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Direito real de laje: sua instituição independe do respeito às normas urbanísticas municipais.

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Este trabalho visa mostrar que o direito real de laje existe independentemente do respeito às normas urbanísticas municipais. Além disso, faz-se a diferenciação entre a mera existência do direito de laje e a efetiva ocupação da laje.

A elaboração do presente trabalho teve como motivo a ausência de artigos jurídicos sobre a recentíssima Lei n.º 13.465/2017, haja vista seus poucos meses de entrada em vigor. Em que pese ainda pouco abordada pela Academia, essa Lei trouxe uma importante implicação prática para os Cartórios de Registro de Imóveis e ainda incorporou na Lei de Registros Públicos um novo direito real passível de chancela Registral.  


1. Introdução.

A Medida Provisória nº 759/2016 foi convertida na Lei n.º 13.465, de 12 de julho de 2017, que veio disciplinar o direito de laje, acrescentando importantes dispositivos no Código Civil e na Lei de Registros Públicos, permitindo aos registradores de imóveis a abertura de matrícula própria para a instituição desse direito real.


2.Nomenclatura.

Apesar de o Legislador optar pelo termo “laje”, esse nome não é o mais correto - pois  esse direito real também se aplica a construções subterrâneas, como garagens por exemplo, porque o que a Lei considera é o solo e não  somente andares construídos acima de propriedade. Dessa forma, preferimos o termo do direito lusitano - “sobrelevação”, por ser mais técnico e abranger o Direito real de superfície (que engloba a superfície e o subsolo). Assim, ainda que o Código Civil tenha utilizado o termo “laje”, tal direito real implicitamente abrange os respectivos espaços aéreo e subterrâneo da propriedade.


3.Natureza Jurídica.

A Lei 13.465/2017, em respeito ao princípio da taxatividade que regra a existência dos direitos reais, incluiu o inciso XIII no art. 1.225 do Código Civil, instituindo a laje como DIREITO REAL.

A mesma lei incluiu os artigos 1.510-A e seguintes no corpo da Codificação Civil, trazendo normas específicas acerca deste importante direito real.

O titular do direito de laje possui todos os poderes inerentes à propriedade (usar, gozar e dispor), conforme art. 1.510-A, § 3º, do Código Civil em vigor, in litteris:

Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.                

(...)

§ 3o  Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor.

A natureza jurídica de direito real também é aferida pela disposição do §9º, do Art. 176, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973  (Lei de Registros Públicos - LRP), que permite a abertura de matrícula própria para a constituição do direito de laje:

Art. 176. (…)

§ 9º A instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca.

Veja que o Cartório de Registro de Imóveis conferirá uma matrícula própria à laje, em consonância com o princípio registral da unitariedade ou unicidade matricial: a cada imóvel deve corresponder apenas uma matrícula. Isso afasta qualquer dúvida em relação à natureza real do Direito de Laje.


4.Normas urbanísticas

O Código Civil no art. 1.510-A, §§ 5º e 6º, vaticina que o direito real à exploração da laje ou do subsolo depende da observação de normas urbanísticas. Vejamos:

Art. 1.510-A.  O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

 (...)

§ 5o  Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.          

§ 6o  O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes.               

Registradores de Imóveis começaram a questionar se seria necessária prévia autorização do Poder Público Municipal que atestasse a congruência do direito de laje com as normas urbanísticas locais para registrar o ato de instituição do referido direito real.

Entendemos que inexiste óbice que impeça o Registrador de proceder ao registro do ato que constitui o Direito Real de Laje, ainda que não exista prévia autorização do município.

Na prática, se uma pessoa for ao CRI (Cartório de Registro de Imóveis) no intuito de registrar um direito real de laje, poderá fazê-lo, ainda que naquele momento as regras urbanísticas do município não permitam a construção no imóvel-base. Seria a hipótese de investimento para uma futura exploração do direito de uso, gozo e fruição do direito de laje.

Nesse mesmo sentido, o ilustre Professor Flávio Tartuce:

 “Em resumo, “as regras urbanísticas não impedem a constituição do direito real de laje, mas apenas a averbação de futuras construções feitas pelo seu titular. O que a Municipalidade pode restringir é o uso da laje ou a edificações sobre elas, mas não impedir a mera constituição de um direito real de laje.”

Observe que o Registrador pode registrar o Direito Real de Laje independentemente de autorização do Poder Municipal para construir; porém a averbação da construção somente poderá ser feita com a apresentação do “habite-se” ou autorização do Poder Público Municipal. Isso porque o registro do Direito de Laje, ainda que formalmente obtido por meio do registro, por si só, não autoriza a construção.

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Por óbvio, a permissão para construir depende das regras urbanísticas que deverão autorizar (ou não) o exercício desse direito de edificar. Da mesma forma, a ocupação da laje depende de autorização do Poder Público Municipal.


5. Conclusão

Por todo o exposto, pode-se afirmar que o Registrador de Imóveis não precisa observar as regras urbanísticas para registrar o Direito Real de Laje; porém, a averbação de construções futuras dependem, sim, do “habite-se” ou outro documento autorizativo da municipalidade.


Referências Bibliográficas:

STOLZE, Pablo. Direito real de laje: primeiras impressões.

Revista Jus Navigandi <https://jus.com.br/artigos/54931/direito-real-de-laje-primeiras-impressoes>. Acesso em 14 set.2017.

TARTUCE, Flavio. Direito Real de Laje a luz da Lei 13.465/2017 – nova hermenêutica <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/478460341/direito-real-de-laje-a-luz-da-lei-n-13465-2017-nova-lei-nova-hermeneutica>. Acesso em 14 set. 2017

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Salvador: Juspodivm, 2014, v. 5.FIUZA, César. Direito civil-Curso completo. 18. ed., São Paulo: RT, 2015

SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates Castanheira. O direito de superfície na legislação brasileira. Boletim do IRIB em Revista, São Paulo, ed. 325, p. 88-97, mar-abr. 2006.

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Sobre a autora
Giuliana Vieira de Sá Cardozo

Oficial de Registros Públicos, Titular do Cartório de Registros de Imóveis Títulos e Documento e das Pessoas Jurídicas da Comarca de Conde - BA, Membro Fundador do IRTDPJ-BA (Instituto de Registros Públicos e Títulos e Documentos do Estado da Bahia), Graduada pela UCSAL (Universidade Católica do Salvador), Pós-graduada em Direito Processual Civil pela UCSAL e em Direito do Trabalho pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Ex-Procuradora do Município.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOZO, Giuliana Vieira Sá. Direito real de laje: sua instituição independe do respeito às normas urbanísticas municipais.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5275, 10 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61504. Acesso em: 29 mar. 2024.

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