Quando a rede de franqueados é participativa, temos o ponto de partida para a busca de melhoria contínua e redução de conflitos com franqueadores. O segredo? O nível e a qualidade do engajamento de cada uma das partes para que o negócio prospere.
Associados a isso, a clareza nos discursos e um contrato de franquia bem redigido também contribuem para edificar um bom relacionamento entre as partes e a redução de conflitos no âmbito negocial e jurídico.
Quando as partes têm, entre si, justos e acordados os padrões e as condições a serem seguidos para o correto funcionamento de uma franquia, não são meros dissabores comerciais que acabarão por colocar em risco o sucesso do empreendimento.
Infelizmente, cada vez mais temos nos deparado diante de relatos e debates envolvendo conflitos entre franqueados e franqueadores no cumprimento do contrato já na fase de implantação do negócio.
Ora porque o franqueador não prestou devido auxílio para análise e escolha do ponto comercial, ora porque atrasou a entrega do estoque inicial ou material de marketing prejudicando o cronograma de inauguração, ora porque não prestou o devido treinamento da equipe do franqueado, ou porque o franqueador deixou de prestar o devido auxílio no correr das operações.
Tais reclamações, apesar de comuns em qualquer segmento, se analisadas friamente, podem ser concluídas como meros “dissabores comerciais” (posição adotada pela maioria dos entusiastas que atuam no setor), sanáveis através da livre negociação entre as partes.
Contudo, entendimento contrário deve ser adotado quando estivermos diante de oferta e compromisso propostos ao franqueado no momento da venda da franquia, condições estas que devem vir de forma clara e expressa na COF (Circular de Oferta de Franquia) e Contrato de Franquia, sendo ainda mais grave quando o seu descumprimento acaba por frustrar a expectativa de retorno e planejamento financeiro inicial.
Uma vez que estivermos diante de obrigações do franqueador, substanciais ao negócio, este pode e deve responder por seu inadimplemento.
Como exemplo, imaginemos uma rede de franquias voltada ao ramo de panificação, basicamente uma franquia de padarias que possui como segredo industrial um fermento exclusivo e que compõe o segredo e know how da franquia. Para produzir os pães, os franqueados devem efetuar a compra diretamente do franqueador, fornecedor exclusivo do tal fermento. O que acontece se o franqueador atrasar a entrega dos pedidos de fermento? Ou se os entrega com a validade vencida? O resultado é simples: uma padaria sem pão para vender.
No exemplo acima, estaríamos diante de descumprimento por parte do franqueador que inquestionavelmente será o fator determinante para o insucesso do negócio franqueado, e uma vez estando diante de um contrato de franquia, não pode ser visto como mero dissabor comercial ou mesmo imputar a responsabilidade às oscilações de mercado (desculpa rotineira da maioria e que, inclusive, já vem expressa em contrato como forma de eximir responsabilização – risco do negócio), o que torna cada vez mais recorrente o número de ações judiciais, o que causa preocupação quanto aos rumos e credibilidade do sistema no Brasil.
Em que pese a existência de Lei especial – Lei de Franquias – tal ordenamento apenas regula a fase negocial e formalização do negócio, obrigando as partes a cada vez mais se socorrerem do Judiciário para solução de conflitos, seja através da revisão do contrato ou, como infelizmente ocorrer com a esmagadora maioria dos casos, para a rescisão do contrato e busca e de indenizações pela parte prejudicada.
Dando um passo atrás e voltando o início desta redação, quando falamos da oferta e compromisso propostos ao franqueado no momento da venda da franquia, imprescindível remetermos a discussão ao art. 3ª da Lei de Franquias em vigor o qual elenca rol de informações a serem apresentadas ao candidato a franqueado através da COF.
Já os artigos 4º e 7º, ambas da Lei de Franquias, estabelecem penalidades no caso de descumprimento de tais requisitos pelo franqueador, dando ensejo à anulabilidade do negócio e restituição das quantias pagas pelo franqueado.
Contudo, não é de hoje que o maior dos problemas vivenciados pelo setor se refere a fase contratual propriamente dita, sendo cada vez mais recorrentes as discussões em virtude da ausência de dispositivos legais que regulem o pós-venda, situação esta que deixa franqueados e franqueadores a mercê de controvérsias no que se refere ao cumprimento de suas obrigações.
Em razão de tais controvérsias, e do crescente número de Redes de Franquia relativamente novas que adotam uma política de expansão bastante agressiva sem antes atentar ao período razoável para maturação do negócio, tornando uma verdadeira armadilha para o empreendedor desatento as regras e espírito do Franchising, a esperança é de renovação e maior segurança ao sistema com a aprovação da nova Lei de Franquias prevista para este ano ainda.
Em trâmite desde 2012, o Projeto de Lei nº 3.234, de 2012, proposto pelo deputado Valdir Colatto, além de outro projeto idêntico, de iniciativa do deputado Alberto Mourão – PL 4.386, de 2012 – trazem como uma das mudanças mais importantes a exigência de que a empresa aspirante a franqueadora opere no mínimo 2 anos antes de pensar em franquear o negócio.
A justificativa são os desvios que crescem no setor com o ingresso de empresas jovens no sistema que admitem muitos franqueados sem preparo e conhecimento de mercado. A proposta traz expressivas mudanças e induz a necessária transparência na relação jurídica que se estabelece entre franqueadora e franqueado.
A boa notícia é que, enquanto aguardamos esperançosos pela aprovação dessas mudanças, torna-se cada vez mais recorrente o número de magistrados que sinalizam significativa mudança de opinião sobre o tema.
Algumas recentes decisões merecem destaque e compartilhamento, pois alcançam a verdadeira efetividade da justiça na mesma medida em que acabam por reconhecer e valorizar o trabalho dos verdadeiros estudiosos da matéria, que diligentemente dedicam sua vida ao desenvolvimento e estudo de novas teses em favor do resgate da credibilidade e segurança do sistema (o de franchising) no Brasil, partindo de uma interpretação ética dos fatos e da lei especial, aplicando os princípios gerais que regem os contratos, e principalmente em favor do ideal de justiça e proteção ao mercado.
Pelo brilhantismo da análise e fundamentação, pedimos vênia ao M.M. Juizo da 8ª Vara Cível de Porto Alegre, para transcrever – com grifos nossos – trechos de decisão de sua lavra – esperando com isso que mais e mais juízes no país atentem-se para o que vem ocorrendo no mercado de franquias no Brasil, além de citarmos outros julgados:
Cuida-se de ação declaratória de anulabilidade ou resilição contratual, onde as autoras pedem, liminarmente, que seja desde logo declarada a anulabilidade da avença, ou sua rescisão. Também, querem o afastamento da cláusula de barreira, inerente ao contrato de franquia, que as impede de vender mercadorias de outras marcas, bem como, a suspensão de cobrança de royalties ultimamente imposta por ação da empresa ré. Sustenta a parte autora que o contrato de franquia firmado entre as partes é anulável porque a Carta de Oferta de Franquia que ensejou a contratação não foi feita com respeito ao Parágrafo Único, do art. 4º, da Lei 8.955/94. Afirma não tem mais interesse no negócio firmado entre as partes, qual seja, o contrato franquia da marca de roupas e calçados 'Budha Khe Rhi', pois a franqueadora exigiu, na realização do empreendimento pela franqueada, investimento superior ao pactuado. Invoca a exceção de contrato não cumprido, falando que a franqueadora tem sido omissa com suas obrigações contratuais, ao deixar a franqueada desguarnecida de mercadorias de boa vendagem, enviar roupas e calçados com defeitos, além de retirar o caráter de exclusividade da franquia ao realizar vendas diretas, por preço inferior àquele suportado pelos franqueados, através da internet. Argumenta que a ré tem imposto o injusto pagamento royalties mesmo sem transferir o know how necessário ao desenvolvimento da atividade. Acrescenta que, em virtude da atitude danosa da ré, tem passado por graves dificuldades na continuidade do empreendimento e necessita de mercadorias de qualidade para aparelhar sua loja, coisa que a ré não tem logrado apresentar. [...] Todavia, independentemente da alegação de descumprimento contratual por qualquer das partes, os contratantes tem total liberdade para realizar um negócio jurídico, bem como para desfazê-lo, se assim for de sua vontade, bastando efetuar a notificação à outra parte, conforme dispõe o art. 473. do CC. [...] Contudo, no que concerne ao pedido de suspensão das cobranças de royalties futuros, entendo possível o pleito, dado que aqui foi manifestada a intenção de rescisão contratual, ante a existência de excessiva onerosidade na continuidade do contrato. Concernente a cláusula de bloqueio (cláusula 2.2.1 do contrato), sua vigência pode ser suspensa desde que a parte autora deixe de operar com o nome da marca da franqueadora. De efeito, quanto a estes pontos estaria presente presente o fumus boni iuris, a justificar o deferimento da medida liminar, devendo, no mais ser observadas as cláusulas do contrato de franquia pactuado até que seja definitivamente rescindido. Vejo também possível que as mercadorias ainda presentes na loja sejam vendidas, até porque, a própria ré teria retirado a exclusividade das franquias ao operar com vendas na internet (fls. 237/245). Dessa forma, defiro parcialmente o pedido liminar, somente para determinar que a ré se abstenha de cobrar das autoras futuros royalties do contrato rescindendo, bem como, permitir que a parte autora comercialize mercadorias de outras marcas, desde que deixe de girar sob a denominação da marca [...].
Processo: 1.15.0160480-6, Comarca: Porto Alegre, órgão julgador: 8ª Vara Cível do Foro Central. Despacho. 29/10/2015.
FRANQUIA. DANOS DECORRENTES DO INADIMPLEMENTO DE PRÉ-CONTRATO DE FRANQUIA QUE SOMENTE PODEM SER IMPUTADOS À FRANQUEADORA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DOS CORRÉUS. DANOS MATERIAIS QUE DEVEM SER INDENIZADOS NO LIMITE DO QUANTUM COMPROVADO NOS AUTOS. LUCROS CESSANTES E DANOS MORAIS AFASTADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
(TJ-SP – APL: 00825519220048260100 SP 0082551-92.2004.8.26.0100, RELATOR: CLAUDIO GODOY, DATA DE JULGAMENTO: 29/07/2015, 1ª CÂMARA RESERVADA DE DIREITO EMPRESARIAL, DATA DE PUBLICAÇÃO: 01/08/2015).
DECLARATÓRIA – INADIMPLEMENTO CONTRATUAL, INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO, PERDAS E DANOS – CONTRATO DE FRANQUIA – HIPÓTESE EM QUE A REQUERIDA NÃO TRANSFERIU O ‘KNOW HOW’ A FRANQUIADA, E NÃO PRESTOU A ASSISTÊNCIA NECESSÁRIA PARA IMPLEMENTAÇÃO DO NEGÓCIO – CARACTERIZADA A INFRAÇÃO CONTRATUAL COM INADIMPLEMENTO POR PARTE DA FRANQUEADORA – DEVIDA MULTA CONTRATUAL E A DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DOS TÍTULOS LEVADOS A PROTESTO – DANO MORAL CONFIGURADO PELO PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULO – RECONHECIMENTO DA SUCUMBÊNCIA DA RÉ NO TOCANTE AS MEDIDAS CAUTELARES E NA AÇÃO PRINCIPAL – RECURSO DA REQUERIDA NÃO PROVIDO E DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJ-SP – APL: 02224852620088260100 SP 0222485-26.2008.8.26.0100, RELATOR: HERALDO DE OLIVEIRA, DATA DE JULGAMENTO: 29/07/2015, 13ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 13/08/2015).
APELAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – AÇÕES DECLARATÓRIAS DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA COM DANOS MORAIS – EXTINÇÃO DOS FEITOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 267, VI, DO CPC – RECURSO DA AUTORA – RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA RÉ, FRANQUEADA DA MARCA “PEOPLE COMPUTAÇÃO QUE INSERIU O NOME DA AUTORA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES – IMPOSSIBILIDADE DE SE OPOR AO CONSUMIDOR OS TERMOS DA CONTRATAÇÃO ENTRE FRANQUEADO E FRANQUEADOR – JULGAMENTO NOS TERMOS DO ARTIGO 515, § 3º, DO CPC – AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS QUE COMPROVEM A CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO COM A AUTORA E SEU POSTERIOR INADIMPLEMENTO – DANO MORAL CONFIGURADO – INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 10.000,00 – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO.
(TJ-SP – APL: 10014879420148260196 SP 1001487-94.2014.8.26.0196, RELATOR: AUGUSTO REZENDE, DATA DE JULGAMENTO: 01/03/2016, 1ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 01/03/2016).
FRANQUIA. RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS C.C REPARAÇÃO DE DANOS. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DA CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA (COF). APELADO QUE TEVE ACESSO À COF COM ANTECEDÊNCIA SUFICIENTE PARA ANALISAR OS SEUS TERMOS E, AINDA ASSIM, OPTOU POR REALIZAR O PAGAMENTO DA TAXA INICIAL DE FRANQUIA. PRETENSÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES COM BASE EM SUPOSTA ILICITUDE DA COF QUE CONFIGURA VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. AUSÊNCIA DE CONSENSO ENTRE AS PARTES QUANTO AO LOCAL DE INSTALAÇÃO DA UNIDADE FRANQUEADA. DECISÃO QUE NÃO FICARIA AO EXCLUSIVO CRITÉRIO DO APELADO, NOS TERMOS DO CONTRATO. DESISTÊNCIA DO NEGÓCIO, PORTANTO, QUE FOI IMOTIVADA. CLÁUSULA PENAL QUE É DEVIDA. VALOR, TODAVIA, EXCESSIVO. REDUÇÃO PARA 20% DO VALOR PAGO A TÍTULO DE TAXA DE FRANQUIA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJ-SP – APL: 10157545820158260577 SP 1015754-58.2015.8.26.0577, RELATOR: TEIXEIRA LEITE, DATA DE JULGAMENTO: 07/03/2016, 1ª CÂMARA RESERVADA DE DIREITO EMPRESARIAL, DATA DE PUBLICAÇÃO: 07/03/2016).
Importante ressaltar que o crescimento do setor vem sendo muito importante para nossa economia diante do cenário de crise atual. Contudo, fica o alerta em relação às novas franquias.
Em tempos de crise, a adoção de políticas de expansão agressivas – e algumas vezes antiéticas – sem que antes o franqueador tenha uma estrutura mínima no mercado, pode ser desastrosa, tornando a experiência desastrosa e muitas vezes traumática para as partes, o que comprova que a opção por uma assessoria jurídica especializada é mais que uma necessidade, um requisito para o sucesso do empreendimento.