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Sistema Único de Segurança Pública é avanço, mas precisa sair do papel

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O compartilhamento insuficiente de informações entre as polícias tem sido um grande obstáculo às políticas de segurança. Não pode prevalecer a visão individualista dos agentes para os quais repartir dados com outros profissionais significaria perder poder e importância.

Importante novidade trazida pela Lei 13.675/18 e regulamentada pelo Decreto 9.489/18 é o Sistema Único de Segurança Pública. Sabe-se que a segurança pública consiste em serviço público essencial, assim como a saúde e a educação, sendo todos eles mencionados pela Constituição Federal (arts. 144, 196 e 205, respectivamente). Já possuíam um sistema próprio a saúde (Sistema Único de Saúde – Lei 8.080/90) e a educação (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96). Agora chegou a vez da segurança pública, com o SUSP.

Pois bem, é indubitável que a segurança pública é questão prioritária na agenda de qualquer nação.[1] Notadamente com a evolução da criminalidade, que cresceu tanto na modalidade violenta quanto na categoria organizada. Os tradicionais mecanismos estatais de combate ao crime não são mais suficientes, de maneira que o Poder Público precisa criar novas ferramentas e melhor organizar os órgãos de segurança pública. O diagnóstico dos estudiosos é que a persecução criminal deve abandonar os métodos artesanais e voluntaristas, e adotar a tecnologia, a cooperação e o compartilhamento de informações, sempre com a valorização do profissional de segurança pública.

Nesse sentido, a finalidade do Sistema Único de Segurança Pública é realizar o serviço de segurança pública (preservação da ordem pública e apuração das infrações penais) por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social de todos os entes federados, em articulação com a sociedade. A lei reconhece o comando constitucional (art. 144 da CF) no sentido de que a segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos, compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Munícipios e os diferentes órgãos policiais, no âmbito das atribuições de cada um.

A nova legislação não cria novas polícias (e nem poderia fazê-lo à margem da Constituição), mas promove o incentivo à troca de informações e à integração das instituições de segurança pública. A atuação conjunta é elogiável, mas não tem o condão de autorizar o desrespeito á divisão de funções. A própria Lei afirma que os órgãos devem atuar “nos limites de suas competências, de forma cooperativa, sistêmica e harmônica” (art. 9º). Por isso, continua sendo vedado que uma polícia administrativa (que deve prevenir infrações penais) se arvore no papel de polícia judiciária (que tem a missão de apurar as infrações penais). Assim, por exemplo, persiste incabível que a Polícia Militar instaure inquérito para investigar homicídio praticado por miliciano contra civil[2] ou termo circunstanciado de ocorrência, panorama inalterado pela Lei do SUSP.[3]

O órgão central do SUSP é o Ministério da Segurança Pública, que deve atuar como coordenador. Isso significa que a União desempenha papel de destaque no sistema. Sabendo que possui mais recursos do que os demais entes federados, a União pode apoiar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, quando não dispuserem de condições técnicas e operacionais necessárias à implementação do Sistema Único de Segurança Pública.

Quanto à composição, os integrantes do SUSP dividem-se em duas categorias.

São integrantes estratégicos: a) União, Estados, Distrito Federal e Municípios; b) Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social (dos 3 entes federados).

Já os integrantes operacionais são: a) polícia federal; b) polícia rodoviária federal; c) polícias civis; d) polícias militares; e) corpos de bombeiros militares; f) guardas municipais; g) agentes de trânsito; h) órgãos do sistema penitenciário;[4] i) órgãos periciais; j) guarda portuária; k) Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP); l) secretarias estaduais de segurança pública; m) Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC); n) Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (SENAD).

Perceba que os órgãos operacionais são aqueles elencados no art. 144 da CF, com acréscimo de outros que, apesar de não lembrados pelo constituinte, são importantes na seara da segurança pública. Não integram o SUSP a polícia ferroviária federal (em razão de veto - apesar de ter previsão constitucional, não foi instituída por lei), a polícia legislativa (por omissão do legislador – em que pese ter previsão constitucional em artigo diverso do 144) e os órgãos do sistema socioeducativo (por causa de veto – já abrangidos no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo).

A atuação integrada e coordenada (como visto, nos limites das respectivas atribuições) abrange: a) operações com planejamento e execução integrados (podem ser ostensivas, investigativas, de inteligência ou mistas); b) estratégias comuns para atuação; c) aceitação mútua de registro de ocorrência policial; d) compartilhamento de informações, inclusive com o SISBIN (preferencialmente por meio eletrônico, com acesso recíproco aos bancos de dados); e) intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos (dentre outras formas pela reciprocidade na abertura de vagas nos cursos, observada sempre que possível, a matriz curricular nacional); f) integração das informações e dos dados de segurança pública por meio do SINESP.

O compartilhamento insuficiente de informações entre as polícias tem sido um grande obstáculo, que se origina da visão individualista de muitos profissionais, para os quais repartir dados com outros agentes públicos significa perder poder e importância. Isso se agrava com o receio da utilização das informações indevidamente, num contexto de frequente usurpação de função pública.

Anualmente o Ministério da Segurança Pública deve fixar metas de excelência para os órgãos policiais. Essa aferição precisa considerar parâmetros distintos conforme a natureza da atividade desempenhada (por exemplo, de prevenção ou investigação), bem como a estrutura de trabalho físico e de equipamentos, além de efetivo.

Formidável mecanismo criado pela lei é a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, de atribuição da União, devendo Estados, Distrito Federal e Municípios estabelecerem suas respectivas políticas, observadas as diretrizes da política nacional. A Política se assenta num tripé formado por princípios, diretrizes e objetivos.

Os principais princípios são: a) eficiência; b) proteção, valorização e reconhecimento dos profissionais de segurança pública; c) proteção dos direitos humanos; d) participação e controle social; e) transparência, responsabilização e prestação de contas.

Como principais diretrizes temos: a) atendimento imediato ao cidadão; b) planejamento estratégico e sistêmico; c) distribuição do efetivo de acordo com critérios técnicos; d) atuação integrada; e) fortalecimento das instituições de segurança pública por meio de investimentos; f) sistematização e compartilhamento das informações (inclusive com  unidade de registro de ocorrência policial).

Devem ser mencionados ainda os objetivos, que direcionam e materializam o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. São os principais: a) promover a participação social nos Conselhos de segurança pública; b) estimular a produção e a publicação de estudos e diagnósticos para a formulação e a avaliação de políticas públicas; c) estabelecer mecanismos de monitoramento e de avaliação das ações implementadas; d) estimular a criação de mecanismos de proteção dos agentes públicos que compõem o sistema nacional de segurança pública e de seus familiares; e) promover a interoperabilidade dos sistemas de segurança pública.

O mais relevante mecanismo de implementação da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social é o (a) Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. Mas existem outros instrumentos, a saber, (b) Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social (SINAPED), (c) Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e de Rastreabilidade de Armas e Munições, e sobre Material Genético, Digitais e Drogas (SINESP), (d) Sistema Integrado de Educação e Valorização Profissional (SIEVAP), (e) Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (RENAESP), (f) Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança Pública (Pró-Vida), (g) Plano Nacional de Enfrentamento de Homicídios de Jovens, e (h) Mecanismos contra lavagem de capitais.

A Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social deve ser concretizada por estratégias que garantam: a) integração, coordenação e cooperação federativa; b) interoperabilidade; c) liderança situacional; d) modernização da gestão das instituições de segurança pública; e) valorização e proteção dos profissionais; f) complementaridade; g) dotação de recursos humanos; h) diagnóstico dos problemas a serem enfrentados; i) excelência técnica; j) avaliação continuada dos resultados; k) garantia da regularidade orçamentária para execução de planos e programas de segurança pública.

Noutro giro, importante inovação da Lei do SUSP foram os Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social. Devem ser instituídos no âmbito de todos os entes federativos, mediante proposta dos chefes dos Poderes Executivos, encaminhadas aos respectivos Poderes Legislativos. Possuem natureza de colegiado, com competência consultiva, sugestiva e de acompanhamento. Suas atribuições são acompanhar dos integrantes operacionais do SUSP e recomendar providências legais às autoridades competentes. A forma de atuação é descentralizada ou congregada por região para melhor atuação e intercâmbio comunitário. A composição é plural, com representantes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (com poder de decisão dentro de suas estruturas governamentais), sociedade civil organizada e trabalhadores.

Esses Conselhos não se confundem com o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, trazido pelo Decreto 9.489/18, órgão também colegiado, mas com composição diferente. Sua finalidade é consultiva, sugestiva e de acompanhamento das atividades de segurança pública e defesa social, podendo também recomendar providências legais às autoridades.

Merece destaque, de igual forma, o mencionado Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, a ser instituído pela União, com o prazo de 10 anos (o Decreto 9.489/18 prevê ciclos de implementação a cada 2 anos). Devem ser criados planos correspondentes dos demais entes federativos em até 2 anos (seguindo a orientação nacional), sob pena de não poderem receber recursos da União para a execução de programas ou ações de segurança pública e defesa social.

Destina-se a articular as ações do poder público. Não se restringe aos integrantes do SUSP, pois deve considerar um contexto social amplo, com abrangência de outras áreas do serviço público, como educação, saúde, lazer e cultura, respeitadas as atribuições e as finalidades de cada área do serviço público. Nada mais natural, se considerarmos que a criminologia[5] demonstra que a prevenção criminal não se faz apenas pela da Polícia (prevenção secundária) e demais instâncias de controle formal, mas principalmente por intermédio da prevenção primária, materializada em políticas públicas.

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São finalidades: a) promover a melhora da qualidade da gestão das políticas sobre segurança pública e defesa social; b) contribuir para a organização dos Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social; c) assegurar a produção de conhecimento no tema, a definição de metas e a avaliação dos resultados das políticas de segurança pública e defesa social; d) priorizar ações preventivas e fiscalizatórias de segurança interna nas divisas, fronteiras, portos e aeroportos.

Avaliações precisam ser feitas anualmente pela União, em articulação com Estados, Distrito Federal e Municípios, com o objetivo de verificar o cumprimento das metas estabelecidas e elaborar recomendações aos gestores e operadores das políticas públicas. Participam do processo de avaliação: representantes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social. Como conclusão da avaliação, é imperiosa a elaboração de relatório com o histórico e a caracterização do trabalho, as recomendações e os prazos para que elas sejam cumpridas.

No que tange ao controle e transparência, a fiscalização pode ser realizada por meio de controle interno (órgãos de correição) e externo ou público (órgãos de ouvidoria). A corregedoria deve conduzir procedimentos de apuração de responsabilidade funcional, devendo os titulares exercer suas atribuições preferencialmente por meio de mandato (segundo disciplina o Decreto 9.489/18). A ouvidoria, a seu turno, tem que receber e tratar de representações, elogios e sugestões de qualquer pessoa, devendo encaminhá-los ao órgão com atribuição para as providências legais e a resposta ao requerente.

A Lei 13.675/18 fala ainda da padronização dos documentos funcionais dos profissionais de segurança pública (que terão fé pública e validade em todo o território nacional) mediante ato do Ministro de Estado da Segurança Pública.

Por fim, duas das principais novidades da Lei, que procuravam atacar um dos fundamentais problemas na área de segurança pública (falta de investimentos), foram vetadas.

A primeira dizia respeito ao reajuste remuneratório e progressão funcional. Foi vetado dispositivo que estabelecia incentivo à aplicação de reajustes de valores e critérios de progressão funcional iguais por ocasião da revisão dos planos de cargos e salários.

A outra falava sobre financiamento e transferências de recursos. Vetou-se o dispositivo sobre os fundos de financiamento da segurança pública e defesa social, que assegurava transferências obrigatórias de recursos fundo a fundo, abrangendo o Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN (Lei Complementar 79/94) e o Fundo Nacional de Segurança Pública - FNSP (Lei 10.201/01).

A Lei do SUSP representa sim um avanço na abordagem do tema segurança pública, pauta prioritária da sociedade. Contudo, a simples edição de uma lei, por melhor que seja, não tem a força para resolver automaticamente o problema que se dispõe a solucionar. É preciso que o Poder Público efetivamente tome as iniciativas para fazê-la sair do papel e realize os investimentos para tornar a legislação realidade. Sob pena de termos mais uma lei meramente simbólica, carente de efetividade, como tantas outras no Brasil.


Notas

[1] Por isso mesmo coordenamos pós-graduação específica sobre a temática segurança pública, pelo CERS: bit.ly/pospolicial

[2] HOFFMANN, Henrique. Investigação de Homicídio Praticado por Policial Militar Contra Civil. In: HOFFMANN, Henrique. et al. Investigação Criminal pela Polícia Judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 152-159.

[3] HOFFMANN, Henrique. Atribuição para Confecção de Termo Circunstanciado de Ocorrência. In: HOFFMANN, Henrique. et al. Investigação Criminal pela Polícia Judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 129-136.

[4] Foi vetado o dispositivo que considerava de natureza policial a atividade exercida pelos agentes penitenciários, levando em conta que o STF (ADI 236) considerou que a atividade de vigilância intramuros nos estabelecimentos penais não possui essa natureza..

[5] FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique. Criminologia. Salvador: Juspodivm, 2018.

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Sobre os autores
Henrique Hoffmann

Professor e coordenador de pós-graduação do CERS. Autor de livros e coordenador de coleção pela Juspodivm. Colunista do Conjur e da Rádio Justiça do STF. Professor da Escola da Magistratura Mato Grosso, Escola da Magistratura do Paraná, Escola Superior de Polícia Civil do Paraná e SENASP. Coordenador do IBEROJUR no Brasil. Mestre em Direito pela UENP. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UGF. Bacharel em Direito pela UFMG. Delegado de Polícia Civil do Paraná. Premiado como melhor Delegado de Polícia do Brasil na categoria jurídica. Publicou mais de 25 livros e 70 artigos, e proferiu mais de 60 palestras em 17 estados. www.henriquehoffmann.com

Eduardo Fontes

Professor e coordenador de pós-graduação do CERS. Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pelo Ministério da Justiça. Coordenador do IBEROJUR no Brasil. Aprovado nos concursos de Procurador do Estado de São Paulo e Delegado de Polícia Civil no Paraná. Delegado de Polícia Federal. Premiado como melhor Delegado de Polícia do Brasil na categoria jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Henrique Hoffmann ; FONTES, Eduardo. Sistema Único de Segurança Pública é avanço, mas precisa sair do papel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5698, 6 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71802. Acesso em: 21 nov. 2024.

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