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Criminal profiling

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3 A COMPREENSÃO DAS CIÊNCIAS CRIMINAIS: BREVES CONCEITOS

A princípio, convém mencionar que as ciências criminais se relacionam entre si, mas o campo de atuação entre elas é autônomo, ou seja, cada uma analisará o comportamento criminal buscando compreender as causas do crime segundo suas próprias ferramentas. No caso do Criminal Profiling é necessário averiguar tanto os vestígios visíveis quanto os não visíveis. O último é embasado em provas não físicas, como por exemplo: o local onde o crime foi cometido, a escolha da vítima, a personalidade do infrator etc.

Essas informações serão levantadas como objetivo de que facilitar o processo de investigação. No que concerne aos elementos visíveis, trata-se das provas físicas, que serão investigadas pelos peritos forenses, a exemplo do sangue, suor, saliva, sêmen etc.

3.1 Criminologia

O estudo da ciência criminológica contemporânea está centrado na compreensão profunda do ato delinquencial a fim de combatê-lo, ocorre que, para que seja compreendido é necessário que se entendam primeiramente a conduta do ofensor, nesse sentido, o criminólogo deve estudar a vítima, o ofensor e o controle social.

Ensina Shecaira (2014, p. 36) que “não se pode deixar de atribuir relevância ao fato de que, no Brasil, raramente o estudo da criminologia integra o currículo mínimo das faculdades de Direito, dentro de uma velha visão positivista e isolacionista do direito”. A grade curricular nas faculdades de Direito em nível de graduação não é integrada pela ciência criminológica, desse modo, os acadêmicos ficam adstritos numa visão positivista e isolacionista do Direito e o único momento que se entra em contato com a matéria é na pós-graduação.

Nesse diapasão, o injusto penal deverá ser analisado de maneira extensiva e não apenas restritiva, ocorre que esta última está tão somente atrelada a uma análise do ilícito conforme a literalidade da lei penal. A forma extensiva analisará de antemão o criminoso com base em conhecimentos científicos das ciências criminais e sociais.

No mesmo sentido, a compreensão técnica-científica da aplicação do Direito Penal deverá estar abarcada de forma extensiva, não bastando o conhecimento das normas do ordenamento jurídico brasileiro. Assim, é necessário que se compreenda o fenômeno criminal por inteiro.

As limitações do estudo da temática dentro do Direito comprovam, mais uma vez, que a criminologia contemporânea e o Criminal Profiling não são valorizados no âmbito acadêmico, profissional e científico, estando esse último em desvantagem, pois o Perfilamento Criminal não é considerado uma ciência.

3.2 Psicologia investigativa

Inicialmente, a psicologia investigativa tem como base principal o estudo do comportamento criminal, bem como os fatores que influenciam a criminalidade, desde a infância até a vida adulta, tendo em vista que não se tem um fator específico para determinar a causa do crime, pois as experiências de vida tendem a ser diferente para cada ofensor.

Na abordagem de Pereira (2011, p.13), a Psicologia e a Criminologia estudam “desde os fatores biológicos, bioquímicos até os aspectos psicossociais considerando toda a trajetória do ser, da sua formação na infância até a vida adulta”. Sendo assim, a infância poderá influenciar os atos delinquenciais da vida adulta, no entanto, o crime será investigado através do caráter biopsicossocial, ou seja, do ponto de vista biológico, psicológico e social.

Várias nuances deverão ser analisadas, por exemplo: as negligências sofridas na infância e a influência do meio social etc. De fato, o estudo deverá ser aprofundado, a fim de que se entendam a causa do cometimento dos crimes, dessa forma, se percebe que as duas disciplinas citadas acima têm pontos em comum tal qual o estudo da causa dos atos delinquenciais.

Nesse sentido, se constata a importância da inter-relação de várias ciências que integram o Direito Penal, pois auxiliarão na investigação, todavia, são muitos os elementos a serem analisados na compreensão do psiquismo humano, a exemplo dos fatores biológicos, pessoais, culturais, ambientais, psicológicos e sociais, sem haver nenhum privilégio entre eles.

Segundo Heusi (2016, s/p), “não se deve comparar o perfilamento criminal ao psicológico, que se refere ao diagnóstico de um paciente. Diferentemente deste perfil, o perfilamento criminal não trabalha com um paciente em questão e sim, com o exame de um crime”. Ou seja, há convergências entre o perfilamento criminal e o psicológico humano, pois ambos analisarão a conduta do homem, no entanto, há uma diferenciação, o Criminal Profiling examinará a ação criminosa do ofensor. Registre-se que é crucial o perfilador interpretar as evidências comportamentais do sujeito criminoso, pois somente de posse dessas interpretações é que se poderá gerar uma descrição não apenas psicológica individual, mas também passível de exibir comportamentos criminais.

Há uma distinção entre a forma de atuação daquele que fará o perfilamento criminal com o psicológico, evidencia-se que esse último se refere ao diagnóstico de um paciente individual. Já o Criminal Profiling tem a função de examinar o crime, a fim de interpretar as evidências comportamentais com o objetivo de determinar uma possível descrição psicológica do sujeito, que supostamente tenha praticado o injusto penal.

Relata Venturini (2017, p.108) que “o paradigma científico implica que os fenômenos devem ser selecionados, filtrados e moldados por instrumentos técnicos”. De certo que a análise do fenômeno criminal deverá ter base em instrumentos técnicos, a partir disso, o juízo de possibilidade do magistrado estará amparado pelas perícias técnicas científicas. Os investigadores deverão, assim, conhecer os fatos para depois empregarem os instrumentos técnicos científicos uma vez que os pareceres e diagnósticos prestados ao Estado-Juiz decidirão a vida do suposto criminoso, dessa forma, os fenômenos devem ser filtrados, selecionados e moldados por tecnologias científicas, visto que, essas ajudarão na elucidação do crime.

Argumenta Heusi (2016, s/p) ainda que “o motivo da escassez de trabalhos técnicos-científicos a seu respeito pode também ser atribuído ao número insuficiente Psicólogos que atualmente estão inseridos na Segurança Pública”.  Ocorre que, atualmente, as profissões à disposição para a população no âmbito acadêmico são variadas, o que possibilita a escolha da área conforme a afinidade de cada pessoa, mas seria importante o incentivo das especialidades que estudam o comportamento humano como forma de despertar o interesse da coletividade por assunto tão importante para o ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme Heusi, no âmbito da Segurança Pública há poucos psicólogos que atuam na seara criminal e, a partir disso, se constata a escassez de trabalhos técnico-científicos sobre Criminal Profiling, acontece que, se não tem psicólogos que trabalhem neste, consequentemente, se tornará dificultoso a formação de psicólogos investigativos. 

Desta forma, a inviabilidade de conhecimentos afeitos ao Criminal Profiling e de profissionais no âmbito da Psicologia torna decadente o desenvolvimento do primeiro, pois, se é inviável a formação de novos profissionais nessa área, consequentemente, a construção de um saber científico tornar-se-á cada vez mais escassa, tanto no que concerne à psicologia clínica como na investigativa, justamente por causa do número insuficiente de psicólogos inseridos na Segurança Pública.

 O Decreto nº 53.464/1964, em seu art. 4º, alínea 6ª (BRASIL, 1964, s/p), expõe as funções dos psicólogos: “realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de psicologia”. Em relação a realização da perícia pelo psicólogo é importante frisar que eles deverão agir somente dentro de suas atribuições, tal como: realizar perícia psicológica no homem criminoso e, quando necessário, contribuir com as outras ciências criminais e sociais a fim de que se chegue a um ponto comum na investigação, qual seja, a descoberta do perfil do ofensor.

Já a Resolução nº 017/2012, em seu art. 3º determina que “o trabalho pericial poderá contemplar observações, entrevistas, aplicação de testes psicológicos, utilização de recursos lúdicos e outros instrumentos, métodos e técnicas reconhecidas pela psicologia” (BRASIL, 2012, s/p, grifo nosso). Nesse passo, segundo a resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFM), o psicólogo poderá atuar em inúmeros contextos no âmbito pericial, ocorre que a referida resolução expõe o termo outros instrumentos” no sentido de que se poderá viabilizar o uso de técnicas específicas utilizadas no levantamento de um perfil criminal, tais como exames de fotografia, perfis das vítimas, relatórios policiais, declaração de testemunhas, bem como a reconstrução da sequência comportamental do crime.

3.3 Psicanálise

A psicanálise estudará a estrutura subjetiva do criminoso e a ação criminosa, logo serão analisados os campos interno e o externo do suposto delinquente, sendo o mais importante o interno, pois esse é o mais escuso diante dos olhos dos leigos. Assim, os psicanalistas poderão detectar tal ponto obscuro, pois conhecem os métodos científicos a serem empregados em cada caso.

Dispõe Ceccarelli (2013, p.414) apud Lacan (1950/2003, s/p) que ‘‘as contribuições psicanalíticas são de grande utilidade para a criminologia, pois permitem as indicações possíveis do tratamento do criminoso, graças à compreensão de sua estrutura subjetiva”. Para tanto, compreender a estrutura do psiquismo do sujeito criminoso é tarefa complexa, entretanto, as contribuições da psicanálise será de grande utilidade na compreensão do comportamento criminal através da análise intersubjetiva de cada ofensor.

Dois elementos da estrutura subjetiva estudados pela Psicanálise devem ser elencados: o consciente e o inconsciente, com destaque para esse último, pois a mente do homem criminoso poderá ser afetada de forma mais drástica pelos elementos do inconsciente, uma vez que o objeto de desejo tem grande interferência nas condutas e comportamentos humanos, nesse caso, o elemento que compõem o inconsciente é o “interno” assim, aquilo que o ofensor deseja poderá estar dentro dele e pode ser tão vasto que poderá ocasionar o crime arquitetado, as escusas, sem deixar vestígios de querer e intenção.

Na concepção de Bandeira et al (2017, p.43), “a doutrina criminológica observa com muito cuidado e muita preocupação a relação entre a criminologia e outros campos do conhecimento, tais como a psicanálise, a psicopatologia e a psiquiatria”. Há um diálogo entre esses saberes, pois as ciências descritas acima analisam o mal-estar contemporâneo, logo cada uma dará a sua contribuição para desvendar a ação criminosa. A Psicologia, a Psiquiatria Clínica e a Forense estudarão as psicopatologias, nas quais detectarão a doença mental, caso exista, no entanto, somente os psiquiatras clínicos ou forenses poderão realizar o tratamento medicamentoso para as enfermidades da psique do ofensor.

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Questiona Siqueira (2015, p.148) sobre a subjetividade do criminoso “qual ponto da subjetividade foi tocado e produziu esse ato como resposta”. Ocorre que essa noção psicanalítica poderá implicar na responsabilização do homem criminoso, pois objetivará analisar a causa do ato delinquencial por meio da estrutura da subjetividade do agressor.

Também devem ser analisados os agentes externos que poderão contribuir para o desenvolvimento de atitudes criminosas, a exemplo de negligências sofridas na infância e no seio social. Esses elementos podem, eventualmente, afetar a subjetividade do criminoso, além do mais, a motivação do crime poderá possivelmente ter vinculação com os fatores inconscientes e internos, mas para se chegar a um termo é necessário analisar caso a caso uma vez que os seres humanos tendem a responder de forma diferente às experiências da vida.

Continuando a análise, para Clementino (2014, p. 17) “nada acontece por acaso dentro dos processos mentais. Cada manifestação da mente é resultado de uma atividade consciente ou inconsciente”. Saliente-se que os conceitos elencados pelo autor merecem ser explicados. Assim, o consciente é aquela parte da mente capaz de perceber sentimentos, pensamentos, lembranças e fantasias, já o inconsciente refere-se ao material que não está disponível à consciência, sendo detectado por meio dos atos falhos e da análise do passado do paciente e da confrontação das contradições no discurso do mesmo. Lançar mão desse conhecimento vem contribuindo para definir o perfil criminoso de suspeitos.

Ensina Oliveira (2011,p.9-10) que os “instrumentos teórico práticos que a psicanálise e a psicologia podem propiciar ao Direito na tentativa de entendimento dos traços intersubjetivos do sujeito jurídico é o uso das técnicas e instrumentos de avaliação do perfil psicológico”. Assim, o perfil psicológico que a Psicanálise e a Criminologia traçarão será do agente delituoso imputável e inimputável. Em razão disso, serão utilizados todos os instrumentos teóricos e práticos para a avaliação do perfil do suposto agressor da norma penal a fim de que se entendam seu traço intersubjetivo quando diante de um crime violento.

Saliente-se que esse traço intersubjetivo do indivíduo deverá ser investigado de forma individualizada, por conta de o homem criminoso ser complexo, podendo resultar em diagnósticos diversos, pois as personalidades são únicas.  Entretanto, possivelmente, poderá haver divergências ou convergências na análise dos traços subjetivos dos supostos ofensores.

No entendimento de Feldens (2011 p. 51), “por sua natureza interdisciplinar e carência de identidade epistemológica, o saber criminológico, tanto quanto o psicanalítico se mostra predisposto à construção de uma perspectiva transdisciplinar”. Nesse ínterim, a Criminologia e a Psicanálise têm natureza multifacetada, pois investigarão a ação criminosa, desde a origem da infância até a vida adulta, no entanto, elas têm carência de identidade cientifica , mas ambas analisarão o homem criminoso de forma mais profunda, no qual se predispõem a construção de outra perspectiva, nesse caso, a transdisciplinar, em virtude disso, não se restringirão ao seu conteúdo disciplinar e propõem um diálogo entre outros campos do saber que envolve as ciências criminais e sociais a fim de que se compreendam o ato delitivo.

3.4 Política Criminal

Primeiramente, o poder público deveria se preocupar em combater o ato delinquencial através de políticas públicas voltadas para a infância, pois nesse estágio da vida os menores têm os comportamentais iniciais de condutas desviantes.

Na Concepção de Paula (2013, p.39) acerca da Política Criminal é importante combater “desde a raiz do problema, ou seja, a educação, o emprego, a moradia, a segurança; aqui a uma luta incessante para que o Estado, de forma rápida implemente a prevenção”. Nesse caso, o Estado deverá implementar políticas públicas a fim de prevenir o cometimento dos crimes investindo nas áreas básicas que dão sustentação para a qualidade de vida do povo brasileiro. Sendo que nenhum fator específico elencado por Paula prepondera como causa da criminalidade, desse modo, cada caso deverá ser averiguado em separado.

Assim, os pequenos traços comportamentais desviantes deverão ser acompanhados por profissionais qualificados, tais como psicólogo, psiquiatra, psicanalista, assistente social desde a infância. Ocorre que o Estado não está preocupado em descobrir a raiz da delinquência e buscar a prevenção da causa da prática delituosa, logo, o objetivo central daqueles que detém o poder é criar tipos penais, criminalizar as condutas dos que se enquadrarem nos descritores do Código Penal, sem se preocupar com a prevenção dos primeiros indícios de conduta desviante externadas pelos menores na infância.

Uma das formas de prevenção do crime é o investimento no ensino de base, assim será possível evitar que o infante venham a se tornar elementos perigosos  no futuro na sociedade, entretanto, essa concepção de que a educação evitaria o crime não é universal, ou seja, o baixo nível de instrução educacional não é, necessariamente, o principal fator para a perpetuação de crimes, pois poderá existir sujeitos amparados pela família, que recebem atenção e contam com segurança financeira e, mesmo assim, se tornam criminosos no futuro.

Assim, Bandeira et al (2017, p. 24) elenca uma crítica feita por Franz Von Liszt    “nem sempre a Criminologia Dogmática Penal e Política Criminal apontarão para um mesmo caminho”.  Os campos elencados acima são distintos, pois a dogmática penal aborda acerca da decidibilidade dos conflitos conforme a literalidade da lei. Em outro sentido, é a política criminal, pois essa encontra-se atrelada com as formas de combate da violência. Já a criminologia estuda a origem do crime e as próprias causas do ato criminoso e o controle social.

Por fim, os eixos mencionados acima dialogam, mas a partir de perspectivas e análises distintas, no entanto, todos com um ponto de convergência, a análise do crime e, apesar dessa ligação, o campo de observação entre eles é autônomo. Portanto, a multidisciplinariedade de ciências possibilita que os peritos tracem o perfil do ofensor. A partir disso, convém mencionar abaixo a importância do estudo da vítima sobrevivente e em estado de óbito no contexto investigativo, no qual será estudado os traços físicos e psicológicos da mesma.

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Sobre os autores
Natália Santos Machado

Bacharel em Direito.Pós- graduada em Direito Penal e Processo -Penal. Pós- graduanda em Direito Civil e Processo Civil. Pós graduanda em Ciências Criminais. Conselheira Estadual da Jovem Advocacia OAB/MA. E-mail: [email protected]

Wilson Franck

Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Especialista em Ciências Criminais pela Rede de Ensino LFG (UNIDERP), mestre e doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Tese de doutorado e dissertação de mestrado aprovados com louvor. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e monografia de especialização indicados à publicação. Pesquisador nas seguintes áreas/temas: Filosofia do Direito, Filosofia Política, História das Ideias Jurídicas, Antropologia Jurídica, Teoria Mimética, Direito e literatura, Direito e Religião, violência, Criminologia e Direito Penal. (Texto informado pelo autor)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Natália Santos ; FRANCK, Wilson. Criminal profiling. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5746, 26 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71897. Acesso em: 26 abr. 2024.

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