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O confisco alargado

13/05/2019 às 16:00
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Reflete-se sobre o confisco alargado, instituto presente no anteprojeto apresentado pelo atual Ministro da Justiça, objetivando o combate à criminalidade.

I - O CONFISCO NO CÓDIGO PENAL 

Reza o artigo 91 do Código Penal:

Art. 91 - São efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

§ 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

§ 2º Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

A teor do artigo 91, II, do Código Penal é efeito da condenação penal a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) Dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção, constitui fato ilícito;

b) Do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (artigo 91, inciso II).

O confisco é efeito civil da condenação penal, envolvendo crimes e não contravenções. Assim é meio através do qual o Estado visa impedir que instrumentos que sejam considerados idôneos para praticar o delito caiam em mãos de certas pessoas, ou que o produto do crime venha a enriquecer o patrimônio do delinquente, como ensinou Damásio E. de Jesus (Direito penal, 1983, volume I, pág. 617). É certo que há entendimentos no sentido de que, dentro da interpretação que se deu ao artigo 1º, da Lei de Contravenções Penais, haveria autorização para perda de bens quando da prática de contravenções penais (RT 670/325, RSTJ 21/375).

Observe-se que a Constituição prevê a possibilidade de cominação de perda de bens (artigo 5º, XLVI), b, da Constituição Federal). Foi inserida entre as penas restritivas de direito, substitutivas da pena privativa de liberdade, nos termos dos artigos 43, II e 45, § 3º, do CP, dentro do que foi determinado pela Lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998. Como ali está é modalidade de pena e que jamais poderá passar da pessoa do condenado, como dispõe o artigo 5º, XLV, da Constituição Federal. Naquele dispositivo se lê: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

Na lição de Celso Delmanto, Roberto Delmanto e outros (Código Penal Comentado, 2002, pág. 93), o perdimento de bens mencionado neste último artigo da Constituição refere-se ao efeito extrapenal genérico da condenação que é disciplinado pelo artigo 91, II, b, do Código Penal e não a perda de bens estatuída pelos artigos 43, II e 45, § 3º, do CP.


II - O CONFISCO POR EQUIVALÊNCIA 

A segunda espécie de confisco foi criada pelo legislador ordinário em 2012, por meio da Lei nº 12.694, e é denominado de “confisco por equivalência”, pois a perda de bens atingirá não o resultado do crime decorrente diretamente da atividade criminosa, mas bens que proporcionalmente apresentem o mesmo valor auferido pelo agente criminoso. Eis a redação do § 1º, acrescentado ao art. 91 do Código Penal: § 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.


III - O CONFISCO ALARGADO E UMA EVIDENTE INCONSTITUCIONALIDADE 

O anteprojeto do Ministério Público Federal sobre confisco alargado introduz o art. 91-A no Capítulo VI (Dos efeitos da condenação), do Código Penal, com as disposições abaixo indicadas.

O art. 1º do anteprojeto do MPF determina a perda em favor da União da diferença de valor entre (a) o total do patrimônio do agente e (b) o patrimônio demonstrado como produto de rendimentos lícitos ou de fontes legítimas, pelo agente, nas hipóteses de condenação pelos seguintes crimes: (a) tráfico de drogas; (b) comércio ilegal ou tráfico internacional de armas; (c) tráfico de influência; (d) corrupção ativa e passiva; (e) crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores definidos no art. 1.o do Decreto-lei 201/1967; (f) peculato doloso; (g) inserção de dados falsos em sistema de informação; (h) concussão; (i) excesso de exação qualificado pela apropriação; (j) facilitação de contrabando ou descaminho; (k) enriquecimento ilícito; (l) lavagem de dinheiro; (m) associação criminosa; (n) organização criminosa; (o) estelionato em prejuízo do Erário ou de entes de previdência; (p) prática organizada dos crimes de contrabando e descaminho, receptação, lenocínio e tráfico de pessoas para fins de prostituição, moeda falsa.

Fala-se no chamado confisco alargado.

O modelo proposto é inspirado em sistemas penais estrangeiros, por exemplo, de Portugal, da Espanha e da Alemanha, onde o confisco alargado é utilizado.

Sobre ele já havia dito Roberto D’Oliveira Vieira (Pelo MP: confisco alargado):

“O confisco alargado tem por premissas: (i) a condenação da pessoa a um dos crimes elencados no artigo; (ii) a propriedade de patrimônio incompatível com a renda declarada; e (iii) a presunção de que tais bens foram adquiridos como resultado da atividade criminosa em relação a qual foi condenado. Assim a prática de um dos crimes definidos no § 1º permite a propositura de incidente demonstrando que o réu possui patrimônio incompatível com sua renda declarada e conhecida, inferindo-se, a partir daí, sua vinculação com a prática do crime imputado e o preenchimento do pressuposto de fato do confisco. Em seguida, o réu terá a oportunidade de demonstrar a origem lícita do bem, afastando a possibilidade de perda. “

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Hoje a lei impõe requisitos para o bloqueio de bens. O principal deles é a existência de elementos que demonstrem que os bens a serem bloqueados foram obtidos direta ou indiretamente com a prática de um crime. Com a proposta do confisco alargado, além da possibilidade de perda dos bens de origem comprovadamente criminosa, os acusados de determinados crimes, se não conseguirem demonstrar a origem de seu patrimônio, poderão ter todos os bens confiscados, ainda que parte tenha origem lícita, mas não comprovada.

Filipe Magliarelli (Precisamos discutir o confisco alargado), em excelente artigo para o Estadão, em 11 de fevereiro de 2018, assim expôs:

Entretanto, a grande questão que se coloca no confisco alargado é o evidente desrespeito à presunção de inocência. A Constituição federal garante que os acusados sejam presumidamente inocentes - e devem ser tratados como tal - até que haja condenação definitiva. Consequentemente, também serão presumidamente lícitos os bens dos acusados enquanto não se demonstrar o contrário, e a prova da origem ilícita dos bens cabe à acusação - em geral, ao Ministério Público.

Por sua vez, o confisco alargado inverte essa lógica e põe sobre o acusado a obrigação de comprovar que seus bens decorrem de proventos lícitos, sob pena de confisco. Ou seja, parte-se do pressuposto de que os bens do acusado são ilícitos até que sua defesa demonstre o contrário. Assim, sob o pretexto de modernizar o combate à criminalidade, retira-se da acusação o ônus de comprovar o nexo entre os bens do acusado e os crimes pelos quais está sendo investigado, abrindo-se a porteira para uma desenfreada intromissão estatal no patrimônio dos cidadãos.

Mas não é só. O confisco alargado ainda permite que bens sejam bloqueados com base numa dupla presunção. A primeira é a de que alguém, por não conseguir comprovar a origem de seu patrimônio, estaria envolvido em crimes, até mesmo em outros além daqueles pelos quais já está sendo acusado. A segunda, a de que o patrimônio de origem incerta tenha sido obtido com a prática desses crimes.

Acontece que nem todo patrimônio não declarado tem origem necessariamente criminosa. A possibilidade de adoção do confisco alargado é alarmante num país onde o trabalho informal representou, em 2017, 40,8% de toda população ocupada (segundo o IBGE). É bem verdade que o trabalho informal pode causar eventual elisão de impostos, que atualmente pode ser combatida nos âmbitos tributário e, eventualmente, penal. Mas esse tipo de trabalho, em si, pode não ser necessariamente ilícito, por isso os rendimentos dele decorrentes não deveriam ser automaticamente confiscados pelo Estado.”

A uma, não se pode falar em presunção como alegação para a perda de bens; a duas, afronta-se o devido processo legal, em desrespeito à chamada presunção de inocência.

Não será a acusação que terá que provar tal ganho patrimonial que seria tido como ilegal. Será a defesa, uma vez que parte-se de uma presunção. Com isso, afronta-se o devido processo legal.

A inconstitucionalidade da medida salta os olhos, pois ninguém pode perder seus bens com base em mera presunção de que os obteve em atividade ilícita.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O confisco alargado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5794, 13 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72039. Acesso em: 23 dez. 2024.

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