocomposição dentro de uma concepção ganha-ganha. A despeito de ser utilizado no processo de conhecimento, quando se trata de processo de execução, a conciliação não é tratada com prioridade, nem mesmo no microssistema do juizado especial.
Conforme demonstrou este trabalho, as ações de execução ajuizadas pelo rito da Lei n. 9.099/1995 na Comarca de Formoso do Araguaia/TO vêm crescendo ano a ano e desafia soluções. Nesse contexto, a implantação de método alternativo para buscar a satisfação da dívida tem o condão de proporcionar maior efetividade à prestação jurisdicional.
Mesmo não sendo prioridade, das 74 (setenta e quatro) ações de execução ajuizadas no juizado especial de Formoso do Araguaia/TO, 25 (vinte e cinco) processos foram resolvidos por meio de acordo e destes 11 (onze) foram fechados em audiência de conciliação.
Os advogados também demonstraram receptividade à ideia, reportando o alto índice de acordo (85 % [oitenta e cinco por cento]) realizado na audiência de conciliação.
Diante da evidência de que autocomposição traz benefícios aos jurisdicionados, advogados e a todo sistema de justiça, a alteração no rito processual – mesmo que confrontando a previsão da Lei n. 9.099/1990 – deve ser adotada de modo que a audiência de conciliação seja protagonista do processo de execução.
O protagonismo que se refere é materializado pela subversão da ordem de realização da audiência de conciliação, pois enquanto a Lei prevê a assentada apenas se penhorado algum bem do devedor o que se propõe é a tentativa de acordo como primeiro ato do processo.
Ao receber a inicial e designar de plano audiência de conciliação, o juiz estará dando mais uma oportunidade do credor e do devedor chegarem a um acordo, com a possibilidade daquele parcelar a dívida, reduzi-la etc e deste assumir um compromisso judicial de honrar a obrigação.
Ao realizarem um acordo no ambiente forense, há maior probabilidade de satisfação do débito em razão do compromisso moral firmado entre as partes e as técnicas aplicadas pelos conciliadores também podem contribuir de forma determinante para solução da contenda.
Ao desprezar a conciliação como método real e efetivo no processo de execução, os já abarrotados escaninhos do Poder Judiciário continuarão inviabilizando a prestação jurisdicional célere e eficaz.
Malgrado simples do ponto de vista da sua aplicabilidade, a modificação do rito processual poderá ter um impacto positivo para todos os sujeitos processuais envolvidos.
Finalmente, agradeço ao Professor Orientador Mestre Roniclay Alves de Morais pela deferência em relação a este estudo de caso e aos advogados que, com presteza, contribuíram para a pesquisa.
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