Um outro olhar: qual polícia?

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Resumo:


  • O estudo busca apresentar a visão de cidadãos brasileiros, especialmente de um grupo marginalizado, sobre a segurança pública e a formação policial.

  • Foram utilizados questionários para obter depoimentos relevantes sobre o modelo de segurança pública atual e a atuação da polícia, com participação voluntária dos sujeitos.

  • A pesquisa revela a necessidade de uma nova abordagem na segurança pública, considerando a visão dos reclusos e a importância de respeitar os direitos fundamentais de todos os cidadãos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Esta pesquisa tem o objetivo de apresentar, através da coleta de dados, a visão de alguns cidadãos brasileiros e, em especial, de um grupo marginalizado e excluído pela sociedade quanto à capacitação da segurança pública.

Resumo: Esta pesquisa tem o objetivo de apresentar, através da coleta de dados, a visão de alguns cidadãos brasileiros e, em especial, de um grupo marginalizado e excluído pela sociedade quanto à capacitação da segurança pública. Alguns questionamentos surgiram no decorrer do processo de construção da pesquisa: Existe um modelo de polícia a ser seguido, ou há uma “onda” diferenciada de punição no Brasil? A formação do policial é previsão futura para um novo paradigma? Qual polícia seria a melhor para a sociedade? Há esperanças por parte da população de que a polícia brasileira apresente melhores condições de segurança para a sociedade e também para os reclusos de um modo geral? Algumas respostas a esses questionamentos estão no interior dos capítulos, através dos depoimentos dados pelos reclusos, sujeitos desta pesquisa e com a condição de assegurar-lhes o anonimato e o sigilo, uma vez que suas opiniões e experiências possuem demasiada importância para a complementação deste trabalho. Como metodologia, foram utilizados questionários, objetivando obter depoimentos relevantes sobre o modelo de segurança pública atual, a partir da visão dos depoentes sobre o sistema prisional. Os questionários foram formulados com uma ordem pré-estabelecida, de acordo com a demanda que a pesquisa necessitava. A participação dos sujeitos foi voluntária, respeitando-lhes a espontaneidade da maneira de expor seus sentimentos e desabafos. Como consideração parcial, após a análise dos dados, é possível dizer que há uma polícia cidadã, guardiã da Lei, que atua de forma eficaz e peremptoriamente contra todos os crimes, sem distinção dos agentes.

Palavras-chave: direitos humanos, formação policial, polícia cidadã.

Sumário: Introdução. 1. Uma Breve História. 2. Metodologia. 2.2 Dados Pessoais dos Reclusos. 2.3 Do Delito. 2.4 O Mito do Uso da Droga. 2.5 Da Atuação da Polícia. 2.6 Direitos Fundamentais. 2.7 Direitos Humanos. 2.8 Violência nas Ações Delituosas. 2.9 Das Prisões. 2.10 Das Penas. 2.11 Avaliação das Polícias. 2.12 Prefeito Chefe de Polícia?. 3. Alcoolismo e seu Reflexo nos Policiais. 3.2 A Grande Dose dos Operadores de Segurança. 3.3 Da Unificação das Polícias Civil e Militar. 3.4 Qual Polícia? 3.5 Opinião sobre a Formação dos Policiais. 3.6 Polícia Federal, um Breve Histórico. 3.7 Formação do Policial Federal. 4. Discussão dos Resultados. 4.2 Estado Privado. 5. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

Parafraseando Loic Wacquant: a gesta pública sobre a segurança criminal, trouxe informações interessantes para a população, talvez com intuito de estimulá-los a comparar as políticas existentes no Brasil com as de outros países, com objetivo de promover à igualdade de todos os cidadãos livres e reclusos, para que expresse suas idéias perante o Estado e à política que envolva a segurança pública brasileira.

Contudo, não se pretende com esta pesquisa, encerrar o estudo sobre a visão que os cidadãos brasileiros e, principalmente os reclusos têm sobre a segurança pública de nosso país, considerando que há falhas a serem detectadas para se pensar em soluções possíveis de melhoramentos.

Dessa maneira, para a construção deste trabalho, seria preciso eleger um tema para ser pesquisado, visar o inusitado. E ao observar as manifestações acaloradas e sábias de alunos e professores durante o curso de pós-graduação, percebemos a espontaneidade dos alunos quando os professores pronunciavam a palavra Polícia, a sua equivalência e o sentimento que insurgia dos participantes, alunos e professores. Partindo de uma curiosidade com fins jurídicos, consultamos em dicionário a seguinte explicação para o significado da palavra polícia:

Por sua derivação, em amplo sentido, quer o vocábulo exprimir a ordem pública, a disciplina política, a segurança pública, instituídas, primariamente, como base política do próprio povo erigido em Estado. Resulta, pois, da instituição de princípios que impõem respeito e cumprimento às leis e regulamentos, dispostos para que as ordens pública e jurídica sejam mantidas, em garantia ao próprio regime político adotado, e para que as atividades individuais se processem normalmente, garantidas e protegidas, segundo as regras jurídicas estabelecidas1.

Diametralmente, a polícia produz ordem, segurança, proteção e principalmente garantia dos direitos individuais e predomina o interesse social representado por seus membros. Visto por este patamar, surge à indagação: todos os brasileiros participam e expõem suas opiniões quando o assunto é segurança pública e concomitantemente “polícia”? A resposta inicial seria sim, todavia, se observarmos a história de nossa nação, verificamos que a polícia é acionada pelas vítimas na maioria das vezes para garantir os interesses de uma classe dominante, organizada política e economicamente, e que “dita” as regras para as demais classes sociais serem seguidas pelos operadores de segurança. Esta observação pode orientar a sociedade sobre as dúvidas de qual seria a polícia ideal para atuar nas comunidades. Os membros da elite organizada, aqueles que detêm o poder político e econômico, através da influência política apresentam suas exigências e anseios. Porém, um outro grupo, os reclusos, não se manifestou em outras pesquisas de opinião quando o assunto era segurança pública. Qual seria, então, o ponto de vista relativo à atuação dos operadores de segurança, denominação acadêmica, atual para substituir o vocábulo policia? Ora, se todos são iguais perante a lei, há uma lacuna a ser preenchida: analisar outro ponto de vista das ações da instituição “polícia”. Existe uma sutil manipulação para encaminhar para o cárcere os desqualificados e negros, ou estamos construindo inimigos?

Há estudos feitos por ZAFFARONI, BARATTA e WACQUANT, referindo-se à política às classes menos favorecidas, os negros principalmente, nos Estados Unidos. Portanto, verificamos a ocorrência em nosso país, quando os benefícios sociais são excluídos através de políticas de contenção de despesas, empurrando estes para o sistema penal, haja vista que sem recursos para sua subsistência, a tendência natural é a ação delituosa, e a conseqüente penalização e encarceramento. Não inovamos a discriminação em nosso país. É uma realidade, assim como em todas as Américas demonstradas claramente em obras:

Aquele que pretende saber quem é o inimigo com um simples olhar para o mundo minimiza ou nem sequer apercebe-se do risco da arbitrariedade política: o inimigo é quem é inimigo. Dessa perspectiva, pode-se afirmar que qualquer pretensão do poder político de impor a etiqueta a quem não é inimigo seria imediatamente desqualificado ao verificar-se empiricamente que rótulo é falso2.

A escassa medida em que a criminalidade de colarinho branco é perseguida, ou escapa completamente, nas suas formas mais refinadas, das malhas sempre muito largas da lei, é uma tarefa que não pode ser enfrentada neste lugar3.

As “leis de Megan” são emblemáticas das medidas legislativas que favorecem a expansão do Estado penal e estimam a transição para a contenção punitiva da pobreza nos Estados Unidos, na medida em que promovem um triplo desvio. Para começar, elas drenam recursos preciosos, em orçamento, pessoal e programas, do setor social e sanitário do Estado para seu setor policial judiciário4.

Tais demonstrações advêm da observação dos autores na constatação das ações governamentais, concomitantes com os demais países das Américas. Isso sugere a ocorrência de uma convergência política, cuja ordem serve de orientação para uma política agressiva por parte do Estado, na prática de suspender benefícios conquistados, alegando a necessidade de disciplinar os pobres oferecendo-lhes as frentes de trabalho e criando os bolsões de pobreza. É imprescindível refletir sobre estas circunstâncias, considerando que a instituição “polícia” é parte fundamental para a eficácia do processo de uma melhor segurança pública brasileira.


1. UMA BREVE HISTÓRIA

Este capítulo tem o objetivo precípuo de desvendar, recolher e analisar as principais contribuições teóricas de autores consagrados que fundamentam esta pesquisa. E ainda, analisar a atuação da polícia perante a sociedade em diversos países, através de uma constatação histórica.

De acordo com estatísticas veiculadas na mídia, não é privilégio no século XXI conviver com o alto índice de criminalidade e a pouca eficiência das instituições de segurança públicas em controlar e reprimir as ações delituosas, promovendo a ação penal e finalmente condenando os autores às penas impostas pelos ordenamentos jurídicos. A insegurança generalizada, o avanço e a especialização dos criminosos, as novas tecnologias utilizadas nos delitos, softwares usados através da Internet5, território livre regido pelo anonimato onde a impunidade, em tese, seria uma realidade, leva-nos ao passado para estudarmos os fatos e as experiências na implantação de uma política de segurança pública que poderá vir a ser aplicada ou não.

Quando o tema é crime podemos afirmar que o estresse e a insegurança não são fenômenos atuais, uma vez que sempre existiu o temor à violência. As classes detentoras do poder econômico e político6, aturdidas com a possibilidade de sofrer danos patrimoniais e pessoais tinham para proteger-lhes a figura do “guarda-costas”. A segurança era uma atividade privada, portanto, o que se vê hoje tem precedentes históricos. Analisando as comitivas públicas e particulares, a sensação de segurança é real quando o vip7 aparece em cena. Em sua órbita, uma série de pessoas antecede a sua chegada, ocupa lugares estratégicos e preservam todo o trajeto e espaço físico por onde caminhará e permanecerá o tempo que for necessário, evitando a aproximação de quem não esteja autorizado. São práticas comuns em todos os tempos e países. A informação talvez seja a que tenha maior potencial de proteção atualmente, razão pela qual os “serviços de inteligência” iniciam a busca de informações antes mesmo do agendamento protocolar. Preocupação excessiva? Não, o conceito predominante é a prevenção. Podemos observar que a guarda pessoal é uma prática de quem tem o poder de financiar, independente de ser político ou não, afinal, o custo para se manter profissionais especializados e prontos a expor à vida em detrimento da personalidade a qual servem, exige recursos financeiros específicos. Há um preço a ser pago além dos recursos monetários. Podemos aduzir que o isolamento, a privacidade, assim como a liberdade de ir e vir ficam condicionadas ao protocolo, e há alguém sempre alerta a tudo que acontece. Para serem eficientes, estes procedimentos exigem a participação de muitos profissionais8, dentre eles, na atualidade, os policiais que exercem o controle das vias de trânsito, dos hotéis, das personalidades que se aproximam do vip. Utilizam veículos blindados, comunicação de última geração, mapas, rotas opcionais, e muitos outros recursos. Se já não há, deveria haver uma contra-ação para proteção. Os locais e pessoas serão previamente “selecionados e averiguados”, estabelecendo uma blindagem para o personagem principal.

A idéia enunciada no parágrafo anterior esboça uma seqüência lógica da existência de profissionais que asseguram a integridade de determinada pessoa ou grupo com recursos suficientes para manter uma estrutura dispendiosa no passado e na atualidade. O parêntese se deve à necessidade de direcionar a questão para a segurança pública, chamando a atenção para os eventos que ocorrem cotidianamente. Os cidadãos comuns não têm a mesma proteção, ficam expostos aos acontecimentos diários e na maioria das vezes não podem contar com a presença de um policial ou segurança quando ocorre algum evento que cause dano patrimonial ou pessoal. Normalmente, a polícia é acionada para lavrar a ocorrência, gerando um número de protocolo para futura consulta para fins jurídicos. Neste contexto, evidencia-se a fragilidade da segurança pública em detrimento dos valores para manter a máquina estatal em funcionamento. Ora, se no passado, somente a elite tinha condições e o privilégio de manter uma guarda pessoal, nos dias de hoje não ocorreram mudanças significativas. Presenciamos o surgimento das “empresas de segurança”, cujo custo é relativamente alto. Vista deste ponto, a chamada classe trabalhadora, fica a mercê da sorte:

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Visível e, no entanto, desconhecida, familiar e, todavia, estranha, protetora, e apesar de tudo, inquietante: a polícia inspira nos cidadãos das democracias modernas sentimentos ambíguos, resumindo nessas três oposições. Mas, antes de mais nada, o que é a polícia9.

Estamos vivenciando eventos semelhantes aos ocorridos no passado: não havendo ordem e respeito às normas, a idéia de Estado fica prejudicada. Havendo falha na segurança pública, a sociedade responde imediatamente, desta forma, a insegurança serve de termômetro para a classe política. Como estabelecer uma política pública de segurança sem a participação do povo? Assim era no século XII10, a justiça era decidida pelos senhores feudais que tutelavam as comunidades sobre o seu poder11. O paradoxo entre o passado e o presente tende a mostrar como as coisas se repetem, e as necessidades de uma época são similares em outra. A sociedade estabelece as normas conforme as elites passam a sofrer a violência residual, ou seja, aquela oriunda da desigualdade entre as classes gerando o consumismo brutal, em sua maioria, de bens fúteis, porém, causadores da turbulência urbana. O menor infrator furta para conseguir o tênis de marca, o mp3 e outros bens de consumo.

Mas, havendo fome, a reação natural do infrator é de obter alimentos a qualquer custo e isso gera desintegração social, muita tensão e conflito, atormentando a classe dominante.

Uma das medidas da Segurança Pública para se “corrigir” tais atos é atuar com rigor, colocando os desviantes em seu devido lugar e para tanto, tinham à igreja como aliada, que detinha o domínio dos fiéis através da fé impensada ou “cega”, inflexível na análise dos fatos, e assim os aspectos da vida social tinham o controle atrelado ao medo e à violência incorporados ao cotidiano no discurso dominical.

Dessa maneira, a segurança passa a ser um negócio como outro qualquer e a ordem é transmitir, através dos exemplos dos transgressores, segundo Foucault (1997) a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda às engrenagens 12 . O cidadão comum, aquele que não têm “amigos” importantes, nem “credenciais”, vê-se então privado de sua liberdade de manifestar contra esta ou aquela regra, e sofre a agressão diária em um estado “democrático”, utopia para os desiguais. Implantado de forma sutil, o controle interessa ao senhor feudal, evitando que a violência se estabeleça no feudo, criando a sensação de “paz” social. Um mecanismo eficaz, capaz de atender às necessidades de manutenção da “ordem”, conclamando a participação da comunidade. Elege-se um representante em razão de sua posição social perante os desiguais, os tyhings 13. Impõe-se a responsabilidade ao eleito para gerenciar os problemas da comunidade, devendo contornar as situações, aplicando sanções para punir os desviantes. Gradativamente o poder político dos senhores feudais promovem a substituição por uma nova instituição, privada, não especificamente uma polícia, que recebe a denominação de Constable 14:

Surgem na Inglaterra as primeiras formas de polícia pública na Europa. O Sherif aparece, assim como representante da Coroa em nível local (...). Os primeiros embriões de polícia ganham corpo sob forma de “guardas de feiras” (custodes mundinarum), investidos de vastos poderes de coação física para garantir a ordem e a segurança. Quanto ao resto, são com freqüência os corpos de ofícios que dividem a guarda dos pontos sensíveis das cidades, uns vigiando as portas, outros patrulhando as ruas, os últimos correndo ao fogo15.

Deduz-se que a atividade policial tem desde o seu aparecimento embrionário a natureza repressiva, características marcantes e que predominam até os dias atuais, com pouquíssimas alterações, aventaria dizer que apenas nos uniformes e viaturas. À medida que as cidades se desenvolvem economicamente, o desemprego e o sub-trabalho serão uma constante, exigindo a criação e manutenção de uma força capaz de coibir a conduta desviante, mantendo a “ordem” em favor dos homens “honestos e trabalhadores”. Utopia da realidade grotesca da época, enquanto uma minoria dominava o cenário político e econômico, podendo e tendo de tudo, a grande massa via-se subjugada ao trabalho quase escravo, com pouco ou quase nenhuma contrapartida de seu labor. O objetivo único era o controle das populações famintas e itinerantes, que perambulavam de feudo em feudo em busca de alimento e um lugar para estabelecer e procriar. Competia aos “policiais” reprimir a violência coletiva, a revolta de alguns e a conduta desviante, evitando que a horda aproximasse das elites, submetendo-as a uma vigilância punitiva, protegendo o patrimônio dos senhores16.

A sociologia estuda as relações que se estabelecem, conscientes ou inconscientemente, entre pessoas que vivem numa comunidade ou num grupo social, ou entre grupos sociais diferentes que vivem no seio de uma sociedade mais ampla17. Desta forma, para que haja coerência em afirmativas relacionadas à sociedade e à segurança pública, é imperativo conhecer o funcionamento das regras. Neste contexto, a observação das relações humanas, o estudo metódico das necessidades e frustrações, sobretudo sob o ponto de vista da sociedade consumista, globalizada, quando então o cidadão fica a mercê da indústria do medo, indica que alguém efetivamente ganha com a insegurança. É a insensatez dos atores da violência urbana. Os homens não nasceram para serem segregados em celas subumanas, que vêm sendo utilizadas desde o início da história escrita como elemento de punir. Mas como resgatar este ser? Como responsabilizar aqueles que fugiram à norma social? Como lhes dar segurança? Através da cooperação de todos cujo debate político seja referendado pela opinião pública, delimitando as ações e responsabilizando os agentes do delito, seja de qualquer classe social.

Sob o prisma do estudo da Segurança Pública, existe uma realidade para um determinado grupo, menos favorecido. A história de sua existência se funde na esperança de um dia poder integrar-se à sociedade como sujeito de direitos. Estes são recolhidos nos cárceres do sistema, perdidos no ostracismo em que vivem, sem, contudo, ter uma chance real de reabilitação social e principalmente manifestarem o seu pensamento de como poderia ser a segurança pública. Ouve-se dizer em democracia, liberalismo18, liberdade, direitos do homem, limites do poder do Estado e o sujeito de direitos, aquele que recebe a ação. Portanto, o que o detento deseja é poder ter seus direitos fundamentais preservados e garantidos. A defesa do indivíduo dos abusos do poder, ou seja, a liberdade individual está garantida? As polícias estão preparadas para atender às exigências que a sociedade reclama? Há um grupo especifico sofrendo a reação e os reflexos negativos produzindo-se inúmeros cânceres ambulantes na sociedade, corrompendo a “ordem” e trazendo insegurança a toda a comunidade. Este grupo é composto, em sua maioria, por reclusos, analfabetos e sem qualquer perspectiva de vida melhor. Os mecanismos existentes não conseguem atender as novas diretrizes de enfrentamento do crime organizado. O “criminoso de menor potencial ofensivo” continuará existindo, pois a sua realidade é de suprir a sua fome e de seus descendentes. É superado pela sociedade considerando ser primário e sua ação é socorrida nas migalhas deixadas pela classe dominante, propositalmente.

Existe, no entanto, segundo Kennedy (1993) que:

a previsão de que haverá uma continuada explosão populacional nas partes mais pobres do mundo, levando a maiores danos ambientais e a tensões sociais, ao mesmo tempo em que a globalização e as tecnologias mais novas que surgirão nos países mais ricos podem abalar os métodos tradicionais da agricultura, da manufatura e dos negócios em geral19.

Dessa maneira, gera necessidades e conseqüentemente o aprimoramento dos crimes eletrônicos, tendência moderna. O avanço tecnológico propicia a uma diferente tática para a realização dos delitos. As conseqüências iniciais demonstram necessariamente a atualização e domínio da informação para o enfrentamento do crime. Para a sociedade a incerteza do dia a dia ocasiona transtornos emocionais e deficiências nas corporações em razão do mal estar de seus trabalhadores, insurgindo uma nova ordem de pessoas emocionalmente sensíveis às notícias veiculadas na mídia. São artesãos das cidades, que constroem com o suor os sonhos e a realidade de outro grupo, apoiado nas credenciais adquiridas e herdadas de uma elite completamente alheia ao cotidiano até o momento em que sofre a ação daninha de um infrator20 “membro inferior”21 da sociedade. Surge então uma nova ordem, exigindo mudanças de velhos conceitos enraizados no (in)consciente coletivo.

Barata (2002) apresenta que:

A análise das relações sociais e econômicas, que deveria fornecer a chave das diversas dimensões da questão criminal, é desenvolvida em um nível insuficiente, típico das teorias de médio alcance, ou seja, das teorias que fazem do setor da realidade social examinada não só o ponto de chegada, mas, também, o ponto de partida da análise. Estas remetem, pois, a uma teoria global da sociedade, em que a análise do setor específico pode encontrar o seu verdadeiro quadro explicativo, mas sem oferecer uma tal teoria, ou simplesmente indicando-a de modo aproximativo22.

Avança na análise da definição da ação dos criminosos denominados de colarinho branco, que mediante a contratação de advogados reconhecidos pelo seu privilégio intelectual e social, conseguem anular, com suas intervenções jurídicas, as ações de repressão do sistema a este tipo de crime, tornando seletiva, a resposta ao enfretamento, em tese, eficiente apenas para as infrações típicas dos estratos mais desfavorecidos. Menciona a cifra negra 23 para balizar a análise do método de estatísticas que mensuram a criminalidade, demonstrando o desvio que ocorre em uma comunidade por seus membros. Aduz que a definição legal que, em um dado momento distingue, em determinada sociedade, o comportamento criminoso do comportamento lícito esbarra na falta de informações precisas e completas em razão da opção das vitimas não registrarem os fatos delituosos, determinando que a análise deverá ser cuidadosa na apresentação de resultados.

Todo poder punitivo se exerce em situação de legítima defesa, o que habilita o dano ao ofensor na medida necessária para conter a agressão, sem importar a magnitude do dano provocado. Por esse caminho racionaliza-se a legitimação da tortura em toda justificativa inquisitorial referindo-se aos mecanismos utilizados para legitimar as ações das forças de segurança quando, por exemplo, a polícia torce o braço de quem tenta matar para soltar a arma, mesmo que o braço seja quebrado, se isso for necessário para evitar o homicídio 24 . Criou-se a excludente de ilicitude, dispondo que não há crime quando o agente pratica o fato nos seguintes casos: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.25.

Estabelecida as condições do novo paradigma, na área da segurança pública, modelos começam a ser implementados com o objetivo precípuo de tornar os sistemas eficazes, no que tange a atuação nas áreas críticas e no controle da criminalidade. A formação dos operadores de segurança pública, a unificação das polícias, a criação de um piso nacional de salário para as polícias, a criação do pensamento policial como doutrina, a idéia de um modelo de polícia necessária aos novos ditames da sociedade, revelam a preocupação na abordagem do tema. Seria fácil transcrever o ponto de vista da classe média, principal vítima das ações delituosas, em razão de encontrar-se entre a classe dominante e a mais pobre da população. Não há referência a visão daquele que sofre a atuação dos operadores de segurança pública e encontram-se reclusos no sistema prisional, são sujeitos de direitos como todos e a sua participação como cidadãos é importante nas diretrizes que estão sendo estudadas, visando uma nova segurança pública. Qual informação ter-se-ia destes cidadãos para o aprimoramento do sistema? Para alguns, eles não informariam os pontos básicos ou fracos, cuja conseqüência em razão da repressão imediata recairia sobre si. Considerando-os como cidadãos, embora infratores, na realidade, são abandonados pelo sistema, todavia, são titulares de direitos fundamentais, dentre eles, os de participar na obtenção de respostas para a formação de um novo paradigma quando então, os operadores de segurança, cuja ação final destinaria aos próprios reclusos, serão formados.

Então, o senso comum a todo trabalhador, pai de família, etc, surge e assim apresentam à sua colaboração na elaboração de uma nova tendência para a comunidade. Entendem ser a única chance talvez de participarem como sujeitos de direitos no processo de aprimoramento da sociedade, significando que mesmo estando no cárcere, o direito de manifestar é uma conquista de sua cidadania. São princípios básicos de reconhecer que os direitos humanos não se referem apenas às páginas policiais dos periódicos

Primordial na vida das pessoas é a igualdade perante a lei e o respeito à sua dignidade e aos seus direitos. Os homens nascem e devem permanecer livres e iguais em seus direitos, uma vez que é o reconhecimento dos direitos invioláveis da pessoa que os torna iguais. O sistema deve ser estruturado para garantir esta ordem. Não é através do medo e da manipulação da notícia que conseguiremos estabelecer uma nova ordem. O que se observa na atualidade e a constante impregnação nas pessoas de um terrorismo psicológico imposto pela mídia. Conseqüentemente a invasão sublimar da notícia conduz a atitudes rotuladas pelo grupo dominante. Permite aos infratores em potencial aprenderem como praticar o delito por terem visto e ouvido na televisão, no rádio e nos jornais, todo o iter criminis 26 . Nesse contexto aquilo que o homem quer nem sempre é o que ele precisa e terá. Traduzindo-se, os que vêm de famílias modestas têm em média menos probabilidade de obter um nível alto de instrução. Os que possuem baixo nível de instrução têm menos probabilidade de chegar a um status social elevado, de exercer uma profissão de prestígio e bem remunerada. É verdade também que as desigualdades são em grande medida gerada pelo jogo dos mercados:

O sistema penal de controle do desvio revela, assim como todo o direito burguês, a contradição fundamental entre igualdade formal dos sujeitos de direito e desigualdade substancial dos indivíduos, que, nesse caso, se manifesta em relação às chances de serem definidos e controlados como desviantes. (...) O direito penal tende a privilegiar os interesses das classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalização comportamentos socialmente danosos típicos dos indivíduos a elas pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação capitalista, e tende a dirigir o processo de criminalização, principalmente, para formas de desvio típicas das classes subalternas. (...) As maiores chances de ser selecionado para fazer parte da ”população criminosa” aparecem, de fato, concentradas nos níveis mais baixos da escala social (subproletariado e grupos marginais)27.

A reflexão do exposto acima nos remete a nova concepção das idéias na discussão das pretensões da sociedade, ou seja, a necessidade de uma instituição que esteja associada às garantias de igualdade das pessoas na aplicação da lei. A grande dúvida é: qual instituição estará apta a atender ao paradigma? As novas concepções trazidas como: uma polícia capaz de apresentar uma resposta eficaz no enfrentamento e controle das transgressões, a identificação dos autores em tempo hábil, respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, etc., determina o questionamento de qual polícia a sociedade precisa, inclusive se é necessária? O formato atual atende ou existe um modelo piloto a ser implantado? Quais os modelos seriam apropriados à nossa sociedade? A polícia é igual para todos? São perguntas que devem ser respondidas, mas, não como solução definitiva e sim como início de um estudo para a futura mudança nas instituições e na cultura da comunidade, definindo o tipo de delito, qual polícia e a sua função na sociedade, comunitária e/ou republicana. Na atualidade as teorias mais otimistas apostam na formação do operador como o início da reestruturação da segurança pública. Existe um desafio, a resolução dos conflitos exige integração de todos envolvidos no processo, e não a uma minoria intelectual, dever-se-á sistematizar as relações com objetivo de harmonizar as ações do executivo, legislativo, judiciário e a sociedade, através das universidades, tendo a participação popular como inovadora na apresentação de sugestões. Todos devem defender a mesma cartilha, ou seja, ter a democracia e os direitos humanos como cláusulas pétreas de qualquer mudança de paradigma.

O movimento clássico das elites quando se sentem ameaçadas, é pressionar o executivo e legislativo para adoção de medidas repressoras contra o avanço da violência. Recentemente, surgiram propostas de reforma das leis vigentes em razão de momento histórico, onde a maior cidade do país passou por agressivos ataques do PCC 28 . Previsivelmente, a saída política mais fácil é através da caneta, ou seja, mobilizando o legislativo para aprovarem em regime de urgência, leis que aguardam anos naquela casa, sendo simplório no que tange a realidade e como se a repressão legislativa 29 fosse suficiente e ao mesmo tempo eficiente para conter a violência:

Em grave equívoco incorrem, freqüentemente, a opinião pública, os responsáveis pela administração e o próprio legislador, quando supõem que, com a edição de novas leis penais, mais abrangentes ou mais severas, será possível resolver o problema da criminalidade crescente. Esta concepção do Direito Penal é falsa porque o toma como uma espécie de panacéia que logo se revela inútil diante do incremento desconcertante das cifras da estatística criminal, apesar do delírio legiferante de nossos dias. Não percebem os que pretendem combater o crime com a só edição de leis que desconsideram o fenômeno criminal como efeito de muitas causas e penetram em um círculo vicioso invencível, no qual a própria lei penal passa, freqüentemente, a operar ou como fatos criminógeno ou como intolerável meio de opressão 30.

Vinte e um anos após a exposição supra, não houve mudança em relação à “sensação de segurança” bem como a deficiente atuação dos operadores de segurança pública em enfrentar o crime, diminuindo a incidência, ao contrário, os noticiários midiáticos informam a ocorrência da “onda de violência”. Considerando-se que a superação das desigualdades sociais colabora de forma sistemática na atividade infracional em razão do disparate das oportunidades de trabalho e os baixos salários pagos ao trabalhador. Nossos “intelectuais” deverão ocupar-se com as produções científicas existentes, necessárias ao cenário nacional, buscando a melhor orientação para estratégia de uma política que estanque os ataques à paz social.

Policiamento é o zelo pela vida social, o que não pode ser dissociado de controle exercido em nome do bem comum. Ser policial é estar a serviço da segurança da comunidade. Se não houver controle sobre esse serviço prestado ao público, a delegação se transforma em fonte de poder e de lucro privado. Por isso as ouvidorias de polícia são instrumentos da sociedade que quer uma polícia-cidadã. Todavia, polícia-cidadã é uma redundância etimológica, pois Civita é uma superação da barbárie. Toda a sociedade precisa participar desse controle: os Cidadãos, a Mídia, as Instituições Sociais, as Polícias, o Ministério Público e o Poder Judiciário. Mas o controle não pode ser somente na instituição polícia, há que se criar mecanismos que se ocupem em resguardar a igualdade de todos perante a lei, atribuir esta função apenas a uma instituição seria um erro lamentável, pois estaria preconizando a sua blindagem à corrupção, ao autoritarismo, e desvios, considerando que seu quadros são compostos por seres humanos normais, portanto passiveis de falhas de caráter.

Nesse contexto, surgem novas exigências no que tange a formação dos policiais como sujeito de direito como se vê:

Conseguir transformar percepções e conhecimentos prévios dos operadores de segurança pública, fundados em paradigmas ou em visões tradicionais e ultrapassadas frente à realidade sóciopolítico e jurídica atual, eis talvez o maior desafio quando se busca implantar um novo paradigma para a área em questão, um desafio que, no âmbito da formação do policial deve buscar a integração entre ser policial, cidadão e sujeito31.

A proposta de enfretamento da violência, em substituição ao “combate ao crime” detém a aceitação popular enquanto apresenta resultados embora simbólicos, mas condizentes com a expectativa.

O Policial, numa sociedade civilizada, não pode ser jagunço do Estado, nem de qualquer mandante, nem tampouco usar do cargo público em proveito próprio. Onde isso acontece há precariedade ou ausência de controle traz a tona à síntese real da sociedade contemporânea, demonstrando que trabalhar a segurança pública inicialmente exige-se a mudança do conceito de inimigo32. As rotulações ajudam a compreender a realidade, mas também pode limitar o bandido, o marginal, o favelado etc, demonstrando como podem sofrer a segregação social. Só é aceito enquanto é igual, se não for diferente. Não há retorno às concepções conservadoras de uma doutrina de segurança nacional, que, observada imparcialmente, percebe-se que o “inimigo do Estado” não é o negro, o pobre, a prostituta ou o bandido, produto fim da sociedade moderna, mas todo aquele que não respeita os direitos humanos, todo aquele que transgride as normas, sem exclusão. O respeito àquele que está cometendo o delito tem que ser real. O agente do Estado tem que pensar como cidadão, atendendo aos anseios da sociedade com ativa participação ao atuarem não apenas repressivamente, mas, como apoio e encaminhamento na solução dos problemas da comunidade. Ainda que a realidade possa ser sempre mais complexa, não há um único caminho. Não pode o homem comum ficar a mercê da boa vontade de um ou outro profissional, deve haver uma norma que fixa padrões de atuação visando à segurança da comunidade bem como o acompanhamento daqueles que estão largados a sorte nos cárceres existentes. O fazer cumprir a lei não é a ferro e fogo, razão pela qual a evolução nos conduz a revê-las em outros tempos.

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Sobre o autor
Ricardo Venâncio de Oliveira da Silva

Delegado de Polícia Federal aposentado - agora no exercício como advogado. Pós-graduado em Segurança Pública e Direitos Humanos e Ciência Policial e Investigação Criminal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Pós-gradução em Segurança Pública e Direitos Humanos promovido pela Escola Superior Dom Helder Câmara, em 2007, como requisito parcial para obtenção do título Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos, integrando a Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública - RENAESP, sob acompanhamento e financiamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP, Ministério da Justiça.

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