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Os critérios material e pessoal do IPI sobre a importação de produtos industrializados do exterior

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25/02/2019 às 13:15
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4. IPI SOBRE A IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS DO EXTERIOR (IPI-IMPORTAÇÃO).

4.1 Critério Material do IPI-importação.

O critério material do IPI-importação é importar produtos industrializados advindos do exterior. Para alguns autores, trata-se de um mero adicional do imposto de importação, sendo que a materialidade constitucionalmente eleita para o IPI seria a conduta “realizar operações jurídicas com produtos industrializados”.

Nos ensinamentos do mestre Eduardo Domingos Bottallo:

“Embora, à primeira vista, aparente ser mera “variante operacional” do IPI, a exação que, nos termos do art. 46, I, do CTN, incide sobre a importação de bens industrializados no exterior, confunde-se com o imposto sobre a importação, também incluído na esfera de competência tributária da União, nos termos do art. 151, I, da Lei Maior. Daí concluirmos que, no contexto ora considerado, o IPI equivale a mero adicional do imposto de importação.”[15]

Neste sentido, parte da doutrina entende tratar-se de uma superposição do IPI-importação e do Imposto de Importação (II).

Entretanto, deve-se falar em uma superposição parcial porque o campo de incidência do imposto de importação não abrange a importação de produtos brasileiros exportados.

Assim, o IPI-importação desempenha um papel importante de proteção da Fazenda Nacional contra a fraude e a evasão fiscal, já que o imposto de importação só pode incidir sobre a importação de produtos estrangeiros, não abarcando os produtos nacionais ou nacionalizados que, enviados ao exterior, venham a ser introduzidos em território nacional.

Nesta linha, ensina o mestre Hugo de Brito Machado:

“Como o imposto de importação não pode incidir em tal caso, posto que não se trata de importação de produtos estrangeiros, e a exportação dos produtos brasileiros ocorre sem a incidência de impostos, poderia a exportação destes ser feita com o propósito de sua posterior importação, simplesmente como uma forma de fugir dos impostos.”[16]

Para outra parte da doutrina, que é também nosso entendimento, trata-se de uma regra-matriz de incidência autônoma e distinta da materialidade “industrializar produtos”, não se confundindo com o imposto de importação, conforme prescreve a legislação infraconstitucional, especificamente o art. 46, I do CTN e o art. 2º, I da Lei nº 4.502/64, que instituiu o IPI.

Prescreve o art. 46, I, do CTN:

“O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

I-o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;”

Neste mesmo diapasão, prescreve a Lei nº 4.502/64 no seu art. 2º, I:

“Art. 2º Constitui fato gerador do imposto: 

 I - quanto aos produtos de procedência estrangeira o respectivo desembaraço aduaneiro;”

O constituinte originário, ao descrever a competência da União para legislar sobre o IPI, prescreveu que a referida exação poderia ser instituída sobre “produtos industrializados”, não existindo qualquer outro limite constitucional direcionado ao legislador ordinário para eleger as hipóteses tributárias, dede que preservada o núcleo de incidência, qual seja, produto industrializado.

Temos, portanto, uma hipótese de incidência autorizada pelo ordenamento pátrio, uma vez que a Lei Maior não restringiu a expressão produtos industrializados com outros elementos, podendo o legislador ordinário da União instituir o IPI-importação, não se confundindo com o regra-matriz do IPI que incidente sobre as operações realizadas com produtos industrializados.

Além do mais, não podemos desconsiderar que o IPI possui uma importante função extrafiscal, sendo utilizado para induzir comportamentos, estimulando ou desestimulando condutas.

É instrumento para implementação de políticas econômicas que buscam não só proteger o parque industrial nacional, mas também visa assegurar os princípios da isonomia e da livre-concorrência, uma vez que submete o produto importado ao mesmo tratamento tributário dispensado ao produto industrializado nacional.

Neste sentido, ensina Misabel Derzi:

“ (...) a norma adotada no mercado internacional é aquela de desoneração das exportações, de tal modo que os produtos e serviços importados chegam ao país do destino livres de todo imposto. Seria agressivo à regra da livre concorrência e aos interesses nacionais pôr em posição desfavorável a produção nacional, que sofre a incidência do IPI e do ICMS. Daí a necessidade de se fazer incidir o IPI sobre a importação de produtos industrializados.”[17]

Se o produto nacional sofre a incidência do IPI no mercado interno, não poderá o produto industrializado de procedência estrangeira sofrer um tratamento distinto, sob pena de violar o princípio da equidade concorrencial.

O produto estrangeiro deverá sofrer a mesma incidência que está sujeita o produto nacional, visando garantir os interesses da industrial nacional, buscando condições de igualdade entre o produto industrializado nacional e o estrangeiro.

Caso não haja a incidência do IPI na importação, os produtos estrangeiros entrariam no país com preços inferiores aos nacionais, já que apenas estes últimos seriam tributados por meio do IPI. Neste caso, teríamos uma violação ao princípio da livre-concorrência.

Além do mais, como as exportações estão imunes à incidência do IPI, o industrial poderia exportar o produto industrializado, para logo depois, importá-lo, sem que fosse alcançado pela incidência do IPI, caracterizando um mecanismo de evasão fiscal.

4.2 Critério Pessoal.

4.2.1 Importador equiparado ao industrial.

Conforme prescreve o art. 153, IV, da Constituição Federal, o sujeito ativo do IPI é a União. Neste sentido, caberá a União a competência tributária para instituir o IPI-importação nos termos da Lei nº 4.502/64 c/c art. 46, I do CTN.

Já o sujeito passivo do IPI-importação é o importador ou quem a lei a ele equiparar, conforme prescreve o art. 51, I, do CTN.

O importador é aquele que mantém relação direta e pessoal com o critério material da hipótese de incidência. É quem realiza o fato imponível.

No entanto, este quesito questão ganha importância porque além do importador, poderá figurar como sujeito passivo da obrigação tributária o “equiparado ao importador”, ou seja, aquele sujeito que apresenta semelhanças com o importador, ainda que existam dissemelhanças secundárias.

Neste sentido, ensinam Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo:

“ (...) equiparação é um artifício, usado pelo legislador, para igualar situações que, posto dissemelhantes, apresentam pontos de identificação. Trata-se, pois, de um artifício, que busca equalizar, sob a ótica do Direito, coisas diferentes, dispensando-lhes o mesmo tratamento.”[18]

A questão ganha importância porque o Decreto nº 7.212/10, no seu art. 9º, I, equipara ao estabelecimento industrial “os estabelecimentos importadores de produtos de procedência estrangeira, que derem saída a esses produtos”.

Assim, o importador sofrerá a incidência do IPI em dois momentos: (i) no desembaraço aduaneiro; e (ii) na saída do produto nacionalizado do estabelecimento importador.

Não se trata aqui de uma equiparação legal, mas de uma ficção jurídica, uma vez que o importador não guarda qualquer identificação com o estabelecimento industrial.

Nos ensinamentos dos mestres Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo:

“(...) na ficção, o ato, mais que improvável ou inverossímil, é falso e, nesta medida, jamais será real. É um artifício do legislador, que transforma uma impossibilidade material numa possibilidade de natureza jurídica. Neste sentido, é uma criação do legislador, que faz nascer uma verdade jurídica diferente da verdade real.”[19]

Veja, o importador não realizou qualquer processo de industrialização, não guardando nenhuma relação com o comportamento “industrializar produtos”. Assim, não pode sofrer a incidência do IPI no momento da saída dos produtos importados para a comercialização. Neste sentido, esta equiparação é absolutamente inconstitucional.

Na industrialização, um produto deve ser submetido a uma operação que modifique sua natureza, sua finalidade ou que o aperfeiçoe para o consumo. No caso do importador, o produto não passou por qualquer processo de industrialização, não podendo ser equiparado ao estabelecimento industrial, já que nada industrializou.

A atividade desenvolvida pelo importador no mercado interno em nada se assemelha com as atividades típicas de um industrial, não existindo semelhanças que fundamentem a equiparação. O que ocorre é uma ficção jurídica inidônea e não autorizada.

Como nos ensina o mestre Eduardo Domingos Bottallo:

“De feito, o comerciante-importador não submete produtos a processo de industrialização; tampouco, pratica atos visando sua disponibilização no mercado interno, eis que isso já ocorreu ao ensejo do desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas. Como se vê, nem instrumental, nem finalisticamente, suas atividades, no mercado interno, podem ser identificadas com as típicas de um industrial. Daí não estarem presentes, os imprescindíveis pontos de aproximação, entre o comerciante-importador e o industrial, capazes de tornar tributariamente irrelevantes, as diferenças que entre eles existem.”[20]

A única incidência juridicamente possível é aquela que se verifica por ocasião do desembaraço aduaneiro, não podendo existir a tributação por via do IPI na saída do produto importado para revenda, já que os produtos nacionalizados não foram submetidos a nenhum tipo de processo de industrialização.

Assim, os produtos destinados à revenda no mercado interno não podem sofrer, novamente, a incidência do IPI, por ocasião da saída do estabelecimento importador.

Neste sentido, o referido Decreto inovou o ordenamento jurídico, alargando, de maneira indevida, o campo de incidência tributária da referida exação, alterando a regra-matriz de incidência que foi constitucionalmente definida.

As competências tributárias forma discriminadas pelo Texto Maior de maneira minuciosa e exaustiva. Neste caso, significaria dizer que a Constituição Federal não é rígida e que as faixas de competência poderiam ser alteradas pela legislação infraconstitucional.

Assim, a legislação ordinária, ao determinar que o IPI deva incidir sobre a saída do produto do estabelecimento importador, cria uma obrigação tributária ao sujeito passivo que não deveria existir, violando direito fundamental do contribuinte.

Vale destacar que o importador-comerciante, ao sofrer novamente a incidência do IPI no momento da saída do produto nacionalizado do estabelecimento importador, encontra-se em situação de desigualdade em relação ao comerciante que adquire um produto similar nacional, caracterizando-se uma violação ao princípio da igualdade e da isonomia tributária, uma vez que estamos diante de uma situação em que o produto industrializado importado sofreu uma tributação mais onerosa que o similar nacional.

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Como o importador não é o sujeito passivo que realiza o ato de industrialização, não poderá sofrer a incidência do IPI no momento da saída da mercadoria do estabelecimento importador. A revenda, no mercado interno, do produto nacionalizado não é materialidade que enseja a incidência da referida exação.

O Decreto nº 7.212/10 criou situação de bitributação, autorizando a duplicidade de incidência do IPI, primeiro no desembaraço aduaneiro e depois na saída da mercadoria do estabelecimento importador.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de afastar a incidência tributária na saída do estabelecimento importador por inexistirem atos de industrialização, uma vez que o importador não realizou o fato imponível “industrializar produtos”.

EMPRESA IMPORTADORA. FATO GERADOR DO IPI. DESEMBARAÇO ADUANEIRO.

I - O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão.

II - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação.

III - Recurso especial provido.[21]

A revenda de um produto que não tenha sido objeto de qualquer nova etapa de industrialização não poderia ser alvo de nova incidência do IPI, uma vez que o referido tributo não visa tributar o simples comércio, mas a operação jurídico-mercantil com produto industrializado que se dá entre o industrial e um terceiro.

Além do mais, vale destacar que esta bitributação imposta ao importador-comerciante viola os princípios da capacidade contributiva e do não-confisco.

O princípio da capacidade contributiva é mandamento constitucional previsto no art. 145, § 1º, da Constituição Federal que prescreve que “Sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)”.

Este princípio se encontra nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. É uma das formas de se instrumentalizar a justiça fiscal, levando-se em consideração dos signos de riqueza dos contribuintes.

Por outro lado, é vedado a União utilizar tributo com efeito de confisco, ou seja, é confiscatório o tributo que esgota ou tem potencialidade para esgotar a riqueza tributável das pessoas, impedindo ou dificultando o exercício de suas atividades habituais.

No caso do importador, que já recolheu o IPI no momento do desembaraço aduaneiro, não poderia ser alcançado novamente pela referida exação quando revender, no mercado interno, os produtos nacionalizados, já que esta sobretaxação absorveria, sem causa, parte de sua propriedade.

Assim, esta dupla incidência imposta ao importador de produtos industrializados, significaria exigir o IPI fora de sua regra-matriz constitucional, violando o princípio da capacidade contributiva, além de imprimir-lhe feições confiscatórias.

Por fim, vale acrescentar que os argumentos acima expostos podem ser aplicados aos estabelecimentos atacadistas e varejistas que adquirem produtos importados por conta e ordem de terceiros ou por encomenda.

Por força da Lei 11281/96, estes estabelecimentos foram equiparados a industriais, fazendo nascer a obrigação tributária de pagar IPI, ainda que não realizem nenhum processo de industrialização.

4.2.2 Importador pessoa física.

Trataremos agora da importação de produto industrializado por pessoa física que adquire o produto para uso próprio. A questão tem gerado grandes discussões na Justiça Federal e sempre foi objeto de discordância entre Tribunais Regionais Federais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

A questão, em particular, versa sobre a aquisição de veículo automotor para uso próprio da pessoa física. No âmbito do STF, o Plenário não havia apreciado a questão a fundo, existiam apenas julgamentos da Primeira e da Segunda Turma, referentes a agravos regimentais, que consolidaram o entendimento no sentido da não incidência do IPI na importação de veículo automotor por pessoa física.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO PARA USO PRÓPRIO NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Não incide IPI em importação de veículo automotor, por pessoa física, para uso próprio. Aplicabilidade do princípio da não cumulatividade. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.[22]

O STF havia se posicionado no sentido da não incidência do IPI sobre a importação de veículo automotor por pessoa física já que o sujeito não teria como repassar o ônus econômico, o que violaria o princípio da não cumulatividade.

Neste caso, as pessoas físicas ou jurídicas não seriam contribuintes do IPI, não existindo etapas subsequentes, o que implica dizer que deveriam suportar todo o ônus econômico decorrente da tributação por via do IPI. Seriam os consumidores finais do produto.

Não obstante o acima exposto, o IPI-importação possui uma função extrafiscal, visando garantir os princípios da isonomia e da livre-concorrência, na medida em que o produto industrializado importado deve receber o mesmo tratamento tributário que o produto industrializado nacional.

Neste sentido, o objetivo da incidência do IPI-importação é manter a igualde de preços entre o produto importado e o similar nacional, resguardado o princípio da igualdade e da isonomia tributária.

Também não há de se falar em violação ao princípio da não-cumulativadade. O referido princípio pressupõe a existência de etapas de um ciclo produtivo, situação em que o produto industrializado percorre mais de uma etapa.

No caso da importação de veículo automotor por pessoa física, trata-se de uma incidência monofásica. Portanto, não há de se falar em não-cumulatividade e muito menos em violação do princípio em pauta porque a operação jurídica se implementa em uma única fase.

 Para que o princípio da não-cumulatividade fosse violado, necessário seria a existência de várias etapas, sem o surgimento do direito à compensação. O caso em tela, trata-se de uma única incidência a cargo do consumidor final.

Em 04/02/2016, o Plenário do STF, por maioria, apreciando o tema da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, e fixou a seguinte tese:

"Incide o imposto de produtos industrializados na importação de veículo automotor por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio" (RE 723651, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-164 DIVULG 04-08-2016 PUBLIC 05-08-2016).

Neste sentido, no julgamento do RE 723.651/PR restou definida a incidência do IPI na importação de veículos automotores por pessoas físicas, posição que se contrapõe ao longo período de decisões proferidas de forma favorável aos contribuintes.

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Sobre o autor
Ricardo Runavicius Toledo

Mestrando em direito tributário pela PUC-SP, especialista em direito tributário pelo Cogeae/PUC-SP e bacharel em direito pela USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO, Ricardo Runavicius. Os critérios material e pessoal do IPI sobre a importação de produtos industrializados do exterior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5717, 25 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72309. Acesso em: 29 mar. 2024.

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