Resumo: Este texto traz uma visão geral sobre a tutela da evidência, espécie de tutela provisória ao lado da tutela de urgência, disposta a partir do artigo 311 do novo Código de Processo Civil de 2015. No decorrer do estudo, é explicada a técnica processual da tutela da evidência, sua distinção do julgamento antecipado da lide e, especialmente, são analisados os quatro incisos do dispositivo supracitado, que são as hipóteses taxativas de cabimento dessa tutela. Tema relevante e atual, a tutela da evidência tem despertado o interesse da doutrina nacional, sendo consideradas nesse estudo as opiniões de importantes juristas brasileiros da atualidade.
Palavras-chave: Tutela Provisória; Tutela da Evidência; Novo Código de Processo Civil.
Sumário: Introdução. A tutela da evidência. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente trabalho tem como tema a tutela da evidência, espécie do gênero tutela provisória. Uma das novidades trazidas pelo novo Código de Proesso Civil de 2015, a tutela da evidência é um poderoso instrumento processual para proteção do direito da parte que dela pode valer-se, estando essa técnica em conformidade com a celeridade processual.
O art. 311 do novo Código de Processo de Civil traz em seu bojo as hipóteses em que é cabível a concessão da tutela da evidência. Em todas as hipóteses de cabimento dessa tutela aventadas nos incisos do referido artigo, há a necessidade de comprovação imediata do direito material da parte, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.
O legislador brasileiro prestigiou esse instituto, dedicando um capítulo específico à tutela da evidência. Embora recente, o assunto tem sido considerando um dos pontos de maior relevância nos estudos atuais da área de processo civil.
Neste contexto, o objetivo primordial deste estudo é expor diferentes visões doutrinárias acerca do tema, inclusive algumas críticas sobre a redação do texto legal que trata da tutela da evidência. Para tanto, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, sendo fundamentado na legislação pátria, além das ideias de importantes juristas como: Didier Jr; Braga; Oliveira (2016), Cláudio Lima Júnior (2016), Marinoni; Arenhart; Mitidiero (2016), Montenegro Filho (2012) Neves (2016), Theodoro Júnior (2016), dentre outros.
A tutela da evidência
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelece dispositivos específicos aplicáveis à tutela da evidência a partir do artigo 311 do referido diploma legal. Novidade trazida por esse código, “a tutela provisória, tida como gênero a abranger as tutelas de urgência e evidência, é um dos temas que mais tem despertado o interesse da doutrina nacional na atual fase de construção teórica e jurisprudencial do direito processual pátrio.” (LIMA JÚNIOR, 2016, p.1)
A tutela da evidência é fundada na consistência da prova do direito, e por não ser de urgência, não se cogita do periculum in mora. (ALBUQUERQUE, 2017, p. 1) Como clara diferenciação da tutela de urgência, “a tutela da evidência independe da demonstração de perigo da demora da prestação da tutela jurisdicional”. (NEVES, 2016, p. 508). Ao invés de conceituar de modo genérico a tutela da evidência, “o novo Código preferiu enumerar, de forma taxativa, os casos em que essa modalidade de tutela sumária teria cabimento.” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 693)
A técnica processual da tutela da evidência é fundada em cognição sumária e tem como objetivo a redistribuição do ônus “que advém do tempo necessário para transcurso de um processo e concessão de tutela definitiva.” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 631) O instituto está em consonância com o direito fundamental à duração razoável do processo, estampado na Constituição Brasileira de 1988, no art. 5º, inciso LXXVIII, o qual dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (BRASIL, 1988, p. 1)
Não se pode confundir a tutela da evidência com o julgamento antecipado da lide. A primeira corresponde a medidas provisórias tomadas liminarmente ou de forma incidental no curso do processo. Já o julgamento antecipado da lide “acontece na fase em que, após a postulação, se realiza de ordinário o saneamento do processo. É uma das modalidades do julgamento conforme o estado do processo.” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 692)
Uma breve comparação entre os códigos atual e anterior demonstra que o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), estabelecia no artigo 273, incisos I e II, as situações em que era possível a parte requerer ao juiz a antecipação total ou parcial dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, no caso de existência de prova inequívoca e verossimilhança da alegação, sendo fundado o requerimento: a) no receio de dano irreparável ou de difícil reparação; b) no o abuso de direito de defesa, ou c) nos casos de manifesto propósito protelatório do réu. (BRASIL, 1973, p.1). Com o advento do CPC/2015, houve uma preocupação do legislador em dedicar um livro específico à tutela provisória, que é gênero, da qual são espécies a tutela de urgência e a tutela da evidência. Desse modo, houve no novo diploma processual uma ampliação das hipóteses de cabimento da tutela da evidência, sendo o abuso do direito de defesa apenas uma dentre outras situações possíveis. (MONTENEGRO FILHO, 2012, p. 113-115)
O CPC/2015 traz expressamente um rol mais amplo de hipóteses para requerimento da tutela da evidência, in verbis:
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. (BRASIL, 2015, p. 1).
Primeiramente, é importante destacar que a tutela da evidência independe da demonstração de perigo de dano ou risco do resultado útil do processo, pois “não se funda no fato da situação geradora de perigo de dano, mas no fato de a pretensão de tutela imediata se apoiar em comprovação suficiente de direito material da parte.” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 689) Significa dizer que esse tipo de tutela é possível quando há uma liquidez e certeza do direito material, ou seja, embora no início do processo, já estão reunidos elementos capazes de convencer o juiz em favor de uma das partes.
Nesse contexto, a primeira hipótese que permite a parte se valer do instituto da tutela da evidência é quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou, ainda, na situação de “manifesto propósito protelatório da parte.” (BRASIL, 2015, p. 1) Trata-se de dispositivo que está em consonância com a razoável duração do processo, servindo a tutela da evidência como medida de proteção para a parte.
Para Marinoni et al (2016, p. 211), o artigo 311, inciso I do CPC/2015 deve ser interpretado “como uma regra aberta que permite a antecipação de tutela sem urgência em toda e qualquer situação em que a defesa do réu se mostre frágil diante e da robustez dos argumentos do autor – e da prova por ele produzida – na petição inicial.” Trata-se de técnica processual cabível toda vez que for apresentada defesa inconsistente.
Nos termos desse dispositivo, para concessão da tutela da evidência, tem-se como requisito apenas o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte, o que tem levado o art. 311, inciso I, do novo CPC a ser alvo de críticas:
Da forma como ficou redigido o art. 311, I, do Novo CPC, restou como requisito para a concessão da tutela da evidência somente o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte, o que parece contrariar até mesmo o espírito dessa espécie de tutela. Difícil acreditar que o autor tenha direito a uma tutela, ainda que provisória, somente porque o réu se comporta indevidamente no processo, sem que o juiz tenha qualquer grau de convencimento da existência do direito do autor. Parece-me extremamente temerário, como simples forma de sanção processual, conceder a tutela da evidência sem que haja probabilidade de o autor ter o direito que alega. Entendo que, nesse caso, a probabilidade de o direito existir é necessária, mas não está tipificada na lei, como ocorre com as outras três hipóteses de cabimento da tutela da evidência previstas no art. 311 do Novo CPC. Significa dizer que nessa hipótese de cabimento da tutela da evidência o juiz deve se valer, por analogia, do art. 300, caput, do Novo CPC, concedendo tal espécie de tutela apenas se houver nos autos elementos que evidenciam a probabilidade do direito e serem preenchidos os requisitos previstos em lei. (NEVES, 2016, p. 508)
Como se pode observar, “trata-se de tutela de evidência punitiva, que funciona como sanção para apenar aquele que age de má-fé e, sobretudo, que impõe empecilhos ao regular andamento do feito, comprometendo a celeridade e lealdade que lhe devem ser inerentes.” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 633) Para outros autores, porém, admitir a tutela da evidência por causa de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte não significa que se estaria aplicando uma sanção ao dolo processual do réu, pois a tutela sumária, em qualquer de suas formas, nunca prescinde de comprovação do fumus boni iuris. Como pode ser observado na explicação a seguir:
O dolo processual (abuso do direito de defesa ou prática de ato processual revelador de manifesto propósito protelatório), nesse sentido, não é, per si, o fundamento suficiente para a concessão da tutela da evidência. O que se obtém por seu intermédio é um reforço da “plausibilidade do direito”. Os elementos de convicção produzidos pelo autor, autorizadores de um juízo de verossimilhança, tornam-se, após a defesa abusiva e procrastinatória, fonte de certeza, por decorrência de uma presunção legal. Não se trata, de tal sorte, de tutelar um “direito naturalmente evidente”, mas de impulsionar um “salto da verossimilhança para a certeza”, por força da lei e por meio de “uma presunção relativa”, que, afinal, poderá ser destruída por prova contrária, provocando a revogação da tutela antecipada e deferimento da tutela definitiva em favor do demandado que antes abusara do direito de defesa. (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 694) – Grifo do autor
Em nossa opinião, não se trata de um juízo de “certeza”, pois essa expressão designa uma cognição exauriente, o que não é o caso da tutela provisória, cuja cognição é sumária. Na realidade, a defesa abusiva ou uma atitude procrastinatória do réu acabam favorecendo o autor, pois sua versão, que já era considerada verossímil, autoriza o juiz a conceder a tutela provisória diante da postura indevida do réu. O comportamento ilícito do demandado “configura a probabilidade do direito afirmado pelo requerente da medida e autoriza a antecipação provisória dos efeitos da tutela por ele pretendida.” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 633) – Grifo do autor
Por fim, cabe mencionar que os doutrinadores costumam diferenciar o abuso de direito de defesa do manifesto propósito protelatório da parte, considerando a segunda conduta mais ampla que a primeira. O abuso de direito de defesa “representa atos protelatórios praticados no processo, enquanto no manifesto propósito protelatório do réu há um determinado comportamento – atos ou omissões – fora do processo, com ele relacionados.” (NEVES, 2016, p. 509) Ademais, importante destacar que a hipótese de “manifesto propósito protelatório, também admitido como causa justificadora da tutela da evidência, pode ser praticado tanto pelo réu quanto pelo autor.” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 695)
O inciso II do art. 311 do novo CPC dispõe sobre a segunda hipótese em que é cabível a tutela da evidência, a saber, quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante” (BRASIL, 2015, p.1). Nesse caso, optou o legislador pela exigência de probabilidade “tanto no aspecto fático como no jurídico, exigindo prova documental para comprovar os fatos alegados e tese jurídica já firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante.” (NEVES, 2016, p. 510)
A exigência de fundamento de direito além do fático demonstra a preocupação “do novo Código em prestigiar o precedente jurisprudencial, máxime quando originado dos tribunais superiores, com vocação vinculativa.” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 696) Além disso, ao condicionar a antecipação da tutela da evidência a um elevado grau de certeza fática e jurídica, o legislador torna mais restrito o cabimento desse dispositivo.
Para Marinoni et al, o dispositivo em comento revela um equívoco, conforme crítica dos autores:
O art. 311, II, revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes e que também na tutela da evidência se manifesta. O que demonstra a inconsistência da defesa do réu não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em “julgamento de casos repetitivos” (leia-se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em “súmula vinculante”. É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas. O que o art. 311, II, autoriza, portanto, é a “tutela da evidência” no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas vinculantes. (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 212)
Sobre o tema, Didier Júnior et al tecem importantes comentários:
Trata-se de tutela provisória admitida mediante o preenchimento de dois pressupostos (...) o primeiro deles é a existência de prova das alegações de fato da parte requerente (...) o segundo é a probabilidade de acolhimento da pretensão processual, que se configura exatamente em razão do fundamento normativo da demanda consistir em tese jurídica já firmada em precedente obrigatório, mais especificadamente em enunciado de súmula vinculante (art. 927, II, CPC) ou em julgamento de demandas ou recursos repetitivos (art. 927, III, CPC), que vinculam o julgador e devem ser por ele observados, inclusive liminarmente (art. 311, parágrafo único). Propõe-se, contudo, interpretação sistemática, teleológica e extensiva da regra, para que se entenda que deve ser possível a concessão da tutela de evidência também quando houver tese jurídica assentada em outros precedentes obrigatórios, tais como aqueles previstos no art. 927, CPC. Seria o caso da tese fixada em decisão do STF dada em sede de controle concentrado e dos enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional. Devem ser levados em conta todos os precedentes vinculantes exatamente porque o estabelecimento de uma ratio decidendi com força obrigatória por tribunal superior já foi antecedido de amplo debate dos principais argumentos existentes em torno do tema, limitando as possibilidades argumentativas da parte em face da qual se requer a tutela de evidência e tornando pouco provável o seu êxito (salvo se conseguir demonstrar uma distinção do caso em exame com o caso paradigma ou superação do precedente). A parte que postula com base em fatos provados por documento e que sejam semelhantes àqueles que ensejaram a criação de tese jurídica vinculante em tribunal superior – tese esta invocada como fundamento normativo de sua postulação -, encontra-se em estado de evidência. Demonstra não só a probabilidade de acolhimento da sua pretensão processual como também a improbabilidade de sucesso do adversário que se limite a insistir em argumentos rejeitados no processo de formação do precedente, o que configuraria, inclusive, litigância de má-fé (por defesa infundada ou resistência injustificada, cf. art. 8º, CPC). Não é razoável, assim, impor-lhe o ônus de suportar o tempo do processo sem usufruir do bem pretendido enquanto a parte adversa é beneficiada com a manutenção do status quo ante. (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 637-638)
Como se pode notar já se cogita uma interpretação extensiva do dispositivo legal no sentido de “permitir a concessão da tutela da evidência sempre que a fundamentação jurídica do autor estiver fundada em precedente vinculante, ainda que não previsto expressamente no art. 311, II, do Novo CPC.” (NEVES, 2016, p. 510) Por fim, cabe destacar que embora o instituto da tutela da evidência disposto no art. 311, II, do CPC seja mais frequentemente invocado pela parte autora, não se pode descartar a possibilidade de sua utilização também pelo réu. É plenamente possível que “a tese jurisprudencial milite em favor da pretensão do réu, e não do autor.” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 696)
A terceira hipótese de tutela da evidência é quando “se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa.” (BRASIL, 2015, p. 1) Essa previsão serve para “suprir a medida liminar que antigamente se obtinha por meio de ação especial de depósito, e que, segundo o novo CPC, passará a observar o procedimento comum.” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 696) É permissivo legal de concessão da tutela antecipada com base no contrato de depósito, devendo ser devidamente provado o depósito para que o juiz determine a entrega da coisa. (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 212)
Observa Didier Júnior et al (2016, p. 640) que a leitura sistemática do novo Código de Processo Civil permite notar que o legislador extinguiu o procedimento especial do depósito, que era previsto nos arts. 901 ao 906, do CPC – 1973; e, em seu lugar, passou a admitir que a obrigação de restituir coisa decorrente do contrato de depósito fosse tutelada pelo procedimento comum, disposto nos arts. 498 e seguintes do novo CPC. Nesse sentido, a doutrina faz importantes comentários:
O contrato de depósito é real, pois se aperfeiçoa com a entrega da coisa móvel ao depositário, o qual assume a obrigação de guardá-la, até que, “até que o depositante a reclame” (Código Civil, art. 627). O vínculo contratual se extingue, portanto, no momento em que o pedido de restituição é formulado. Se a devolução imediata não ocorre, a retenção da coisa depositada se torna verdadeiro esbulho. Por isso, na antiga ação de depósito, o réu era citado, com base em prova literal do contrato, para, no prazo de cinco dias, “entregar a coisa, depositá-la em juízo ou consignar-lhe o equivalente em dinheiro” (CPC/1973, art. 902, I). Esse procedimento especial não foi mantido pelo novo CPC. Pode, entretanto, o autor, na petição inicial da ação comum intentada para recuperar a coisa custodiada, formular pedido de tutela da evidência, desde que disponha de prova documental adequada para comprovar a existência do contrato de depósito entre as partes (art. 311, III). A medida, a exemplo do que se passa nos interditos possessórios, assume a feição de uma injunção ou um mandado para que o depositário entregue a coisa imediatamente, sob pena de busca e apreensão. O autor, com isso, retoma a posse do objeto depositado, mas em caráter provisório, porquanto a ação deve prosseguir seus trâmites ordinários até que a sentença de mérito seja pronunciada em caráter definitivo. A liminar, deferida nos termos do 311, III, não é um julgamento antecipado da lide, mas apenas uma antecipação dos efeitos da futura sentença, como, aliás, ocorre com todos os provimentos sumários, seja de urgência ou da evidência. Trata-se de medida que, in casu, se baseia apenas no fumus boni iuris, não havendo necessidade de alegação ou comprovação do periculum in mora. A liminar funda-se, portanto, apenas na natureza do contrato existente entre as partes e na prova documental produzida pelo requerente. (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 696-697)
Cabe mencionar que alguns autores, como Neves (2016, p. 511), entendem que “a prova documental exigida pelo art. 311, II, do Novo CPC não precisa ser necessariamente o contrato de depósito, bastando que seja prova escrita que demonstra a relação jurídica material de depósito.” Ademais, não é necessária a expressa previsão de multa para que o réu se sinta compelido a entregar o bem, uma vez que as chamadas astreintes (multa cominatória) são cabíveis a qualquer obrigação, seja se fazer, não fazer ou de entrega de coisa.
Por fim, o art. 311, inciso IV, dispõe que a tutela da evidência será admitida quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.” (BRASIL, 2015, p. 1) Trata-se de hipótese clássica “em que o tempo para produção da prova deve ser suportado pelo réu – e não pelo autor que já se desincumbiu de seu ônus probatório documentalmente.” (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 212)
Para Didier Júnior et al, a aplicação dessa hipótese de tutela provisória da evidência exige o preenchimento de 3 (três) pressupostos, a saber:
O primeiro deles é que a evidência seja demonstrada pelo autor e não seja abalada pelo réu mediante prova exclusivamente documental. Deve tratar-se de causa cuja prova seja basicamente documental. Uma interpretação extensiva permite que se considere aí abrangida a prova documentada (como prova emprestada ou produzida antecipadamente), bem como a evidência dos fatos que independem de prova ou mais provas (como o notório, o incontroverso e o confessado). O segundo é que o autor traga a prova documental (ou documentada) suficiente dos fatos constitutivos do seu direito, que, por isso, já é evidente. E o terceiro é a ausência de contraprova documental suficiente do réu, que seja apta a gerar “dúvida razoável” em torno: a) do fato constitutivo do direito do autor; b) do próprio direito do autor – quando adequadamente demonstrado fato que o extinga, impeça ou modifique. (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 641-642)
Como se pode observar, essa é uma “medida destinada a tutela de interesses apenas do autor, e, que somente pode ser deferida em caráter incidental, depois de conhecida a defesa do demandado.” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 697) Outrossim, apesar não constar textualmente no artigo 311, também é caso de admissão da tutela da evidência a situação em que “o autor alega e prova o fato constitutivo de seu direito e o réu opõe defesa indireta sem oferecer prova documental, protestando pela produção de prova oral ou pericial.” (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 212)
Daniel Assumpção de Amorim Neves (2016, p. 511) entende que, apesar de o art. 311, inciso IV, do novo CPC apontar para a concessão da tutela da evidência após a contestação do réu, “seu cabimento não se exaure a esse momento procedimental.” Para o autor, prosseguindo o processo e sendo produzida prova de natureza diversa da documental, se a parte contrária não produzir prova capaz de gerar dúvida razoável, deve o juiz conceder a referida tutela.
Em síntese, a quarta hipótese dispõe sobre situação não urgente, mas relativa a direito documentalmente comprovado pelo autor, a respeito do qual o réu, no momento, não é capaz de gerar dúvida razoável, em função das provas de que já dispõe. Nesse caso, pode o autor requerer a concessão da tutela da evidência, evitando eventual defesa procrastinatória e pedidos genéricos de produção de provas. Há, desse modo, uma distribuição equânime do ônus do tempo do processo, uma vez que não seria justo para o autor, com processo fundado em prova documental suficiente, suportar o encargo inerente ao tempo do processo. Obviamente, o fato de o réu não ter provas no início do processo, não significa que esse não tenha direito. O juiz deve assegurar ao réu seu direito de defesa e pode o demandado posteriormente inverter a primeira impressão, mas se esse for o caso, até lá, não será o autor penalizado por permanecer, durante todo o tempo do processo, sem o usufruto do direito que está devidamente instruído com prova documental suficiente.