As divergências doutrinárias em face da natureza qualificadora do feminícidio

19/02/2019 às 23:13
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O presente ensaio objetiva investigar a natureza jurídica da nova qualificadora do delito de homicídio no Código Penal Brasileiro, denominada de “feminicídio” e as posições doutrinárias existentes sobre esta questão.

Femicídio não qualifica o homicídio, trata-se de matar mulher, a pena não é maior que matar um homem, pois a vida da mulher não é melhor do que a do homem, pois se isso fizesse seria tratamento desigual para a mesma condição.

A lei de Feminicídio pune mais gravemente aquele que mata mulher por “razões da condição de sexo feminino” razões de gênero, não bastando somente que a vítima seja mulher. A Lei 13.104/15 alterou o art. 121 do CP para nele incluir o “feminicídio”, entendido como a morte de mulher em razão da condição do sexo feminino (leia-se, baseada no gênero). A incidência da qualificadora reclama situação de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade. Com a novel Lei, o feminicídio passa a configurar a sexta forma qualificada do crime de homicídio, punido com pena de reclusão de 12 a 30 anos, etiquetado como delito hediondo, sofrendo os consectários da Lei8.072/90.  

O Art. 121 do Código Penal, parágrafo 2º refere-se as situações qualificadoras de homicídio. As qualificadoras subjetivas estão relacionadas com a motivação para a prática do crime, envolvem o “por que” “para que” se passam no imaginário do sujeito que pratica o crime, não podem ser provados por pericia técnica, deve-se assim analisar todo o contexto provatório e as provas testemunhais. A qualificadora objetiva refere-se aos meios e modos para a execução do feito, do crime, por exemplo, se fez-se uso de veneno, podem ser provadas por perícia técnica e laudos.

Ao analisarmos as qualificadoras ao longo dos incisos e suas justificações encontramos: inciso I: motivo torpe: caráter subjetivo; II: motivo fútil: subjetivo; III: veneno, fogo, etc. meio cruel, perigo comum: ordem objetiva; IV: traição, emboscada: objetiva: como foi, de que modo, de que jeito, existe o elemento surpresa, ex. tiro pelas costas, etc. V: auto explicativo: nitidamente subjetiva. Tem a ver com as perguntas “para que?” “por que”, a motivação; VI: nitidamente subjetivo. A lei 13.142/15: inclui um novo parágrafo, uma nova qualificadora. Esta surge como a mais nova circunstância qualificadora do art. 121, refere-se ao homicídio qualificado, em razão da condição do sexo feminino, tendo em vista preconceito, aproveitando da vulnerabilidade da mulher.

O § 2º a) foi acrescentado para esclarecer quando a morte da mulher deve ser considerada em razão da condição do sexo feminino: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Em se tratando de tal questão existem controvérsias entre os doutrinadores brasileiros, referentes a sua natureza qualificadora. Fala-se na existência de três correntes: a primeira corrente vale-se da afirmação de que esta qualificadora seria exclusivamente objetiva, pela condição de se referir a mulher ser vulnerável, a segunda corrente afirma que seria uma qualificadora objetiva no que tange o parágrafo 2º, I e subjetiva referente ao parágrafo 2º, II por fim a terceira corrente afirma que esta qualificadora é exclusivamente subjetiva.

Ao compararmos as fundamentações de dois doutrinadores em específico, que possuem teorias divergentes em relação a esta questão podemos obter uma melhor compreensão. Assim trataremos neste artigo das posições dos penalistas Guilherme Nucci e Rogério Sanches Cunha.

Pois bem, para NUCCI esta nova qualificadora surge e decorrência da Lei de Violência Doméstica, que ainda não foi completamente aperfeiçoada. Tratando-se de matar uma mulher em razão do seu sexo frágil. Para ele é uma qualificadora objetiva, não possuindo nada de subjetiva. Ao aumentar a pena compreende uma ideia de proteção maior a mulher, em decorrência de ser sexo frágil, proteção esta que se quer desde a Lei Maria da Penha. Para o autor se fosse uma qualificadora subjetiva poucos casos seriam atingidos, pois para NUCCI ninguém mata um mulher só por ela ser mulher, o problema na maioria dos casos é o ciúme, a vingança, a raiva, o materialismo, algo torpe, fútil (são motivos subjetivos). Por isso para ele pode existir feminicídio torpe, fútil). Todavia se não consegue descobrir o porque da morte, o motivo (o que ocorre na maioria dos casos, segundo NUCCI) será apenas femicídio, mas não duplamente qualificado,. Sendo assim uma qualificadora objetiva.

De forma contrária, para SANCHES é uma qualificadora claramente subjetiva, pressupondo motivação especial, qual seja, o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher. Em resumo: reconhecendo o Conselho de Sentença a forma privilegiada do crime, fica afastada, automaticamente, a tese do feminicídio.

Em síntese, ao longo desta pesquisa, posiciona-se que a natureza da qualificadora do Feminicídio é de ordem subjetiva. Assim como sustentado por alguns autores, defende-se aqui que a violência de gênero não é uma forma de execução do crime, mas sim sua razão ou seu motivo e jamais poderia subsistir com a minorante especial do relevante valor moral ou social, ou sequer ser justificada pela ação ter sido decorrente de violenta emoção provocada pela vítima, salvo se comprovadamente injusta, sob pena da perda do objeto de proteção da questão de gênero advinda da Lei 11.340/2006. Consequentemente, quando é reconhecido o privilégio pelo conselho de sentença no Tribunal do Júri, fica afastada imediatamente a tese de Feminicídio, embora seja possível a coincidência das circunstâncias privilegiadoras dispostas no § 1º do art. 121 (todas de ordem subjetiva), com qualificadoras de natureza objetiva (§ 2º, III e IV) (CARDOSO, Rafhaela; MEDEIROS, Rafaela Vieira)

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Diante de tais pressupostos longe de conseguirmos uma resposta exata ou posição homogênea, passo a adotar a posição de SANCHES, tendo em vista que tal qualificadora é de ordem subjetiva, pois a questão é referente ao motivo e não o meio, por ser um homicídio motivado por preconceito, por questões de gênero. Tomemos como exemplo a briga de marido e mulher, deve ser analisado no caso concreto, os motivos, e isso é subjetivo. Nos atentando que todo homicídio de mulher é um femicidio, mas não necessariamente um femicídio. Por fim ao verificarmos que qualificadoras objetivas referem-se aos meios e o modo e subjetivas se referem aos motivos, podemos nos apoiar na posição doutrinária de SANCHES, afirmando que esta trata-se de uma qualificadora subjetiva.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGE, Paulo César Corrêa; GEBRIM, Luciana Maibashi. Violência de gênero Tipificar ou não o femicídio/feminicídio? Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/503037> 

CARDOSO, Rafhaela; MEDEIROS, Rafaela Vieira. A natureza da qualificadora do feminicídio. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/a-natureza-da-qualificadora-do-feminicidio/

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial - Volume Único

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 11ª Ed. 2015.

NUCCI, Guilherme. Notas sobre o Feminicídio. Disponível em: <http://www.guilhermenucci.com.br/artigos/guilherme-nucci/penal/notas-sobre-feminicidio

SANCHES, Rogério. Lei do Feminicídio: breves comentários. Disponível em: <http://rogeriosanches2.jusbrasil.com.br/artigos/172946388/lei-do-feminicidio-breves-comentarios

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