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Os critérios material e pessoal do IPI sobre a importação de produtos industrializados do exterior

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25/02/2019 às 13:15
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3-NÃO-CUMULATIVIDADE E SELETIVIDADE COMO PRINCÍPIOS INFORMADORES DO IPI.

3.1 O Princípio da não-cumulatividade.

O princípio da não-cumulatividade irá informar a tributação por meio do IPI conforme a previsão constitucional do art. 153, § 3º, II, que prescreve que a referida imposto “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.”

Trata-se diretriz constitucional imperativa, dirigida ao legislador infraconstitucional, bem como ao intérprete e aplicador do direito. Ela possui eficácia plena e aplicabilidade imediata.

A não-cumulatividade não é uma mera técnica arrecadatória, representando uma simples fórmula de apuração do quantum devido à título de tributo.

É princípio constitucional que se volta à realização de alguns valores desejados pelo o constituinte originário, como a justiça tributária, o respeito à capacidade contributiva do administrado e a uniformidade de distribuição da carga tributária.

Como princípio que é, desfruta de um status privilegiado, não podendo sofrer qualquer alteração por força de norma infraconstitucionais, sendo, portanto, uma norma autoaplicável, prescindindo de outras regras concretizadoras para produzir seus efeitos.

O objetivo pretendido com o princípio da não-cumulatividade é evitar a tributação em cascata, buscando a desoneração do ciclo produtivo, resultando em um menor custo da produção para o industrial.

 Promove-se, também, a fomentação da produção de bens, gerando mais empregos, fazendo com que haja a circulação de riquezas e permitindo ao consumidor final um produto mais acessível, já que é este quem irá suportar todo o encargo econômico (contribuinte de fato do imposto).

Nas palavras do mestre Eduardo Domingos Bottallo:

“Ao instituir tal sistema, o legislador constituinte teve em mira favorecer o contribuinte (de direito) deste tributo, aliviando a pressão sobre os custos de produção, o que, em última análise, reverte em prol do consumidor final (contribuinte de fato), mediante a determinação de preços menos onerados pela carga fiscal.”[6]

O princípio da não-cumulatividade pressupõe a existência de etapas de ciclo produtivo, onde há operações sucessivas caracterizadoras da hipótese de incidência do tributo (impostos plurifásicos).

O princípio da não-cumulatividade irá se operacionalizar a partir do surgimento de um direito à compensação, sendo este o meio mais efetivo para se afastar a cumulatividade.

Neste sentido, o Estado possui o dever/poder de garantir ao sujeito passivo o direito subjetivo constitucional de compensar, em cada operação, o montante cobrado (devido) na operação anterior.

O contribuinte tem o direito de efetuar o pagamento apenas da diferença apurada, se existir, a partir da compensação de créditos e débitos escriturados. Ou seja, o valor devido à título de tributo será um valor resultante de uma subtração entre o montante de imposto devido e o montante de imposto cobrado na etapa anterior.

 Surgirá, para o sujeito passivo, um direito ao crédito correspondente ao valor do imposto cobrado na etapa anterior e que poderá ser abatido do montante devido na etapa subsequente (débito).

O direito a compensação surge independentemente do pagamento, cobrança ou incidência nas operações anteriores. Assim, se o sujeito passivo da operação anterior não efetuou o pagamento do imposto, ou se este não foi lançado pela Fazenda Pública, isto não irá prejudicar ou impedir o direito à compensação, devendo o abatimento ser observado mesmo nessas hipóteses.

Nas palavras do mestre José Eduardo Soares de Melo:

“Considerando os diversos motivos pelos quais um contribuinte deixa de recolher o IPI (esquecimento, ausência de suporte financeiro, questionamento), ou o Fisco de lança-lo (prazo decadencial), entende-se que a prévia “cobrança” (ou a liquidação do tributo) não constitui pressupostos essencial do direito ao crédito. Deve-se compreender a existência de uma anterior operação, sendo irrelevante exigir-se ato de cobrança, ou prova de extinção da obrigação (...).”[7]

Neste sentido, basta a existência de uma operação anterior que poderia estar sujeita a incidência por via do IPI, para o surgimento do direito ao crédito com aproveitamento em sua escrituração fiscal. Ou seja, que tenha ocorrido um episódio suscetível de ser tributado pela referida exação, independente de cobrança ou pagamento.

O direito à compensação está presente independente da proveniência e origem dos insumos (matéria-prima, materiais de embalagens ou produtos intermediários) e deve ser apurado levando-se em consideração as operações realizadas em um dado período de tempo.

O direito ao crédito é uma regra-matriz independente, que não se confunde com a regra-matriz de incidência tributária. Assim, o direito ao crédito irá surgir independentemente da operação anterior ser isenta, não-tributada ou sujeita à alíquota zero.

Temos duas relações jurídicas distintas. Em uma, temos o Estado como sujeito ativo de um direito subjetivo de exigir o adimplemento da obrigação tributária. Em outra, o Estado é o sujeito passivo devendo garantir ao contribuinte o direito à compensação. A posição dos sujeitos se invertem nessas duas relações.

Neste sentido, o direito ao crédito nasce independentemente do surgimento da obrigação tributária uma vez que a regra-matriz do crédito tributário é autônoma, não se confundindo com a norma padrão de incidência.

Nas palavras do mestre Paulo de Barros Carvalho:

“Cabe salientar, enfim, que a regra que estipula o nascimento do direito ao crédito goza de autonomia, relativamente à norma que cuida da imposição tributária. Portanto, se para a formação do direito ao crédito é irrelevante o próprio nascimento da obrigação, muito mais ainda será a circunstância de ter sido ou não extinta essa mesma relação: a cobrança do tributo na operação anterior torna-se irrelevante para a formação do direito ao crédito.”[8]

Desconsiderar a autonomia da regra-matriz do direito ao crédito, vinculando-a à norma padrão de incidência tributária, consubstanciaria uma violação ao princípio constitucional da não-cumulatividade prescrito ao IPI.

As desonerações tributárias não têm o condão de impedir o real aproveitamento do crédito tributário, sob pena de caracterizar-se uma restrição ao princípio da não-cumulatividade, não prevista na Carta Maior.

A Constituição Federal, no que diz respeito à tributação por meio do IPI, não traçou nenhum limite ou exceção ao surgimento do direito do crédito pelo sujeito passivo. Neste sentido, não pode o legislador infraconstitucional criar barreiras ao aproveitamento do crédito que não foram previstas em normas constitucionais.

Caso contrário, estaríamos diante de um diferimento da incidência do imposto, com mais imposto a pagar à Fazenda Pública e elevação do preço final do produto que será suportado pelo consumidor.

Como nos ensina o mestre Eduardo Domingos Bottallo:

“Do contrário, o incentivo (a isenção) não passaria de mero diferimento da incidência do imposto, uma vez que o contribuinte sofreria gravame equivalente ao que suportaria caso não existisse a exoneração. Em outras palavras, o adquirente de matérias-primas e de insumos isentos, conquanto viesse a pagar preço aparentemente menor por estes itens, acabaria suportando carga tributária superior (em virtude de não poder creditar-se), resultando anulado, por completo, o efeito buscado pela norma liberatória.”[9]

O direito ao crédito do IPI dos valores relativos às operações anteriores, prescrito no ar.t 153, § 3º, II, da Constituição Federal, é um direito do contribuinte que não encontra ressalvas constitucionais, ao contrário do ocorre com o ICMS. Neste sentido, não caberá ao legislador ordinário, ou mesmo complementar, dispor sobre possíveis restrições que a Lei Maior não fez.

O problema que se apresenta com a existência de benefícios fiscais na operação anterior, diz respeito a qual alíquota deverá ser utilizada para a tomada de créditos.

Entendo que a alíquota a ser utilizada é a mesma que será aplicada na saída tributada pelo IPI do produto que foi industrializado, devendo prevalecer a equivalência de alíquotas entre os créditos e os débitos.

3.2 A Seletividade em função da essencialidade do produto.

O imposto seletivo é aquele que, utilizando determinados critérios de discriminação, onera diferentemente os bens sobre os quais incide. A seletividade implica em uma distinção de alíquotas em função do tipo de produto.

O princípio da seletividade em função da essencialidade do produto informa a tributação por meio do IPI. Tem previsão legal no art. 153, §3º, I, da Constituição Federal e no art. 48 do CTN.

Prescreve o art. 153, §3º, I, CF, que o IPI “será seletivo, em função da essencialidade do produto.” Trata-se de um mandamento constitucional dirigido ao legislador infraconstitucional, de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Consubstancia-se em um verdadeiro poder/dever.

O princípio da seletividade é uma das formas de se instrumentalizar a extrafiscalidade do IPI, através da adoção de um sistema de alíquotas diferenciadas em função da essencialidade, permitindo diminuir o ônus tributário sobre os produtos que são imprescindíveis aos indivíduos e à sociedade.

Nos ensinamentos do mestre Eduardo Domingos Bottallo:

“Para sua efetiva realização, a seletividade, no IPI, poderá ser buscada mediante a utilização de quaisquer técnicas que possam redundar na modificação quantitativa da carga tributária: sistema de alíquotas diferenciadas, variação de bases de cálculo, criação de incentivos fiscais e semelhantes. Contudo, acaba sendo confirmado, na prática, que, por intermédio da manipulação das alíquotas, mais facilmente se alcança a seletividade no IPI.”[10]

Ao instituir tributos, exercendo sua competência tributária, o legislador imprime, na sua atividade legiferante, valores e objetivos que pretende alcançar com a criação de determinada exação.

Se seu fim for prestigiar situação social, política ou econômica, ou seja, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, falamos de extrafiscalidade, ou seja, “tributação com outros fins que não a obtenção de receita, constituindo um recurso técnico muito usado pelo governo como intervenção do Estado no meio social e na economia.”[11]

Neste sentido, o IPI é um imposto extrafiscal usado como instrumento para induzir comportamentos, estimulando ou desestimulando condutas. É utilizado como forma de intervenção estatal nos campos político, social e econômico, a fim de viabilizar a implementação de políticas públicas.

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O princípio da seletividade no IPI é uma norma tributária extrafiscal que visa à realização de objetivos de justiça social. Neste sentido, deve ser observada pelo legislador ordinário, no exercício de sua competência tributária e, pelo Poder Executivo, ao alterar as alíquotas dentro dos parâmetros legais.

Os produtos considerados essenciais ou de primeira necessidade sofrerão uma incidência tributária mais branda com a aplicação de alíquotas menores para cálculo do montante devido à título de IPI.

Já os produtos suntuários ou de consumo restrito serão tributados de maneira mais onerosa, com a aplicação de alíquotas maiores a fim de se determinar o quantum debeatur.

Assim, as alíquotas do IPI poderão variar para mais, na razão inversa da essencialidade do produto industrializado; ou para menos, inclusive chegando a zero, quando tratar-se de produtos considerados de alta significação social e essenciais para a coletividade.

O princípio da seletividade leva em consideração um outro princípio constitucional: o da capacidade contributiva. Como o princípio da não-cumulatividade, ambos buscam a adequação do IPI à capacidade econômica do adquirente do produto, que é quem suporta todo o ônus do imposto em questão.

Neste sentido, os indivíduos que apresentam maior poder econômico (fatos-signos presuntivo de riqueza) deverão ser tributados de forma mais onerosa do que aqueles que possuem rendimentos parcos, que sofrerão uma incidência tributária mais branda ou até mesmo serão desonerados.

O princípio da capacidade contributiva impõe limites à extrafiscalidade do IPI que se manifesta por meio do princípio da seletividade em função da essencialidade do produto industrializado.

Como ensina o mestre Ricardo Lobo Torres:

“O legislador tem ampla possibilidade de procurar a norma justa para fazer atuar o princípio da seletividade segundo a essencialidade. Mas encontra limitações nos direitos fundamentais e no próprio princípio da capacidade contributiva que governa a incidência tributária sintetizados na igualdade fiscal.”[12]

O princípio da seletividade permite adequação do IPI aos critérios da justiça fiscal, levando-se em consideração os interesses dos consumidores finais (contribuintes de fato), que suportam a carga econômica do IPI.

Neste sentido, quem pode adquirir produtos supérfluos apresenta uma capacidade contributiva maior, devendo, proporcionalmente, ser mais onerado do que aquele que compra um produto dito essencial, onde a rigor, não há liberdade de consumo.

Essencialidade é aquilo que constitui a essência, sendo necessário, indispensável e importante. É um conceito que deve adequar-se ao momento histórico, levando-se em consideração às necessidades da coletividade. O princípio deve, neste sentido, moldar-se às transformações sociais e econômicas verificadas em uma sociedade em um certo espaço de tempo.

Existem alguns critérios que podem ser adotados pelo legislador ordinário para definir um produto como essencial: (i) a adequação do produto à vida do maior número de habitantes de um país; (ii) destinação ou a finalidade que será dada ao produto; e (iii) processo de comparação entre produtos.

Os chamados bens imprescindíveis não deixam margem de liberdade para o consumo, sendo produtos necessários à maior parte da população e, justamente por isso, devem receber um tratamento fiscal mais brando.

Aprofundando a questão, podemos dizer que o chamado mínimo vital é insuscetível de tributação. Neste sentido, os produtos considerados essenciais à manutenção da vida, saúde, vestuário, moradia e alimentação, dentre outros, não devem, ou pelo menos, não deveriam sofrer a incidência do IPI.

Neste sentido, nos ensina o mestre Roque Antonio Carrazza:

“É tarefa difícil precisar o que vem a ser mínimo vital. É certo, porém, que ele gravita em torno de bens mais preciosos do ser humano: a vida, a saúde, a cultura, quer próprias, quer familiares e dependentes. Minudenciando a asserção, os valores monetários ou operações jurídicas que garantem o direito à vida, à saúde, ao bem-estar, à educação, à moradia, ao lazer etc., do contribuinte ou de seus familiares e dependentes, devem, o mais possível, passar a largo da tributação.”[13]

Uma outra questão que se coloca em relação ao princípio da seletividade diz respeito a possibilidade de controle por parte do Poder Judiciário no que diz respeito ao conteúdo mínimo da expressão “essencialidade do produto”.

Neste sentido, ainda que o referido princípio seja dirigido ao legislador ordinário da União, entendemos que existe a possibilidade do Poder Judiciário exercer o controle sobre a aplicação do princípio, verificando se o Poder Legislativo adotou critérios técnicos e racionais para definir um produto como essencial.

Nas palavras do mestre Eduardo Domingos Bottallo:

“Com efeito, o Poder Judiciário não está menos autorizado do que o Poder Legislativo a investigar o alcance da expressão em foco. Isto significa que o Judiciário pode -e deve- averiguar se os critérios adotados pelo Legislativo foram adequados e racionais. Se concluir que a legislação ultrapassou as fronteiras da razoabilidade e do bom senso, poderá perfeitamente restabelecer o benefício fiscal.”[14]

Ainda que o legislador ordinário tenha uma margem de liberdade, podendo atuar com certa discricionariedade no momento de definir o sentido e o alcance da expressão “essencialidade do produto”, o contribuinte, sentindo-se lesado, tem o direito de provocar o judiciário para que este se manifeste à luz de critérios técnicos.

Por fim vale destacar que, o princípio da seletividade exerce uma força de atração no que diz respeito aos componentes e acessórios que se agregam ao produto final, de tal sorte que aqueles devem receber o mesmo tratamento tributário, sujeitando-se às mesmas normas que alcançam a comercialização dos produtos aos quais se incorporam.

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Sobre o autor
Ricardo Runavicius Toledo

Mestrando em direito tributário pela PUC-SP, especialista em direito tributário pelo Cogeae/PUC-SP e bacharel em direito pela USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO, Ricardo Runavicius. Os critérios material e pessoal do IPI sobre a importação de produtos industrializados do exterior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5717, 25 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72309. Acesso em: 23 abr. 2024.

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