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Da tutela antecipada em sede recursal

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28/08/2005 às 00:00
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De nada valeria a antecipação da tutela se seus efeitos não valessem também na fase recursal. Para frustrá-la, bastaria a interposição de um recurso dotado de efeito suspensivo, orientada pelo intuito protelatório do réu.

INTRODUÇÃO.

            A tutela antecipada como instituto hábil a ser aplicado de modo amplo e genérico [01] foi contemplada pelo legislador pátrio como forma de proporcionar uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva, concretizando, assim, o princípio constitucional do amplo acesso à justiça, estampado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. Este é o entendimento consagrado na doutrina, como demonstram Luis Rodrigues WAMBIER, Eduardo TALAMINI e Flávio Renato Correia de ALMEIDA:

            Com a edição da Lei 8.952/94, que alterou a redação do art. 273 do CPC, foi introduzido no sistema processual brasileiro o instituto da tutela antecipatória, visando erradicar a ineficiência do processo diante da declarada e assumida morosidade do Poder Judiciário na solução dos conflitos. Antecipando os efeitos da sentença, afastou-se o problema da inefetividade jurisdicional. Seu escopo é a de tornar a prestação jurisdicional efetiva, sem, contudo, compatibilizá-la com o sentido de acautelamento. A necessidade dessa efetividade é a contrapartida que o Estado tem que dar à proibição da autotutela. [02]

            Almejou-se, ao se generalizar a incidência da tutela antecipada, obstar a chamada "vitória de Pirro", como bem salienta Teori Albino ZAVASKI:

            ...o dever imposto ao indivíduo de submeter-se obrigatoriamente à jurisdição estatal não pode representar um castigo. Pelo contrário, deve ter como contrapartida necessária o dever do Estado de garantir a utilidade da sentença, a aptidão dela de garantir, em caso de vitória, a efetiva e prática concretização da tutela (....).

            O direito fundamental à efetividade do processo – que se denomina também, genericamente, direito de acesso à justiça ou direito à ordem jurídica justa – compreende, em suma, não apenas o direito de provocar a atuação do Estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos. [03]

            Cândido DINAMARCO assevera que o "novo art. 273 do CPC, ao instituir de modo explícito e generalizado a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosa contra os males corrosivos do tempo no processo." [04]

            No mesmo sentido, pontificou José Rogério CRUZ E TUCCI que:

            O regime do art. 273 generalizou a antecipação da tutela no âmbito do procedimento comum do processo de conhecimento. Havendo prova pré-constituída inequívoca, hábil a fornecer ao julgador alto grau de probabilidade, deve ser deferida: a) quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, desde que não haja perigo de irreversibilidade do provimento antecipatório; ou b) quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o inequívoco intuito protelatório do réu." [05]

            Na seqüência, para atender à demanda jurisdicional, a doutrina passou a pregar a antecipação da tutela em sede recursal e William Santos FERREIRA foi quem desenvolveu com bastante acuidade o tema, com cuja obra, denominada "Tutela antecipada no âmbito recursal", justificou a impossibilidade do instituto ficar "represado" na primeira instância e explicitou as controvérsias criadas em torno da questão.

            Evidente que de nada valeria todo o esforço legislativo, doutrinário e jurisprudencial engendrado para se arquitetar um instituto apto a antecipar a tutela almejada com a prestação jurisdicional, se seus efeitos não pudessem ser concretizados e sentidos também na fase recursal. Bastaria a interposição de um recurso dotado de efeito suspensivo, orientada pelo intuito protelatório do réu, para frustrar o gozo dos efeitos da tutela. Por tal razão especialíssima, acertadamente frisou William Santos FERREIRA que "a tutela antecipada não pode ser um instituto represado na primeira instância, mas que terá sua função marcante, até com maiores justificativas, no âmbito recursal". E tal assertiva justificou-se no reconhecimento de que a recorribilidade é uma extensão da ordinariedade, devendo ser criada uma forma de, pelo menos, afastar os efeitos danosos da protelação que oportuniza.

            Também resta justificada a inserção do instituto ao âmbito recursal, não obstante a ausência de previsão legal expressa, pelos princípios constitucionais processuais, como bem assevera Roberto ARMELIN:

            Inicialmente, até mesmo por sua posição geográfica, pode-se equivocadamente – interpretar o instituto da antecipação de tutela como concebido para projetar sua eficácia no âmbito do processamento, em primeiro grau de jurisdição, do processo de conhecimento, em que a tutela de urgência, antecipatória de efeitos da pretensão, era desconhecida.

            A questão, todavia, não se cinge à positivação e localização do instituto no Código de Processo Civil, senão que, encerrando princípio geral de Direito (devido processo legal, inafastabilidade do controle jurisdicional), demanda identificação de seu fundamento de eficácia e validade, para, posteriormente, perquerir-se eventual limitação à propagação de seus efeitos. [06] (sem grifo no original)

            O presente trabalho monográfico, levando em consideração as controvérsias existentes sobre a antecipação da tutela na sede recursal e sua insipiência, tem por objetivo estudá-la.

            Assim, buscar-se-á com o desenvolvimento da monografia ora projetada vislumbrar como se integra o instituto da tutela antecipada à sede recursal. E, para tanto, dividir-se-á o presente trabalho em três capítulos. O primeiro tratará do instituto da antecipação da tutela face à nova feição do direito processual civil, onde serão cotejados os meandros da atual prestação jurisdicional. No segundo capítulo, intitulado "Do instituto da antecipação de tutela", será estudada a configuração dada ao art. 273 do CPC, principal dispositivo que disciplina a antecipação da tutela no ordenamento brasileiro. Por derradeiro, vislumbrar-se-á a antecipação da tutela em sede recursal, oportunidade em que se buscará constatar como se integra o instituto à seara recursal e como funciona face a cada espécie recursal.


1DO INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA FACE À NOVA FEIÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL.

            Antes de se adentrar ao tema propriamente dito: a antecipação de tutela na sede recursal, faz-se imprescindível vencer no presente trabalho monográfico duas etapas, a primeira relativa ao estudo da tutela jurisdicional de direitos e outro sobre a antecipação dessa tutela. Assim se procede tendo conhecimento de que um estudo científico deve bem localizar o seu objeto de estudo antes de desenvolvê-lo e principalmente para demonstrar que a criação de uma disciplina específica para a antecipação de tutela decorre de uma nova feição que vem sendo impressa ao direito processual civil.

            O primeiro aspecto acima mencionado serão abordado neste primeiro capítulo; o outro no capítulo seguinte.

            1.1DA TUTELA JURISDICIONAL DE DIREITOS.

            Na presente seção, abordar-se-á a questão relativa à nova feição da jurisdição e do direito processo civil, que vem ensejando a criação de tutelas diferenciadas com o objeto de melhor salvaguardar as diversas modalidades de direito material.

            1.1.1Do Caráter Instrumental do Direito Processual Civil.

            Inauguremos a presente seção, afirmando que o processo é instrumento da jurisdição e que o escopo desta é tutelar direitos, como diz CHIOVENDA, "dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter". [07]

            Nessa perspectiva, o processo é o meio pelo que irá provocar a jurisdição a fim de que esta, através de um provimento jurisdicional, proporcione ao jurisdicionado o "bem da vida" por ele pretendido ou a "tutela" do direito que afirma possuir.

            Dar o bem da vida ou proporcionar tutela ao direito afirmado é a prestação jurisdicional almejada pelas partes e para isso se esforça o moderno direito processual civil, não obstante seja incontestável que também há prestação jurisdicional quando o juiz declara não existir o direito afirmado pelo autor ou mesmo quando extingue o processo, sem julgamento do mérito, ante a adoção da teoria abstrata da ação [08], a qual prega que o direito de ação dissocia-se da constatação efetiva do direito material.

            Não obstante a concepção abstrata da ação no direito brasileiro, imprescindível é a preocupação do direito processual para com o direito material afirmado pelo autor, cuja eventual existência será declarada pela jurisdição. Procura-se visualizar o direito processual como um instrumento para a realização do direito material. Nesse sentido o ensinamento de Luiz Guilherme MARINONI: "Em uma perspectiva mais rente ao direito material, é possível equiparar a "tutela" a um "bem da vida", uma vez que o jurisdicionado procura o Poder Judiciário para obter um "bem da vida" ou a "tutela" do direito que afirma possuir." [09]

            A respeito da afirmação acima, diz-se que o direito processual passou por uma evolução ao longo dos tempos, saindo de uma posição em que pouco ou nada lhe importava o direito material em jogo na demanda para obter uma posição de instrumento para a realização dos direitos e/ou interesses em conflito. Hoje, incontestavelmente, a doutrina, a jurisprudência e a lei, assim como aqueles que as operam, preocupam-se intensamente com o papel manifestado pelo direito processual em relação ao direito material, e essa preocupação é quanto à efetividade do direito material ou, como diz Luiz Guilherme MARINONI:

            O que a questão de tutela jurisdicional dos direitos quer evidenciar é a necessidade de a prestação jurisdicional passar a ser pensada na perspectiva do consumidor dos serviços jurisdicionais; ou seja, a reabilitação do tema da tutela jurisdicional dos direitos revela uma preocupação com o resultado jurídico-substancial do processo, conduzindo a uma relativização do fenômeno direito-processo. [10]

            Entende-se que o processo é um meio para a realização do direito material não observado espontaneamente pelas partes, complementando o direito material Como diz Ovídio A. Baptista da SILVA:

            A supremacia do processo sobre o direito material, em última análise, a supremacia da forma sobre a substância, que foi a idéia fundamental a sustentar a autonomia do direito processual e seu lamentável afastamento do direito material, como se vê, acaba insinuando-se até nas concepções de juristas de vanguarda, preocupados com a efetiva modernização do processo e com sua indispensável aderência ao direito material. [11]

            A princípio, o processo era visto como mero apêndice do direito material, não contemplando qualquer autonomia de científica e sem considerações específicas, desvinculadas do direito material. Como revela Sérgio Cruz ARENHART, "Nessa ótica, evidentemente, a função do processo era voltada, de maneira específica, à proteção do direito subjetivo da parte; sua finalidade era dar proteção do direito subjetiva e nisso se resumia". [12]

            Posteriormente, desenvolve-se a fase da autonomia do direito processual. Nessa fase, a partir da consideração de que o direito processual tem princípios, condicionantes, institutos e métodos próprios, distintos daqueles adotados pelo direito material, o processo passa a ser entendido como algo diverso do direito material. Direito material e direito processual, nesta fase da autonomia científica, passam a ser concebidos como ciências independentes, sem qualquer vinculação. Luiz Rodrigues MARINONI bem revela o significado dessa fase da evolução (ou involução) do direito processual:

            A expressão "tutela jurisdicional dos direitos", como se sabe, foi afastada do cogito científico do Direito Processual quando se concluiu que "a tutela dos direitos" não deveria ser vista como o escopo da jurisdição. A partir deste momento até bem pouco tempo, falar em tutela jurisdicional poderia constituir um pecado quase que mortal para o processualista; tal fala poderia significar um compromisso com o imanentismo. [13]

            Por derradeiro, afirma-se a instrumentalidade do direito processual. Passa-se a conceber, nessa etapa de evolução, "que o processo não é mais do que uma ferramenta, e que, como tal, deve ser útil para desempenhar seu papel. A ferramenta inútil ou inadequada para certa tarefa não tem serventia e será descartada. Para manter a ferramenta, é necessário torná-la apta a desenvolver suas funções." [14]

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            Concebido o caráter instrumental do direito processual, reconhece-se a necessidade de que se demonstre adequado a concretizar uma finalidade: a justiça, através da promoção do direito material cujo gozo se pretende através da demanda judicial. Essa é, pois, a conclusão obtida quanto ao papel que o processo civil deve desempenhar e que impulsiona outras mudanças de paradigma a serem vislumbradas nesse trabalho.

            Hoje, portanto, o direito processual é concebido como uma ciência autônoma, mas que é instrumental em relação ao direito material cuja concreção pretende o jurisdicionado, à medida que serve de "meio" para o patrocínio da tutela jurisdicional.

            Forma-se a convicção, a partir do princípio da instrumentalidade que imanta o moderno direito processual, que as formalidade processuais não podem prejudicar o direito material, que o processo visa realizar.

            Sobre a instrumentalidade, se manifesta Ovídio A. Baptista da Silva, nos seguintes termos: "A utilização de alguma coisa como instrumento pressupõe uma atividade humana orientada para um fim. O agente que se serve do instrumento pode usá-lo para finalidade muito diferente daquela para a qual ele foi criado". [15]

            Em atenção a essa observação de Ovídio Baptista, deve-se ressaltar que ao se falar em instrumentalidade do processo, deve-se ter em vista os fins a serem atingidos pelo processo que, no dizer de Sérgio Cruz ARENHART, se resumem na obtenção da justiça.

            Concebendo que o processo é instrumental, um meio para a realização do direito material, e que como tal deve patrocinar uma tutela jurisdicional adequada, hábil a patrocinar a justiça, a doutrina passa a se atentar para a necessidade de reformular o processo civil como um todo para efetivar uma tutela adequada. E partindo para essa reformulação, percebe que, por exemplo, a classificação trinária das sentenças e o procedimento ordinário clássico são insuficientes para patrociná-la, principalmente diante do surgimento de novos conflitos sociais, que trouxeram para o campo do processo novas e inusitadas demandas. Para que o processo civil possa atender as essas novas demandas, a doutrina passa a propor, dentre outras inovações, uma classificação quinária das sentenças, o abandono do processo clássico ordinário, a adoção de tutelas diferenciadas, hábeis a tutelar os novos direitos que surgem, a reformulação da disciplina do processo civil, proporcionando às partes o mais amplo contraditório, como propugna a Constituição Federal.

            Nessa fase instrumentalista, como ressalta Sérgio Cruz ARENHART, "O processualista se dá conta de que o processo não é mais do que uma ferramenta, e que, como tal, deve ser útil para desempenhar seu papel. A ferramenta inútil ou inadequada para certa tarefa não tem serventia e será descartada. Para manter a ferramenta, é necessário torná-la apta a desenvolver suas funções." [16]

            A idéia principal dessa fase, que atualmente passa a comandar a tutela jurisdicional, é que a forma não pode prejudicar o direito material cuja tutela deseja-se, mas que, além disso, compete ao direito processual criar formas diferenciadas para viabilizar a efetividade do direito material.

            Além de dotar o jurisdicionado de formas diferenciadas de tutela de seus direitos, o processo deve privilegiar a participação em contraditório. O princípio do contraditório vem previsto no art. 5º, LV, da CF/88 e preconiza que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

            Passa-se a conceber, nessa revolução do direito processual, que o processo deve garantir às partes a participação em contraditório. E essa participação em contraditório visa proporcionar-lhe paridade de tratamento. Sérgio ARENHART situa a participação em contraditório como um dos pressupostos para a concretização da tutela jurisdicional adequada. A respeito, ele diz:

            Se, para a proteção de um direito afirmado, necessita o Estado saber se ele realmente existe, então é imprescindível que o processo garanta aos sujeitos neles envolvidos amplas possibilidades de apresentar e demonstrar suas versões sobre os fatos que guarnecem o conflito de interesses, sob pena de inviabilizar a tutela do direito realmente merecedor de proteção. [17]

            Resta necessário, portanto, que as partes atuem em igualdade de condições no processo e isso se relaciona diretamente ao direito à prova. Afigura-se, assim, imprescindível que as partes veiculem suas alegações e produzam as provas que lhes cabem para possibilitar ao juiz a formação de seu convencimento, hábil à manifestação do provimento jurisdicional adequado.

            Em suma, as partes devem exaurir suas possibilidade de participação e interação no processo. O Estado, por sua vez, deve proporcionar às partes condições de acesso aos mecanismos públicos de proteção e de interferência na aplicação do poder estatal.

            1.1.2 Dos Novos Direitos e da Necessidade de Uma Tutela Jurisdicional Diferenciada.

            A sociedade atual, devido ao seu desenvolvimento, passa a conviver com novas modalidades de direitos, muitos dos quais ainda sem proteção adequada. No dizer de Sérgio Cruz ARENHART:

            ...a perspectiva de direito material, no plano da sociedade contemporâneo, apresenta duas significativas características: em primeiro lugar, a realidade moldou, de maneiro diferente, direitos clássicos, tradicionalmente manipulados pelo processo; em segundo lugar, a sociedade moderna faz surgir novos direitos, anteriormente impensáveis e próprios da comunidade hodierna. [18]

            O surgimento desses novos direitos, para exemplificar, os ligados à era da Internet, demandam uma nova e específica tutela. Por isso, busca-se estabelecer uma correspondência entre o direito e a tutela judicial e, para isso, é necessário que os operadores jurídicos conscientizem-se de que a tutela jurisdicional clássica não se presta à tutela dos direitos surgidos diante das contemporâneas contingências sociais. Por isso, muitas modificações fazem-se necessárias no plano do processo. O regime da prova, por exemplo, deve amoldar-se às possibilidades vislumbradas num dado caso de direito material. É preciso reconhecer que a mesma prova admitida nas lides clássicas não serve para as lides que ora surgem.

            Aventa-se também a necessidade do judiciário e do processo se organizarem para patrocinarem uma tutela efetiva aos chamados direitos de massa, coletivos.

            Ademais, fomenta-se a concepção de que o processo deve fortalecer o máximo possível as possibilidades de inibir lesões aos direitos e interesses, daí a importância da proposta de Sérgio Cruz ARENHART relativa à tutela inibitória, seja de direitos e interesses individuais, sejam de coletivos.

            Este mesmo autor revela que é imprescindível dar-se guarida à uma tutela jurisdicional do direito, para conferir efetividade do direito material postulado na inicial, mas que para lograr esse resultado faz-se necessário "a previsão de mecanismos adequados de proteção do interesse sustentado por quem requer a resposta jurisdicional do Estado". [19]

            Defende-se, assim, o comprometimento do processo com a distribuição da justiça, como bem retratado por CHIOVENDA:

            Verdadeiramente, o processo moderno não pode preocupar-se somente com a decisão final; não pode limitar sua função a preparar uma solução logicamente correta da lide; sendo que deve ter em conta a posição dos litigantes durante a causa, como cidadãos que invocam ambos a tutela do Estado. A justiça no processo não começa com a decisão; com o início mesmo da causa se abre um amplo campo à justiça distributiva. Tampouco as normas judiciais contemplam somente aos litigantes do caso concreto; as mesmas devem prover de modo que reforcem a confiança dos cidadãos na ação do Estado; não somente como juiz mas como poder. [20]

            O direito à tutela jurisdicional, como posto pelos doutrinadores contemporâneos, preconiza não só o direito de provocar a jurisdição, mas o direito a obter uma prestação jurisdicional que proporcione um procedimento, meios de defesa e provimento adequados à natureza do direito que se quer tutelar.

            Também de nada adianta promover a tutela jurisdicional se ela chegar tarde ao seu destinatário. Em razão disso, o ordenamento processual civil brasileiro também evoluiu no sentido de preconizar, de forma ampla e genérica, a antecipação da tutela, ao instituir a atual redação do art. 273 do Código de Processo Civil.

            Tradicionalmente, a ação e a sentença comportam uma classificação trinária. Elas eram classificadas em declaratórias, constitutivas e condenatórias. Essa classificação, todavia, em função de sua insuficiência, passou a ser quinária. Ovídio A. BAPTISTA DA SILVA foi um dos primeiros que se atentou para essa insuficiência e inovou nesse particular. A propósito diz:

            Com efeito, tendo os processualistas reduzido apenas a três as espécies de ações e sentenças – somente aquelas que operam exclusivamente no "mundo normativo", as declaratórias, constitutivas e condenatórias -, proclamam que estas eficácias são criações do direito processual, independentemente da natureza dos respectivos direitos litigiosos que lhes cabe instrumentalizar. Quer dizer, uma ação seria declaratória ou constitutiva, porque o legislador do processo assim o quer, não em razão da diversidade das respectivas pretensões de direito material de que elas provêm. [21]

            Como se percebe da passagem acima, o autor demonstra que a classificação das sentenças opera com base no direito material tutelado, as chamadas ações de direito material.

            Tendo em vista, portanto, a necessidade de outros tipos de sentenças para patrocinar efetiva tutela jurisdicional aos interesses garantidos pelo Estado, hoje a doutrina propõe uma classificação quinária das sentenças. Como observa Sérgio Cruz ARENHART:

            Quando se pensa em efetividade do processo, tem-se em vista exatamente esta reaproximação da atuação jurisdicional do Estado aos anseios do corpo social. Obviamente, este movimento não tem em mente unicamente atender aos desejos do jurisdicionado, no sentido de obter uma resposta mais adequada aos interesses que o Estado lhe garante; ao contrário, busca-se esta efetividade no intuito de atender, primeiramente aos fins do Estado, já que é condição para sua existência a sua utilidade, o que somente se obtém, no plano da jurisdição, com a adequada proteção aos interesses tutelados pelo direito objetivo estatal. [22]

            A classificação tradicional das sentenças é feita de acordo com o pedido veiculado no bojo da ação. É que este determina o tipo de ação que se trata, possibilitando constatar a natureza da tutela jurisdicional invocada, havendo, por isso, correspondência entre o tipo de ação com a sentença resultante. Havendo essa correspondência, costuma-se classificar as sentenças tal como as ações.

            Segundo a classificação usual que goza de plena aceitação na maioria da doutrina, as ações e as sentenças são declaratórias, constitutivas e condenatórias.

            As meramente declaratórias são aquelas em que o interesse do autor se limita à obtenção de uma declaração judicial acerca da existência ou inexistência de determinado relação jurídica ou a respeito da autenticidade ou da falsidade de um documento (art. 4º do CPC).

            As condenatórias são aquelas em que o autor visa uma condenação do réu ao cumprimento de uma obrigação.

            As constitutivas, por sua vez, visam constituir, modificar ou desconstituir uma relação jurídica.

            Vale frisar que o caráter constitutivo é inerente, também, às sentenças condenatórias e constitutivas. Como diz Luiz Rodrigues WAMBIER, "Todas as sentenças têm, como se sabe, um cunho declaratório. A declaração se impõe logicamente, antes de tudo, ao juiz". Assim, há sentenças em que o juiz, além de declarar, condena o réu a uma ação ou a uma omissão, e outras em que o juiz, além de declarar, ou constituir ou desconstituir uma situação jurídica." [23]

            A classificação que emerge hoje na doutrina pressupõe as ações e sentenças segundo sua eficácia preponderante. Essa classificação quinária alinha, ao lado das sentenças já mencionadas, a mandamental e a executiva lato sensu.

            As sentenças mandamentais emitem uma ordem que, se não for especificamente cumprida por aquele a quem se dirige, implica a incidência de sanções penais. Ex: a sentença proferida na ação de nunciação de obra nova, disciplinada pelo art. 938 do CPC.

            As executivas lato sensu, por sua vez, emanam uma provimento jurisdicional dotado de condenação, cujos efeitos práticos independem de posterior processo de execução. Como leciona Luiz Rodrigues WAMBIER, "Se a ação condenatória produz sentença que, se for de procedência, demandará novo processo, agora de execução, voltado à promoção de alterações no mundo dos fatos, a executiva lato sensu disso não necessita, estando sua sentença apta a produzir diretamente os efeitos de transformação no mundo empírico, sem necessidade do posterior processo de execução." [24]

            Conveniente notar que muito antes da doutrina falar em provimentos mandamentais e executivos lato sensu, o ordenamento jurídico brasileiro já os contemplava. Atualmente, a doutrina vem se atentando para essa nova classificação, tendo em vista a maior utilização desses provimentos e a necessidade de criar outros, o que corrobora para a efetivação de uma tutela jurisdicional adequada. Essa tutela jurisdicional adequada aponta para o anseio da sociedade em ver o processo migrar do mundo do dever-ser para o mundo do ser, com a realização de seus efeitos, da realização da pretensão do direito material.

            Ademais, também corroborando para a tutela jurisdicional adequada, fomenta-se a concepção de que o procedimento ordinário é insuficiente para a realização das pretensões de direito material. Sérgio Cruz ARENHART em passagem de sua tese de doutorado manifesta-se sobre o processo ordinário:

            Preocupada exclusivamente com o lógico interna do processo, a ciência processual afastou-se do direito material, enclausurando o objeto de sua análise, sem considerar mais aquilo que exigia (e necessitava) a realidade concreta do direito a ser protegido. Criou-se, assim, o processo padronizado (ordinarizado), plenário, a ser aplicado a toda e qualquer situação carente de proteção jurisdicionado. A cognição precede, naturalmente, a execução – já que não se pode conceber um juiz que realize o direito sem saber se ele efetivamente existe ou não – e não se outorga poderes ao magistrado no processo de conhecimento, já que ele poderia, com estes poderes interferir na realidade e, com isso, demonstrar a ausência de imparcialidade em seu julgamento. [25]

            Esse tipo de procedimento, ainda ensina o professor acima, divorciado do direito material, acabou por afastar a proteção estatal. Não sendo este procedimento adequado para tutelar os interesses do cidadão, eis que se mantinha distanciado do direito material, a doutrina começa a se atentar para o fato de que o processo é um mero instrumento da jurisdição e que, como tal, deve voltar-se à realidade concreta, desenvolver-se segundo as necessidades da situação específica. Diante disso, resta incontestável que novos tipos de tutelas devem ser concebidos, "próprios para cada espécie de pretensão de direito deduzida no processo" [26].

            Resta, assim, diante da manifesta insuficiência do procedimento ordinário clássico, urgente o desenvolvimento de novas formas de tutela.

            O grande problema do procedimento ordinário clássico constatado é que ele se divorciou da proteção que o Estado deveria fornecer ao direito material. Com isso, uma crise de efetividade do procedimento estava anunciada. Não se mostrava o procedimento clássico adequado para patrocinar a finalidade de jurisdição que, nas palavras de Barbosa MOREIRA remonta ao seguinte: "em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento." [27]

            No dizer de Sérgio ARENHART, essas novas formas de tutela devem contemplar: a) um processo que proporcione meios de proteção adequados a permitir a garantia de todos os direitos assegurados pela ordem jurídica; b) instrumentos que viabilizem o acesso à justiça; c) o direito à prova; d) a efetividade do processo e a realização do seu provimento; e) a obtenção do melhor resultado possível com o menor esforço, através da simplificação dos procedimentos e da desburocratização da justiça. [28]

            Com base nesses princípios, o processo deixa de ser padronizado (ordinário), passando a contemplar formas de tutelas diferenciadas. A seguinte passagem da tese de Sérgio ARENHART bem demonstra a mudança de paradigma no campo do processo:

            No campo da efetividade do processo, destaca-se o movimento pela busca das tutelas jurisdicionais diferenciadas. Quer-se a construção de mecanismos de tutela adequados à realidade de cada direito material sustentado no processo. O processo, se é uma ferramenta a fazer atuar concretamente o direito material, deve estar apto a cumprir esta sua missão sempre que isto se mostre necessário. Deve, por isso mesmo, estar em harmonia com a realidade concreta e com o direito material, desenhado que é para atender a estas situações, sempre atento a eventuais mutações nesses planos e sempre aberto a receber novas informações e novas dimensões de possibilidade daqueles. [29]

            O rompimento com o dogma do processo ordinarizado contribuiu, decisivamente, para a adoção da antecipação da tutela, uma vez que esta pressupõe formas cognição sumária, o contraposto da cognição exauriente demandada pelo processo ordinarizado.

            1.1.3Do Modo Como se Efetiva a Tutela Jurisdicional dos Direitos.

            Necessário iniciar a presente seção, explicitando o significado de tutela, para, na seqüência, demonstrar-se como ela é disponibilizada ao jurisdicionado.

            Pois bem, tutela, na conceituação de Cândido Rangel DINAMARCO, "é o amparo que os juízes, no exercício da jurisdição, oferecem ao litigante que tiver razão (sempre Liebman), ou seja, é a concreta e efetiva oferta dos bens ou situações jurídicas que lhe favoreçam na realidade da vida. É, em outras palavras, a real satisfação de uma pretensão." [30]

            Todavia, é comum confundir-se "tutela" com "provimento". A grosso modo, diz-se que o provimento é o meio pelo qual se presta a tutela. Nesse sentido, o ensinamento de William Santos FERREIRA:

            Para nós, o provimento está relacionado ao reconhecimento de algo e à conseqüente tomada de providência, enquanto a tutela seria o efeito desta. A tutela é o fim (rectius: resultado), enquanto o provimento é o meio (rectius: instrumento); em outras palavras, a tutela é consubstanciada através de um provimento judicial. Diante disto, o provimento é também antecedente lógico da tutela jurisdicional. [31]

            Muito embora a tutela resulte do provimento nem sempre a existência de um provimento significa a obtenção automática da tutela, isto porque, como ressalta William Santos FERREIRA:

            "...nem todas as decisões (provimentos) são capazes de imediatamente resultar na tutela de um direito. Por exemplo, em um processo de conhecimento, cujo pedido do autor seja a condenação do réu no pagamento de uma quantia x, mesmo alcançado o momento em que haverá uma sentença que admitiu o pedido do autor, condenando o réu no pagamento de dita quantia, ainda assim esta, por si só, não é capaz de materializar no plano fático a satisfação do direito reconhecido tal qual almejado pelo autor. Até este momento a única coisa que se obteve foi uma posição jurídica, uma "tutela" muito tênue, imperceptível aos olhos do "consumidor da justiça", e não fática do direito do autor reconhecido no provimento judicial, surgindo por este motivo a necessidade da execução, momento no qual (espera-se) se materializará no plano fático o que foi determinado no provimento judicial. Por tal motivo é que Cândido Dinamarco acentua a coincidência da tutela aos efeitos do provimento (e não a este diretamente). [32]

            A tutela pode ser prestada ao final do processo, através de uma sentença, ou em seu curso, através de uma decisão interlocutória. Sentença e decisão interlocutória nada mais são do que provimentos jurisdicionais, à diferença de que aquela presta uma tutela final e esta uma tutela de forma antecipada. Luiz Guilherme MARINONI as denomina de técnicas para a adequada prestação das tutelas, como se infere da passagem abaixo transcrita:

            A sentença e a decisão interlocutória são apenas técnicas para a adequada prestação das tutelas. Por exemplo: a sentença mandamental, e não a sentença condenatória, constitui a técnica capaz de permitir a correta concessão da tutela inibitória. Em outras palavras, e ainda exemplificando, a sentença mandamental não pode ser confundida com a tutela inibitória, já que a primeira é uma técnica insculpida pelo legislador para viabilizar a prestação da tutela inibitória.

            Note-se que os procedimentos, as sentenças, os meios de execução e a possibilidade de antecipação são técnicas para a prestação da adequada tutela dos direitos. É nesta linha que é oportuna a distinção entre tutela é técnica para a sua concessão. [33]

            E as técnicas se diferenciam em razão da intensidade de cognição (conhecimento) reclamada pela tutela almejada. Com efeito, diz Luiz Guilherme MARINONI, que "A técnica da cognição permite a construção de procedimentos ajustados às reais necessidades de tutela. A cognição pode ser analisada em duas direções: no sentido horizontal, quando a cognição pode ser plena ou parcial; e no sentido vertical, em que a cognição pode ser exauriente, sumária e superficial." [34]

            A técnica de cognição parcial, como assevera Luiz Guilherme MARINONI, "privilegia os valores certeza e celeridade, possibilitando uma sentença com força de coisa julgada material em um tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa" [35] e, para tanto, limita o conhecimento do juiz a certas questões, seja fixando o objeto litigioso, como ocorre, por exemplo, no caso dos embargos do executado, seja estabelecendo limites da defesa, como ocorre na busca e apreensão disciplinada pelo Decreto-Lei 911/69, na qual o réu só pode alegar em sua defesa o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais.

            A cognição plena, por sua vez, compreende toda a extensão da situação litigiosa.

            Também no plano da cognição vertical existem restrições. E tais restrições, as quais dão ensejo à uma cognição sumária, limitam a prestação jurisdicional a afirmar o provável.

            Os objetivos da tutela de cognição sumária, segundo Luiz Guilherme MARINONI são:

            a) assegurar a viabilidade da realização de um direito (tutela cautelar); b) realizar, em vista de uma situação de perigo, antecipadamente um direito (tutela antecipada fundada no art. 273, I, do CPC); c) realizar, em razão das peculiaridades de um determinado direito e em vista da demora do procedimento ordinário, antecipadamente um direito (liminares de determinados procedimentos especiais); d) realizar, quando o direito do autor surge como evidente e a defesa é exercida de modo abusivo, antecipadamente um direito (tutela antecipatória fundada no art. 273, II, do CPC. [36]

            Nos casos de cognição sumária, ao contrário daqueles em que se opera uma cognição exauriente, não se produz coisa julgada material, uma vez que as restrições impostas quanto à intensidade do conhecimento, não permite a busca da verdade e da certeza, pressupostos para a produção da coisa julgada material. O juiz, quando opera cognição sumária, limita-se a afirmar a "probabilidade" da existência do direito, afirmação esta que pode ser refutada diante da instrução probatória.

            A antecipação da tutela é fruto de cognição sumária quando sua concessão se funda na probabilidade de que o direito afirmado, mas ainda não provado, será demonstrado e declarado. [37] Por outro lado, quando a tutela antecipada é concedida após o encerramento da fase instrutória em razão do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; após a sentença, antes da subida da apelação ao tribunal e no caso de abuso do direito de recorrer, não restará amparada em cognição sumária, mas em cognição exauriente, porém, não definitiva.

            Feitas estas considerações sobre o novo perfil do direito processual civil e explicitado que a tutela antecipada participa do elenco das tutelas diferenciadas, resta, agora, abordar-se os contornos desse instituto, para, na seqüência adentrar-se ao tema proposto.

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Sobre a autora
Adriana Estigara

Doutora pela PUC/SP Mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Advogada e Consultora na área do Direito Tributário, e Direito do Terceiro Setor, integrante do Lewis & Associados. Professora junto à Universidade Positivo nas graduação e na pós graduação junto às disciplinas de Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTIGARA, Adriana. Da tutela antecipada em sede recursal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 786, 28 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7202. Acesso em: 29 mar. 2024.

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