Orçamento Público na Contemporaneidade
A Carta constitucional vigente abre um capítulo voltada para o sistema de tributação e orçamento público, no qual discorre no seu conteúdo sobre normas gerais de observação obrigatória a todos os entes federados. Não há como desassociar este capitulo tão relevante da Constituição Federal ao capitulo concernente aos direitos fundamentais, pois como será visto adiante, só se pode pensar em implementação de políticas públicas através de vinculação de despesas previstas na peça orçamentária.
3.1- Características do Orçamento Público
O conceito de orçamento público passou por várias modificações ao longo do tempo. No passado, em uma visão conceitual clássica, o orçamento era visto como uma peça meramente contábil, pois existia apenas a preocupação de se prever despesas de acordo com a quantidade de receita arrecadada pelo ente estatal, no intuito de atingir o equilíbrio orçamentário. Não se quer dizer com isso que este aspecto tenha sido suprimido das feições dos orçamentos atuais, porém hoje a peça orçamentaria está prevista dentro do ordenamento jurídico como lei tendo que observar uma complexidade de fatores técnicos, jurídicos, políticos e econômicos.
Contribuindo com esse pensamento Kiyoshi Harada (2018, p.95):
Classicamente, o orçamento é conhecido como uma peça que contem aprovação prévia da despesa e da receita para um período determinado. Sabemos que atualmente, o orçamento deixou de mero documento contábil e administrativo, para espelhar toda a vida econômica da Nação, constituindo-se em um importante instrumento dinâmico do Estado a orientar sua atuação sobre economia.
Outro aspecto relevante a ser abordado, em relação ao orçamento público, seria a natureza jurídica do instituto, visto que no direito alienígena, alguns doutrinadores, a exemplo de Deguit, veem o orçamento como mero ato administrativo quando se reporta ao aspecto referente as despesas, já quanto se referem as receitas o orçamento seria lei em sentido material, pois geraria de forma abstrata obrigações aos contribuintes.
No Brasil, o constituinte originário conferiu ao instituto em estudo, a natureza jurídica de lei, normatizado no art. 65, III, § § 5°, 6° e 8°. Essa ponderação ganha relevância jurídica, na perspectiva de que quando a Constituição atribui ao orçamento público a natureza jurídica de lei assegurou-se aos jurisdicionados, toda uma ordem de controle jurídico interno e externo aos quais estão submetidas às leis de uma forma genérica.
A elaboração da lei orçamentária perpassa por vários aspectos, dentre eles os elementos técnicos, jurídico, político e econômico. Segundo Harrison Leite (2017, p, 73) o elemento técnico está presente pela demonstração através dos cálculos contábeis do grau de endividamento da Administração. No seu aspecto jurídico, verifica-se que há normas que determinam o limites e porcentagens a serem observados. No aspecto político do orçamento, estão as escolhas encontradas pelo legislador em conjunto com os dos gestores públicos para efetivação das políticas públicas nelas previstas. Por último, observamos o aspecto econômico que se debruça a analisar o momento econômico pelo qual passa a Administração.
Alberto Deodato citado por Harrison Leite (2017, p. 73) assim o sintetiza o momento econômico:
O orçamento é, na sua mais exata expressão, o quadro orgânico da Economia pública. É o espelho da vida do Estado e, pelas cifras, se conhecem os detalhes de seu progresso, da sua civilização. Cada geração de homens públicos deixa impressa, nos Orçamentos estatais, a marca de suas tendências, o selo dos seus credos políticos, o estigma da sua ideologia. É fotografia do próprio Estado e o mais eficiente cartaz de sua propaganda. Tal seja ele, será uma alavanca de prosperidade ou uma arma para apressar a decadência do Estado.
A iniciativa sobre as escolhas de quais direção serão conferidos aos recursos públicos se dá através da elaboração dos projetos de três normas orçamentárias previstas na constituição, quais sejam: diretrizes orçamentárias, plano plurianual e orçamentos anuais. Elas são de iniciativa exclusiva do poder executivo, sendo a mesma privativa e indelegável.
O Plano plurianual – PPA, é uma lei, de longo prazo, que estabelece um planejamento estratégico do governo sendo utilizada como parâmetro de influência para as demais leis orçamentárias. Sua previsão normativa está no art. 165, §1° da CRFB. Esta lei tem o condão de estabelecer diretrizes, traçar objetivos e metas da administração pública federal voltadas às despesas de capital, bem como despesas de duração continuada.
Por ser uma lei orçamentária de maior duração temporal, pois vigi por um período de quatros anos, espera-se que neste intervalo de tempo o governo garanta à sociedade estabilidade nos planos de governo. O art. 43 da CF reflexiona essas diretrizes. Kiyoshi Harada (2018, online) afirma que a integração nacional, sendo um dos objetivos nacionais prementes, pois compõe a formulação da política nacional, impõe ao governo da União a elaboração de planos e programas nacionais, regionais e setoriais, que abarquem um complexo geoeconômico social, visando o desenvolvimento e a redução das desigualdades sociais.
A lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, foi pensada pelo legislador constitucional, como um elo entre o planejamento Plano plurianual (PPA) e a operacionalização Lei Orçamentária anual (LOA). Esta lei tem como escopo diversas atribuições, dentre as principais estriam em estabelecer metas e prioridades da administração pública, orientar a elaboração da LOA, dispor sobre alterações na legislação tributária, fixar a política de aplicação das agencias financeiras oficiais de fomento, bem como autorizar a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração de servidores públicos, criação de cargos, empregos, dentre outas atribuições.
Sobre a Lei Orçamentária Anual - LOA, trata-se da lei que prevê a execução dos projetos previstos pela diretrizes, objetivos e metas inseridos no PPA, bem como as metas e prioridades estabelecidas na LDO. Harrison Leite (2017, p.162) conceitua a Lei orçamentária da seguinte forma:
O orçamento é uma lei que prevê receitas e fixa despesas. Na parte da receita, parece simples dizer que pelo grau de previsibilidade existente na economia, bem como pelo suporte fático das ciências das finanças, a elaboração do orçamento na atualidade não perpassa pelos males que outrora o impregnou, seja com a superestimação de receita, o que dava vazão para gastos elevados, seja pela previsão irreal de despesas, que permitia ao Executivo gastar como quisesse e prever sabidamente irrealizáveis.
Essas três normas tem a profícua missão de terem no seu bojo o diagnóstico dos principais problemas dos Entes Federados, sendo inegável que o poder executivo terá maior propriedade técnica para direcionar a alocação de recursos para a superação dos mesmos.
Por ser o executivo, aquele que tem o melhor poder de análise sobre a real situação das necessidades públicas, como também da quantidade de receitas por ele arrecada, o constituinte lhe atribuiu com bastante acerto a exclusividade sobre a iniciativa das leis do orçamento. Dessa forma, constata-se que o poder legislativo não tem competência para dar início ao projeto de lei orçamentária.
O processo de elaboração das leis orçamentárias perpassa por uma sequência de fatores, primeiramente são de iniciativa exclusiva do poder executivo, que elabora a proposta orçamentária, em seguida essa proposta é encaminhada para discussão e votação pelo poder legislativo, com a aprovação da LOA inicia-se a execução orçamentária.
A execução orçamentária é realizada por órgãos e entidades governamentais, durante todo o exercício financeiro. É na verdade uma forma de descentralização do credito público, utilizado na realização de despesas oriundas de todos os órgãos e entidades responsáveis em pela programação e ação do governo.
Em uma análise mais profunda sobre a elaboração das leis orçamentárias, é possível vislumbrar que a execução do orçamento permanece um processo permeado por construções não muito claras e antidemocrática, no qual faltam efetivos controles, transparência, eficiência e sobram aparatos normativos para conferir um exacerbado poder decisório aos chefes do poder executivo e aos órgãos administrativos a ele subordinados.
Isso se dá pelo fato de que não existe, na atualidade, uma vinculação efetiva ao que foi votado e aprovado pelo poder legislativo no bojo das leis orçamentárias. Na realidade, por meio de respaldo das interpretações doutrinárias acerca do não reconhecimento da LOA como lei em sentido material, pois a doutrina majoritária apenas reconhecendo aspecto formal da mesma, o legislativo limita seu controle apenas aos aspectos superficiais da norma, sem se debruçar ao seu conteúdo, muito embora tenha legitimidade para tal. Harrison leite (2017, p. 34) aponta a essa concepção:
Para a corrente predominante, o orçamento é instrumento meramente político, servindo apenas à execução de políticas, através de atos administrativos discricionários. Com esse pensamento, o aspecto legal-material do orçamento passa ao largo, uma vez que, embora revestido extrinsecamente a aparência de lei, na verdade não contem uma norma jurídica. As premissas justificadoras da natureza apenas formal do orçamento são duas: a) é norma individual de efeito concreto; b) não gera direito subjetivo.
A anuência do poder legislativo, com essa visão tradicional sobre a lei orçamentária, traz repercussões muito negativas no sentido de uma eficiente fiscalização e controle da alocação de recursos públicos para efetuação de despesas exaradas na lei. Nesse sentido Harrison Leite (2017, p. 35):
O orçamento não pode ser visto com uma decisão exclusivamente política, com o crivo meramente formal do legislativo. Ao tornar-se lei, diminui-se a discricionariedade da Administração no manejo dos gastos públicos e limita, ordena e classifica a aplicação dos recursos de acordo com as escolhas legalmente nela postas, tudo dentro das prioridades constitucionais, que não podem ser alteradas.
Com tudo que foi posto, fica evidente o esvaziamento do poder legislativo em detrimento do excesso de discricionariedade do poder executivo, restando prejudicado todo planejamento orçamentário com a finalidade de concretização dos direitos sociais vinculados as receitas arrecadas para cumprir essa finalidade.
3.2 Efetivação dos direitos sociais diante da previsão de despesas
Um breve olhar sobre a estrutura da Carta Constitucional, de pronto percebemos que o legislador constituinte reservou vários dispositivos voltados à organização orçamentária. Essa preocupação tem fundamento, visto que toda ação estatal perpassa por reflexos financeiros, sendo o orçamento peça fundamental que viabilizará a concretização de todos os direitos fundamentais nela propostos.
O estudo aprofundado do orçamento público, principalmente através do seu viés constitucional é de extrema relevância para materializar as ações estatais e dessa forma exercer a democracia tentando mitigar a crescente desigualdade social que permeiam as relações sociais.
Os direitos fundamentais de segunda geração, classificados como direitos sociais, procuram na sua maior amplitude, fornecerem bens e direitos de forma a dar oportunidade a todos os cidadãos viverem com um mínimo de dignidade.
Sob a perspectiva do direito financeiro todos os direitos fundamentais devem ser tratados sem nenhuma diferenciação. Quando se olha para o direito financeiro, deve-se sempre voltar-se para as ações positivas do Estado, desse modo todos os direitos previstos no orçamento são direitos que terão que serem realizados necessariamente através de uma despesa que o Estado efetua.
A única forma que o Estado atua é através da realização de despesas que ele programa efetuar em um determinado lapso de tempo. Corroborando com esse pensamento Kiyoshi Harada (2018, p. 45):
O importante é ressaltar que a despesa pública há de corresponder, invariavelmente, a um dispêndio relacionado com a finalidade do interesse público, que é aquele do interesse coletivo, encampado pelo Estado. Em outras palavras, A despesa pública há de ser executada invariavelmente em conformidade com a autorização legislativa, isto é, nos exatos limites da Lei Orçamentária Anual- LOA-, que promove o direcionamento da receita pública segundo as prioridades eleitas pelo governo e referendadas pela sociedade por meio de seus representantes no Congresso Nacional.
A falta de critérios rígidos na execução orçamentárias das despesas públicas arrecadadas causa prejuízos sem precedentes a população. Nestes aspectos constate-se dois problemas igualmente graves: o primeiro seria a constatação da imensa discrepância entre o valor consignado na lei orçamentária e o que efetivamente é direcionado e aplicado nas políticas públicas sociais e a segunda constatação seria a de que o recurso que é efetivamente aplicado é feito de forma ineficiente.
Diante de uma política neoliberal, em que uma preocupação exacerbada com os superávits primários em detrimento dos investimentos em política públicas, os Estados buscam enxugar despesas a todo custo, nesse cenário político instável, o poder executivo, através de decretos, de forma cada vez mais frequente e sem observância do que foi aprovado pelo poder legislativo no bojo da aprovação da lei orçamentária, promovem cortes orçamentários arbitrário e desarrazoado nas despesas referentes aos serviços públicos essenciais.
São os chamados contingenciamento, que consistem no retardamento, ou mesmo na inexecução de parte do programa de despesas antevistos nas leis orçamentárias. Nesse sentido Kyoshi Harada (2018, 48):
A contenção dos gastos por meio de contingenciamento de despesas, frequentemente anunciadas por diferentes governos, corresponde mais as práticas deletérias visando a inexecução do orçamento aprovado pela sociedade do que a efetiva economia de recursos financeiros. Do contrário, com tantos “ contingenciamentos” deveria estar havendo superávits e não déficits como vem acontecendo.
Quanto a ineficiência da aplicação dos parcos recursos que são efetivamente destinados aos gastos públicos no âmbito social, o mesmo é fruto de uma escolha equivocada pela população dos agentes políticos, que em uma visão minimalista não conseguem visualizar a importância de elegerem representantes envolvidos num pensamento coletivista, ainda tão lugar comum nos dias atuais.
Torna-se inadmissível que diante de situações de cunho social tão urgentes e com recursos públicos disponíveis, o Estado escolha não agir e se abster de executar parte do orçamento público. Sabbag (2006, p. 87), alerta com muita propriedade sobre a necessidade de que a discricionariedade na gestão pública encontre limites nos princípios informadores do Estado de Direito e nas diretrizes do orçamento.
3.3 – Transparência e Controle Social do Orçamento Público
O direito financeiro foi estruturado através de uma série de princípios que lhes são próprios. Os princípios orçamentários estão dispostos na constituição de forma expressa ou de forma implícita. Princípios como os da programação do orçamento, proibição do estorno, da unidade da peça orçamentária, universalidade, legalidade, exclusividade, da não afetação do imposto, anualidade e da transparência são aparatos normativos que dão efetividade e segurança jurídica as leis orçamentarias. Todos os princípios, de forma peculiar contribuem com um direito financeiro mais forte, porque são normas imediatamente finalísticas e se incubem de socorrer situações em que o poder executivo tenta mitigar a real interpretação dada a lei orçamentária no arcabouço constitucional.
Celso Antônio bandeira de Melo citado por Kyoshi Harada (2018, p. 104) nos ensina:
Os princípios jurídicos são mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espirito e servindo para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
Harmonizando com essa leitura dada aos princípios orçamentários, o princípio da transparência, que apesar de não expresso no texto constitucional, é uma extensão do princípio da publicidade, esse sim, anotado no art. 37 da CRFB, que em seu texto designa à administração pública direta e indireta sua observância obrigatória em todas as ações governamentais. Desta forma, a publicidade é apenas uma das formas de se promover a transparência, condição sine qua non para a realização da fiscalização sobre o correto alocamento das despesas públicas.
De tão premente importância para garantir a implementação da peça orçamentária de forma efetiva, o texto constitucional trás no art. 165§ 3 CRFB a obrigatoriedade de publicação pelo Poder Executivo em até trinta dias após encerramento de cada bimestre, um relatório resumido da execução orçamentária. Outro artigo que tem o intuito de proporcionar a transparência dos gastos públicos, está prevista no art. 31§ 3° CRFB, que determina a divulgação, bem como o acesso por qualquer um do povo às contas públicas municipais em um período de sessenta dias. Neste intervalo de tempo as contas públicas poderão ser denunciadas caso haja alguma irregularidade.
Uma crítica relevante a ser feita, é que não basta garantir ao povo, através de dispositivos constitucionais, o direito de acesso a essas informações. O legislador teria que ter complementado a norma com a obrigatoriedade de se debater com os interessados todas operacionalizações exercidas na vigência da lei orçamentária. Nesse sentido Harrison Leite (2017, p. 111):
De lembrar que não basta a vasta documentação ser apresentada à Câmara e lá ficar trancafiada nos armários ou em locais de difícil a cesso. Igualmente, a linguagem técnica nela contida é impedimento para o cidadão realizar a pretendida fiscalização. É necessária a criação de mecanismos facilitadores para a fiscalização, pois, do contrário, o efeito não será alcançado.
A Lei n° 12.527/11, denominada Lei de Acesso à informação é uma importante garantia, pois dá direito ao cidadão a requisitar dos poderes públicos, todas as informações do seu interesse particular ou de interesse genérico. Estas informações terão que ser fornecidas pela administração pública de forma rápida, sob pena de responsabilização. A finalidade da Lei de Acesso a Informação é permitir que o povo tenha acesso a dados sobre as políticas públicas que foram planejadas e se o devido recurso destinado para sua efetivação foi realmente aplicado na sua execução. Veja-se a redação dos art. 6°, I, II, II da lei:
Cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a: I- gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação; II- proteção da informação, garantindo-se a sua disponibilidade, autenticidade e integridade; e III- proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição do acesso.
Com a advento desta lei, o princípio da transparência na gestão pública fica extremamente fortalecido, pois a lei ao passo que atribui obrigações sobre a prestação de informações pelo ente público, prevê também sanções pela sua não observância. Todo esse aparato jurídico normativo contribui para o aperfeiçoamento da cidadania e do controle social.
Outro instituto de controle social que poderia ser implementado com efeito vinculativo, seria o Orçamento Participativo. Que nada mais é do que uma consulta prévia feita aos cidadãos acerca de onde, os gastos públicos devem ser alocados. Essa consulta a população é feita antes que o projeto de lei orçamentária vá para apreciação do poder legislativo. O orçamento participativo tem previsão normativa no art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal quando a mesma trata sobre a transparência fiscal.
Embora a realização da consulta popular no âmbito fiscal não tenha o condão de obrigar o administrador público a atender aos anseios da população, a dita audiência é requisito de validade no processo de aprovação da lei orçamentária e a sua não observância vicia nulidade o procedimento.
A participação do cidadão no processo de elaboração e fiscalização das leis orçamentárias é uma conquista histórica para a democracia, visto que o maior volume de receitas destinadas a implementação de serviços públicos sociais vem das contribuições do dinheiro que lhes são retirados através dos impostos.
3.4- Prestação jurisdicional e o seu reflexo na lei orçamentária
Em sua obra, Espírito das Leis, Montesquieu criou o termo separação dos poderes. Neste ensaio o autor distinguia a função do Estado em três ramos de poderes diferentes e independentes de entre si. O seu objetivo, como esse pensamento, a princípio, era limitar o poder exacerbado conferidos ao monarca nesta época.
A constituição norte americana de 1787 foi a primeira carta constitucional a adotar a divisão de poderes, com o intuito de implementar o sistema de freios e contrapesos no combate a tirania. Para tornar possível essa separação, cada ramo do Estado passou a adotar procedimentos inerentes a sua atividade típica.
Na sociedade atual, a lição de Montesquieu ainda é bastante utilizada por diversas nações do mundo. A Carta Constitucional de 1988, aqui no Brasil, normatizou esse princípio no seu art. 2° atribuindo-lhe status de cláusula pétrea.
Modernamente, segundo Becattini (2013, p.28) resta superada a visão tradicional da separação de poderes, pois seria mais adequado falar-se em separação de funções. Dessa forma o poder legislativo, a administração pública e o poder judiciário são tidos como integrantes de um mesmo poder estatal, no qual não haveria separação rígida de poderes, mas apenas distinções de funções exercida por cada um.
A teoria clássica de divisão dos poderes, deixa em aberto algumas situações que na vida prática causam extremo desconforto aos que estão submetidos a tutela do Estado. Esta divisão de poderes abre uma lacuna quando nada menciona acerca de como um determinado órgão deverá agir diante das omissões praticadas pelos outros poderes em prestar serviços essenciais à população. Na prática, existe um liame exíguo que a carta constitucional e as leis infraconstitucionais permitem avançar sem invadir a esfera de competência do outro poder e dessa forma tentar tutelar uma omissão que na maioria das vezes é provocada por pura negligência dos entes responsáveis em executa-la.
Voltando os olhos ao direito financeiro, no qual constatamos o excesso de discricionariedade dado o chefe do poder executivo, que a todo custo tenta positivar leis que desvinculam receitas atreladas constitucionalmente a serviços públicos essenciais, como educação e saúde, percebemos a dimensão do problema causado por determinados entes da administração pública, restando aos poderes legislativos e em última instância ao poder judiciário corrigir essas distorções.
Existe uma casuística peculiar a essa situação, pois as decisões proferidas pelo poder judiciário com o intuito de tutelar situações desarrazoadas de omissões injustificada do poder executivo, causam impactos diretamente no orçamento público.
Tendo em vista que estas decisões jurídicas estão pautadas pelas prerrogativas da compulsoriedade, de forma a serem cumpridas obrigatoriamente, numa situação concreta, em que exista urgência de efetivação desses direitos sob o risco perecimento dos mesmos, os recursos a serem utilizados para cumprimento dessa decisão causam impactos econômicos prejudiciais, por não estarem previstos a priori, no plano orçamentário.
Na atualidade, este fenômeno tem sido denominado de ativismo judicial, que nas palavras de Becattini (2013, p. 58) seria uma atitude, ou seja, um modo de interpretar a constituição, de forma que o poder judiciário se coloque como responsável pela efetivação dos preceitos constitucionais. Nesse sentido Luiz Roberto Barroso (2017, p.443):
No Brasil, há diversos precedentes de postura ativista do STF, manifestada por diferentes linhas de decisão. Dentre elas se incluem: a) a aplicação direta da constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto independentemente de manifestação do legislador ordinário, como se passou em casos como da imposição de fidelidade partidária e o da vedação do nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da constituição, de que são exemplos as decisões referentes à verticalização da coligações partidárias e à cláusula de barreira; c) a imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, tanto em caso de inercia do legislador - como no precedente sobre greve no serviço público ou sobre criação de municípios- como no de políticas públicas insuficientes, de que têm sido exemplo as decisões sobre direito à saúde. Todas essas hipóteses distanciam juízes e tribunais de sua função típica de aplicação do direito vigente e os aproximam de uma função que mais se assemelha à de criação do próprio direito.
A análise que deve ser feita sobre a atuação do poder judiciário intervindo na esfera de atuação dos outros poderes, se dá pela retração do poder legislativo, diante das omissões em suprir lacunas normativas necessárias para o deslinde de situações extremamente conflituosas e que necessitam de respostas urgentes, bem como um certo afastamento da classe política diante da necessidade de efetivação de direitos sociais mínimos direcionados a da sociedade civil.
Essa intervenção jurídica, na tutela de milhares de demandas que necessitam de um certo volume de capital, impactam diretamente as contas públicas, desestruturando o planejamento orçamentário. A negligência e ingerência da administração pública em garantir aos jurisdicionados direitos sociais garantidos constitucionalmente reflexiona nas demais esferas do poder. O poder público deve dar primazia a eficiência no prestamento dos serviços públicos, e o orçamento é o principal instrumento de organização do Estado, sendo o que mais pode ofertar critérios para concessão de direitos sociais.
Diante do que foi exposto, não se quer dizer que o poder judiciário deve ter seu papel questionado como protetor dos direitos normatizados na carta constitucional, porém a bem da verdade é que seria preferível que ele atuasse precipuamente como um fiscal da atuação dos demais poderes e não fazendo as vezes dos mesmos.