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Direito de laje: da teoria ao registro

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14/02/2019 às 13:35
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2. CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITO DE LAJE

A previsão legal da instituição do direito de laje, contemplada no Código Civil, a partir do artigo 1.510-A, traz as diretrizes básicas para que tal direito seja regularizado, pondo fim à impossibilidade de transformar em direito real, registrável, as situações de fato existentes sobre o solo. O citado artigo (1.510-A) diz que “o proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”.

Deduz-se, que a intenção foi proporcionar a possibilidade da cessão da laje, isto é, do espaço sobre (ou sob) o qual o cessionário irá construir sua unidade. Entretanto, o legislador empregou o verbo manter, o que deixa margem de dúvida sobre a possibilidade de haver a cessão somente do espaço nu sobre a laje ou se poderá ser de área já construída.

É de se entender que, não havendo vedação expressa, como no caso do direito de superfície, onde o legislador foi categórico ao vedar este direito sobre área construída, é possível a instituição do direito sobre a laje onde já exista a unidade construída, devendo ser feitas as adequações necessárias, como, por exemplo, a individualização do acesso ao pavimento objeto do contrato.

Embora a forma contratual em nosso ordenamento jurídico seja livre, como direito real que é, portanto, sujeito à registro imobiliário, o instrumento de transmissão do direito de laje deverá se dar por escrito. A lei não expressa a forma que deverá atender o contrato: se pública ou particular.

O Código Civil no artigo 108 estabelece que “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. Na lei que reconheceu este novo direito real, não há referência expressa à forma, portanto, depreende-se que, caso o direito sobre a laje for transmitido por valor superior a trinta salários mínimos, deverá ser feito por escritura pública. Caso contrário, o contrato de cessão de direito de laje poderá ser feito por instrumento particular.

2.1. Adequação das leis (municipais e estaduais) para tributação e atendimento ao Plano Diretor

O direito real de laje reflete diretamente nas normas municipais, uma vez que a Constituição Federal, no artigo 156 estabelece que: “compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”. Desta forma, o Código Tributário Municipal deverá se adequar para abrigar a previsão do direito real de laje, tanto no que diz respeito ao recolhimento de IPTU, quanto ao ITBI, quando houver transmissão deste direito. Isto, quando a cessão de direito real de laje se der pela forma onerosa.

Em se tratando de transmissão à titulo gratuito, a competência tributária é deferida ao Estado-membro, de forma a atender ao comando constitucional do artigo 155 da Constituição Federal, que reza: “compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos”. Assim, o ITCD ou ITCMD, é imposto estadual, a ser recolhido em caso de transmissões gratuitas.

Também o plano diretor do município deverá ser complementado, com a previsão deste direito real, inclusive estabelecendo os limites em que se dará a autorização para construir, o percentual a ser deferido, entre outras regras que deverão ser observadas, com relação ao que permitem ou não as regras municipais.

2.3. Transmissão do direito real de laje de ascendente para descendente

Um ponto que desperta atenção é o fato do direito real de laje ter a proposta de regularizar situações que existem de fato, tendo parte da doutrina considerado que este direito veio para solucionar o chamado “puxadinho”. Na realidade, ´bem mais complexo e abrangente que isto. Veja-se, por exemplo, uma situação bastante comum: pais autorizam o filho a construir sobre o seu prédio, por questões de economia, segurança, afeto, etc. Antes da entrada em vigor da lei que introduziu o direito real de laje, a solução para que fosse possível que a construção do filho fosse individualizada, era a instituição de condomínio edilício, atribuindo a ele fração ideal no terreno e nas coisas de uso comum.

Agora, com a lei que autoriza, podem os pais instituirem ao filho o direito real de laje, de forma que o mesmo construa e tenha uma matrícula individual de sua unidade.

Quando se tratar de cessão gratuita de direito de laje, assemelha-se à doação. Neste caso, deverá ser transmitida em adiantamento de legítima, ou, se da parte disponível, deverá respeitar a legítima dos demais descendentes, nos termos dos artigos 544 e 2.005 do Código Civil.

Entretanto, se a cessão de direito real de laje, de ascendente à descendente, se der por forma onerosa, deve haver a anuência dos demais, nos termos do artigo 496 do Código Civil, pois “é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.”

Embora não seja tecnicamente uma venda, a transmissão onerosa implica em pagamento de valores, por esta razão, deve ser aplicada a regra do artigo 496 da legislação civil, para evitar prejuízos, fraudes ou a anulabilidade do contrato.


3. REGISTRO DO CONTRATO

Por força do que determina o parágrafo 3º do artigo 1.510-A, do Código Civil, os titulares da laje terão sua unidade imobiliária autônoma, constituída em matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca (artigo 176, 3º, Lei 6.015/73).

Desta forma, atendidos os requisitos do contrato de cessão de direito de laje, o título será levado ao registro de imóveis da situação dos bens, para que seja aberta matrícula correspondente à laje, para posterior averbação da construção.

Na matrícula do imóvel originário, chamado de construção-base, será feita a averbação de que sobre (ou sob) ele, existe instituído o direito real de laje, referindo o número a matrícula aberta para tal direito. Tantas quantas forem as lajes, serão as novas matrículas abertas. Em todas elas, deverá haver a remissão às demais, bem como no imóvel que deu origem à constituição deste direito.

Para registrar o contrato e abertura da matrícula referente à laje, a princípio, devem ser atendidos os mesmos requisitos registrais dos outros direitos reais, como a compra e venda, doação,etc.

Por exemplo, como já dito acima, obedecer à forma do contrato, se pública ou particular, conforme o valor; apresentar o imposto de transmissão (ITBI ou ITCD), conforme seja onerosa ou gratuita; as certidões negativas previstas em lei.

O título apresentado será protocolado e analisado, ocorrendo o registro e abertura de matrícula, caso preencha todas as formalidades da Lei dos Registros Públicos- LRP (Lei 6.015/73).

Caso algum dos requisitos não seja cumprido, será impugnado o registro e devolvido o título ao apresentante, para que sane as divergências encontradas, pois, havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito (artigo 198, primeira parte, LRP). “Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la (artigo 198, LRP, parte final).

Isto significa que, caso o registrador de imóveis rejeite o registro do título e a consequente abertura da matrícula, o apresentante (que poderá ser o cessionário ou um terceiro), terá duas possibilidades: cumprir as exigências apresentadas pelo ofício registral ou não se conformar com elas, suscitando dúvida.

Explicando o que é a dúvida registral, Blaskesi (2018, p. 45) assim esclarece:

Uma vez apresentada toda a documentação exigida e cumpridas, na visão do requerente todas as formalidades da lei, e impugnando o registrador o feito, poderá ser, então, suscitada a dúvida, ao próprio oficial, o que ocasionará a remessa da documentação para a análise do juiz, que poderá, por sentença, julgar improcedente a dúvida, determinando o registro. Sendo a sentença procedente, significará que não há o preenchimento dos requisitos para o registro.

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O registro será feito, caso atenda os requisitos registrais, tendo, assim, o cessionário, o direito real de laje, o que lhe dá a possibilidade de oponibilidade erga omnes, bem como dá-lo em garantia, resultando assim, no atendimento da função social da propriedade, garantida constitucionalmente, além da segurança jurídica para ambos, cedentes, cessionários e para todos, visto que tal direito terá a publicização no registro de imóveis.


CONCLUSÃO

Ao observar as mudanças legislativas, nota-se que há uma preocupação em solucionar os problemas que ocorrem no cotidiano das pessoas e, embora o direito não acompanhe as necessidades e nem a evolução dos costumes e dos próprios direitos, nos últimos anos, vários institutos foram criados ou incorporados ao ordenamento jurídico, proporcionando que, situações que existem de fato possam existir na esfera legal.

O direito real de laje é um típico exemplo. De fato, as construções sobre lajes alheias existem há muito tempo, o que a doutrina denomina de “puxadinho”. Estas construções irregulares trazem insegurança jurídica, perigo à segurança material, além de desatender a função social da propriedade.

Ao possibilitar que sejam regularizadas as unidades existentes sobre a laje, com abertura própria, embora sem atribuição de fração ideal de terreno e nas coisas de uso comum, o legislador permitiu que, de forma relativamente simples, o investimento feito pelo lajista, além da sua possibilidade de ter a segurança de que o bem é “seu”, embora não seja um típico direito de propriedade, contribui para que haja o atendimento a diversos preceitos e direitos constitucionais, entre eles, o direito à moradia, dignidade da pessoa humana e função social da propriedade.

A legislação é silente em vários pontos, deixando para a interpretação doutrinária e jurisprudencial alguns aspectos levantados no artigo, como a forma do contrato, a necessidade de previsão nos Códigos Tributários Municipais da exigência de ITBI ou ITCD (ITCMD), no caso dos Estados, as adequações dos Planos Diretores, a anuência dos demais descendentes, no caso de transmissão onerosa de ascendente para descendente e a verificação da implementação dos requisitos da Lei dos Registros Públicos, no momento do registro e abertura de matrícula.

Mesmo assim, é um avanço na forma de encarar o direito de propriedade, possibilitando esta relativização, proporcionando que muitas situações irregulares, de construção sobre laje alheia, sejam, enfim, solucionadas, permitindo que o adquirente de tal direito obtenha o registro de sua unidade.


REFERÊNCIAS

BLASKESI, Eliane. Evolução da Usucapião: da judicial à extrajudicial. 3. ed Bagé, RS: Ediurcamp, 2018

CARDOZO, Giuliana Vieira de Sá. Direito real de laje: sua instituição independe do respeito às normas urbanísticas municipais. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61504/direito-real-de-laje-sua-instituicao-independe-do-respeito-as-normas-urbanisticas-municipais>. Acesso em 30 jan 2019

GAGLIANO, Pablo Stolze ; PAMPLONA FILHO. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2017.

GAGLIANO, Pablo Stolze; VIANA, Salomão. Direito real de laje: finalmente, a lei! 2017. Disponível em: https://www.brasiljuridico.com.br/artigos/direito-real-de-laje-finalmente-a-lei-por-pablo-stolze-e-salomao-viana

LÔBO, Paulo. Direito Civil: Contratos, volume 3. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018

STOLZE, Pablo. Direito real de laje: primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4936, 5 jan. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54931/direito-real-de-laje-primeiras-impressoes>.

TARTUCE, Flavio. Direito Civil: Direito das Coisas.8 ed. São Paulo: Forense, 2016

TARTUCE, Flávio. Medida Provisória Introduz o Direito Real de Laje no Código Civil: Disponível em: https://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2016/12/medida-provisoria-introduz-o-direito.html.

TARTUCE, Flavio. Direito Real de Laje a luz da Lei 13.465/2017 – nova hermenêutica <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/478460341/direito-real-de-laje-a-luz-da-lei-n-13465-2017-nova-lei-nova-hermeneutica>

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito real de laje (criado pela lei 13.465 de 2017). 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI[267]743,91041-direito+real+de+laje+criado+pela+lei+13465+de+2017

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Sobre a autora
Eliane Blaskesi

Maria Eliane Blaskesi Silveira. Nome bibliográfico para citações: BLASKESI, Eliane. Bacharela em Direito pela Universidade da Região da Campanha- URCAMP, Especialista em Direito Notarial e Registral, pela PUC/MG, Especialista em Direito Processual Civil pela UNISC, Especialista em Formação de Professores para a área jurídica superior pela LFG/Anhanguera, Mestra em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul- UCS, Pós-graduanda em Metodologias Ativas de Aprendizagem pela Urcamp/Uniamérica;Tabeliã de Notas e professora universitária do Curso de Direito da URCAMP/Campus Alegrete/RS. Autora de vários artigos publicados e do Livro Evolução da Usucapião: da judicial à extrajudicial, que já está em sua 4ª edição. Autora do Livro Estatuto da Cidade e a Inclusão da área rural no Plano Diretor e do Livro Direito de Laje: o longo Caminho da Teoria à Prática. E-mail: [email protected]. Whats app 55 9 99918551. Instagran: Eliane Blaskesi. Canal You Tube: Professora Eliane Blaskesi. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7325639277704271

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BLASKESI, Eliane. Direito de laje: da teoria ao registro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5706, 14 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71855. Acesso em: 26 abr. 2024.

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