Capa da publicação Trabalho infantil e tempo de contribuição previdenciário
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Reconhecimento do tempo de contribuição para trabalhadores menores de 18 anos.

Um recorte aos trabalhadores domésticos

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Resumo:


  • A proteção à infância e juventude, incluindo a proibição do trabalho infantil, foi abordada na Constituição de 1934, estabelecendo a idade mínima de 14 anos para o trabalho.

  • Legislações posteriores, como o Código de Menores Mello Mattos de 1927, também trataram da proibição do trabalho para menores de 12 anos e menores de 14 anos que não tenham completado a instrução primária.

  • A evolução jurídica sobre o trabalho infantil no Brasil reflete a preocupação com a proteção dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, estabelecendo limites claros para sua participação no mercado de trabalho.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Pode o tempo de trabalho infantil ser contabilizado para fins previdenciários, ampliando o acesso à aposentadoria para esse grupo vulnerável?

Resumo: A presente monografia é a discussão do direito aos trabalhadores domésticos, em particular, a concessão a aposentadoria levando em conta a idade anterior a permitida pela atual Constituição Federal. Parte-se da compreensão da evolução histórica do trabalho doméstico no Brasil, as implicações na vida pessoal e profissional dos milhares de trabalhadores que se encontram, desde sempre, desamparados e subjugados a discriminação social e legislativa. Abordam-se a evolução constitucional e legislativa com o advento da Lei 150/2015 e o posicionamento dos tribunais, o direito atribuído aos trabalhadores rurais pelo STF, a disposição do Direito Previdenciário, além da postura da autarquia federal (INSS) responsável por conceder o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição.

Palavras-chave: Trabalhador doméstico. Constituição Federal. Ampliação de direitos. Aposentadoria.

Sumário: 1. Introdução. 2. Interface entre Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. 3. Trabalho Infantil. 3.1. Histórico Constitucional da legalidade do trabalho infantil no Brasil. 3.2. Organização Internacional do Trabalho. 3.3. Consolidação das Leis Trabalhistas. 3.4. Estatuto da Criança e do Adolescente. 3.5. Código Penal. 3.6. Lei Complementar 150 de 2015. 4. Trabalho Doméstico Realizado por Crianças e Adolescentes no Brasil. 4.1. Relação social cultural econômica e jurídica. 4.2. Trabalho doméstico x trabalho escravo. 5. Sistema Previdenciário Brasileiro. 5.1. Breve Histórico. 5.2. Princípios Constitucionais da Seguridade Social e da Previdência Social. 5.3. A Previdência Social Brasileira. 5.4. Filiação e Inscrição. 5.5. Aposentadoria por tempo de contribuição. 6. Posicionamento do INSS quanto à contagem do tempo de contribuição no período do trabalho infantil ilegal. 7. Entendimento Jurisprudencial Brasileiro. 8. Conclusão. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo traz uma análise do cabimento da aposentadoria por tempo de contribuição aos trabalhadores domésticos que iniciaram o labor com idade inferior a 18 anos. Leva-se em consideração que “É vedada a contratação de menor de 18 (dezoito) anos para desempenho de trabalho doméstico, de acordo com a Convenção no 182, 17 de junho de 1999, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e com o Decreto n.º 6.481, de 12 de junho de 2008” (BRASIL, 2015).

O reconhecimento de um direito é um fato extraordinário, não somente para o seu beneficiário, mas também para o Estado que o concede. Para o beneficiário, é o resultado da busca para impedir os malefícios de poderes constituídos (e o Estado é um deles) ou para obter benefícios desses mesmos poderes. Já para o Estado, tal reconhecimento, para fazer usos das palavras de Norberto Bobbio (2004), sugere que houve aumento do poder do homem sobre o homem, que deve ser limitado, ou que sugiram novas ameaças à liberdade do indivíduo que precisam ser combatidas ou que se fazem precisos novos remédios para as suas indigências: “ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor” (BOBBIO, 2004, p. 09).

Muitos são os direitos conquistados pelo indivíduo, a exemplo do reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas também a proteção do trabalho contra o desemprego, os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo, a assistência para a invalidez e para a velhice. Este direito será o tema sobre o qual se procura discorrer ao longo do presente estudo.

A assistência à invalidez e à velhice está na ordem do dia. A longevidade da população pode gerar desequilíbrios, principalmente quando a população economicamente ativa não consegue sustentar a população economicamente inativa, aqueles que, tendo colaborado com a sociedade através de seu trabalho, precisam garantir a satisfação de suas necessidades básicas com gozo de uma aposentadoria. O envelhecimento da população é uma tendência em diversas nações, e as consequências podem refletir-se nas despesas dos Governos, como a previdência social e a saúde: há a preocupação de que as despesas superem as receitas, ameaçando a garantia da manutenção e concessão do benefício de aposentadoria. O Estado brasileiro não é exceção à esta tendência.

No Brasil, a concessão da aposentadoria pode ser feita, dentre outras formas, pelo tempo de contribuição. O direito à contagem do tempo para aposentadoria encontra-se lastreado em diversas legislações pertinentes ao assunto. Existe também a Instrução Normativa nº 77, de 21 de janeiro de 2015, que, considerando a necessidade de estabelecer rotinas para agilizar e uniformizar a análise dos processos de administração de reconhecimento direitos dos beneficiários da Previdência Social, entre outros, estabelece, em seu art. 10, os documentos necessários para a comprovação do exercício da atividade do segurado empregado urbano ou rural, a fim de concessão do benefício.

Contudo, há casos em que a contagem do tempo esbarra em questões jurídicas, a exemplo do reconhecimento para pessoas que começaram a exercer ocupação antes da idade mínima exigida por lei: 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos.

Do ponto de vista legal, o trabalho infantil antes da idade mínima é considerado crime. O trabalho infantil vem sendo combatido, mas encontra forte resistência calcada em aspectos culturais, econômicos, jurídicos e sociais. Apesar do impedimento e das políticas públicas de combate, milhões de meninas e meninos de 05 a 17 anos desempenham atividades laborais, inclusive algumas consideradas as piores formas de trabalho, como é o caso dos serviços domésticos.

A ilegalidade do trabalho infantil não tira tão somente direitos no presente (educação, lazer, saúde etc.), mas pode obstaculizar a garantia de direito futuro, como é o caso da aposentadoria.

A partir do exposto, levanta-se o seguinte problema: diante da ilegalidade do trabalho infantil, caberia o reconhecimento do tempo de contribuição para aposentadoria aos trabalhadores domésticos?

Em função do questionamento, a pesquisa pretende analisar o trabalho infantil no Brasil, sob uma perspectiva dos trabalhadores domésticos, bem como a possibilidade da contagem do período do trabalho infantil para aposentadoria, apesar de o período configurar existência de trabalho ilegal. Para tanto, buscou-se: a) estabelecer relação entre o direito do trabalho e o direito previdenciário; b) evidenciar condições socioeconômicas das crianças e adolescentes trabalhadores, sobretudo, os domésticos; c) caracterizar a relação de trabalho doméstico no Brasil; d) expor o posicionamento do INSS e da Jurisprudência em relação a contagem do tempo de trabalho decorrente do trabalho infantil ilegal e; demonstrar o cabimento do reconhecimento do vínculo previdenciário decorrente do trabalho infantil ilegal para contagem do tempo para a concessão do benefício da aposentadoria.

A pesquisa tem uma natureza qualitativa (MINAYO, 2001, p.22-23). Ela buscou responder questões particulares, através da apreensão de significados, motivos, valores, dentre outros aspectos, a fim de dar conta de processos e de fenômenos não quantificáveis, visto que tais processos e fenômenos não são perceptíveis nem captáveis em equações e estatísticas.

Para desenvolvimento do estudo, fez-se uso tanto da pesquisa documental quanto da pesquisa bibliográfica. A primeira “Tem-se como fonte documentos no sentido amplo [...]. Nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria–prima, a partir do qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise” (SEVERINO, 2017). Dentre os documentos, foi feita a análise da legislação internacional e nacional vigente para fundamentar e enriquecer o tema, bem como documentos emitidos pela autarquia federal e decisões jurisprudenciais.

A segunda baseou-se na coleta de material de diversos autores sobre o tema, principalmente o entendimento doutrinário sobre o estudo. Segundo Lakatos (1992, p. 44), “a pesquisa bibliográfica permite compreender que, se de um lado a resolução de um problema pode ser obtida através dela, por outro, tanto a pesquisa de laboratório quanto à de campo (documentação direta) exigem, como premissa, o levantamento do estudo da questão que se propõe a analisar e solucionar”.

Além deste capítulo introdutório e da conclusão, essa monografia compõe-se de mais sete capítulos. No primeiro, busca-se estabelecer relação entre Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, ramos autônomos do direito que se tornaram hegemônicos no plano atual dos estudos jurídicos, bem como se consagraram na doutrina, na jurisprudência e também nos inúmeros diplomas normativos existentes no campo jurídico. Embora autônomos e pertencentes a ramos de direitos de naturezas distintas, o Direito Previdenciário e o Direito do Trabalho aproximam-se para garantir o princípio da solidariedade social.

No segundo capítulo, analisa-se o trabalho infantil do ponto de vista jurídico, cortejando o tema nas diversas constituições brasileira, em acordos e tratados internacionais, no Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT), e na Lei Complementar n.º 150, de 02 de junho de 2015, na Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA) e no Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro – CP).

No terceiro capítulo, aborda-se o trabalho realizado por criança e adolescente, pondo em relevo os fatores sociais, culturais, econômicos e jurídicos que corroboram para reforçar os efeitos adversos para manutenção do trabalho realizado por crianças e adolescentes. Além dos fatores, comenta-se a desvalorização do trabalho doméstico, buscando evidenciar que a situação do emprego doméstico ainda arrasta uma relação que atualiza e perpetua o passado escravagista brasileiro.

No quarto capítulo, volta-se a atenção para o trabalho doméstico realizado por crianças e adolescentes no Brasil, a relação social, cultural, econômica e jurídica, traçando um paralelo entre o trabalho escravo e o trabalho doméstico.

No quinto capítulo aborda o sistema previdenciário brasileiro. Primeiro, constrói-se um breve histórico sobre a previdência no Brasil desde seu surgimento com as caixas de pensão até o momento atual. Em seguida, trata-se da filiação e inscrição do contribuinte. E, por fim, conceitua-se aposentadoria por tempo de serviço, diferenciando-a dos demais benefícios concedidos pela Previdência Social.

No sexto capítulo, analisa-se o posicionamento do INSS quanto à contagem do tempo de contribuição no período do trabalho infantil ilegal para o trabalhador doméstico em contraste com o trabalhador rural. A este não é requerida e efetiva contribuição pecuniária. Ele se enquadra como segurado especial que exerce a sua atividade diária de forma individual ou com o auxílio da família.

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No sétimo e último capítulo, é a vez do posicionamento jurisprudencial sobre o cabimento da aposentadoria por tempo de contribuição aos trabalhadores domésticos, que iniciaram o labor com idade inferior a 18 anos. Observa-se o posicionamento da Suprema Corte que visa o amparo à criança ou adolescente, independentemente de a idade inicial para o trabalho ser inferior ao que é determinada pela Carta Magna.


2. INTERFACE ENTRE DIREITO DO TRABALHO E DIREITO PREVIDENCIÁRIO

A vida social está impregnada pelo direito. Se, por um lado, percebe-se que o direito só pode existir em função do homem e suas inter-relações, por outro, esse mesmo direito passa a servir de orientação e regulação para o homem em suas inter-relações. Mas o que vem a ser direito? Do latim directus, derivado do verbo dirigere, o vocábulo direito, do ponto de vista etimológico, pode designar “norma”, “autorização”, “permissão” dada pela norma de ter ou fazer o que ela não proíbe, bem como designar “qualidade de justo”, etc. Por existirem várias definições quantas forem as realidades a que elas se aplicam, definir direito pela etimologia torna-se sempre uma tentativa fracassada, quando verificada a impossibilidade de se construir um conceito universalmente aceito.

Deixando de lado a etimologia, pode-se recorrer ao uso que do direito se faz e, assim, depara-se com as seguintes divisões, dentre as muitas existentes: direito objetivo e direito subjetivo. Este, de acordo com Martins Neto (2002, p. 55), pode ser definido como “prerrogativa ou possibilidade, reconhecida a alguém e correlativa de um dever alheio suscetível de imposição coativa, de dispor como dono, dentro de certos limites, de um bem atribuído segundo uma norma jurídica positiva”. Tem-se como exemplo no ordenamento brasileiro o Art 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, estendendo-se a maioria de seus incisos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXIV – aposentadoria (BRASIL, 1988).

Configura-se, conforme apresentado na introdução do presente trabalho, como uma proteção jurídica de um interesse (liberdades e benefícios), existindo unicamente na medida em que a ordem jurídica o reconhece, considera-o e busca protegê-lo.

No contraponto, podemos entender aquele como norma – ou conjunto de normas - que se aplica(m) a um indivíduo ou a uma coletividade, devendo ser observada(s) sob pena de sanção. Esta pode ser definida, grosso modo, como ameaça que vem atrelada a maioria das normas e decorre de ação ou omissão, para qual impõe-se um castigo, constrangimento ou a necessidade de reparação material ou moral.

Nas palavras de Orlando Gomes (2016, p. 08), o direito objetivo é a norma de agir (norma agendi), complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação (jus est norma agendi). São regras obrigatórias às quais estão submissos os indivíduos, com o argumento de que o poder de ação individual deve ser contido e regulado pela norma legal, costumeira ou jurisprudencial.

Feitas as devidas distinções, há de se cuidar aqui apenas do direito objetivo, pois é ele o objeto de interesse para o desenvolvimento deste trabalho, muito embora o resultado seja a proteção de um direito subjetivo. É nessa ambientação que os ramos do direito são subdivididos em privado e público. Tal divisão origina-se com os povos romanos, para quem o direito público era aquele referente ao estado dos negócios romanos, e o privado referia-se à disciplina dos interesses particulares. Atualmente, a doutrina congratula o direito público como regulador das relações em que o Estado é parte, regendo a organização e a atividade estatais, considerado em si mesmo; enquanto o direito privado é aquele por meio do qual se disciplinam relações entre particulares, das quais sobressai o interesse da ordem privada.

Dentre os ramos do direito privado, podem-se observar as seguintes espécies: direito de família, direito comercial, direito civil, direito empresarial, direito do trabalho, direito do consumidor, etc. Como ramos do direito público, observam-se o direito constitucional, o direito administrativo, o direito tributário, o direito financeiro, o direito processual, o direito penal, e o direito previdenciário, etc. Dessa forma, com inspiração nos ramos do Direito Público e do Direito Privado, é que este trabalho norteará uma discussão sobre a interface entre Direito Previdenciário e Direito do Trabalho.

As denominações Direito do Trabalho e Direito Previdenciário tornaram-se hegemônicas no plano atual dos estudos jurídicos; consagraram-se na doutrina, na jurisprudência e também nos inúmeros diplomas normativos existentes no campo jurídico.

O Direito do Trabalho recebeu diferente denominações ao longo de seu processo de consolidação: Direito Industrial, Direito Operário, Direito Corporativo, Direito Sindical e Direito Social. Entretanto, segundo Maurício Godinho Delgado (2018, p. 50), nenhuma dessas denominações prevaleceu ou afirmou-se hegemonicamente no tempo, certamente em face de cada uma delas apresentar tantos ou mais problemas e insuficiências quanto os perceptíveis no consagrado título Direito do Trabalho: seja porque reduziam o fenômeno amplo e expansionista do Direito do Trabalho a seu exclusivo segmento original, seja porque se mostraram excessivamente amplas (sugerindo relações de Direito Econômico ou Comercial) ou incapazes de captar todo o vasto conjunto de relações trabalhistas ou mesmo por serem, histórica ou teoricamente, ambíguas.

Assim, a denominação de Direito do Trabalho se consagra para espelhar o preciso objeto a que pretende se referir: “complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas” (DELGADO, 2018, p. 49). Esclarece Delgado que, em tal acepção restrita, o Direito do Trabalho não abrange, ilustrativamente, o Direito Previdenciário, já que não trata de relações tanto de empregado como empregador, enquanto sujeitos específicos, com o Estado/Previdência, mas tão somente corresponderia, efetivamente, apenas ao Direito Material do Trabalho (chamado, comumente, de Direito do Trabalho, tão-só), o qual abrangeria o Direito Individual do Trabalho (que envolve a Teoria Geral do Direito do Trabalho) e o Direito Coletivo do Trabalho.

Já o Direito Previdenciário consagra-se como “um conjunto harmônico de instituições jurídicas, que regem as relações entre a massa beneficiária e os órgãos e agentes do Sistema de Previdência Social e de Previdência Privada, com a finalidade de atender amplamente à cobertura dos chamados riscos sociais[: incapacidade total ou parcial para o trabalho, desemprego, doença, velhice, acidentes do trabalho, morte, etc]” (SANTORO, 2001, p. 25-26). Estes riscos põem em relevo a chamada regra imprevidencial da pessoa humana, tentada explicar através dos seguintes pressupostos, segundo José Jayme de Souza Santoro (2001, p. 04), a saber: a) existem pessoas que se recusam a pensar na ocorrência dos danos oriundos dos riscos de existência; b) existem outras pessoas, ainda, que só se dispõem a tomar qualquer atitude diante do risco ou na iminência da ocorrência do dano, já quando sentem a chegada dos seus efeitos e; c) especialmente no caso brasileiro, a grande maioria da população não dispõe de recursos econômicos para, sozinha, arcar com a responsabilidade de autoproteção.

Embora autônomos e pertencentes a ramos de direitos de naturezas distintas, o Direito Previdenciário e o Direito do Trabalho aproximam-se para garantir o princípio da solidariedade social1: valor de estruturação do sistema jurídico que fundamenta as regras que, nesse princípio, venham se balizar a fim de garantir a cooperação mútua.

Nas palavras de José Luís Saldanha Sanches e João Taborda da Gama (2005, p. 90):

princípio da solidariedade social implica, pelo menos, que todos contribuam para as despesas coletivas de um Estado de acordo com a sua capacidade, tributando-se os cidadãos de modo a que as desigualdades efetivas entre estes se esbatam – e desejavelmente se extingam – propiciando, a cada um, uma existência mais digna e plena, porque mais livre.

Ao contribuir para a previdência social, o contribuinte não está somente sendo apenas previdente para consigo mesmo no futuro, mas solidário, no presente, para com outros segurados da previdência que, de uma maneira ou de outra, passaram a ter a aposentadoria, a pensão, o auxílio ou algum benefício como meio indispensável de manutenção por motivo de, entre outros, incapacidade para o trabalho ou suas atividades habituais, desemprego involuntário, idade avançada, encargos familiares e prisão ou morte daquele de quem dependiam economicamente. Em outras palavras, tal contribuição, junto com recursos provenientes de outras fontes, serve para garantir a renda do segurado contribuinte quando este perde sua capacidade de trabalho, ou seja, quando é atingido, por exemplo, por uma das seguintes contingências sociais: doença, invalidez, desemprego involuntário, idade avançada, encargos familiares, reclusão e morte. Logo, a responsabilidade solidária daquele que contribui com a previdência, principalmente dos trabalhadores ativos, põe em relevo a relação solidária entre trabalho e previdência.

Essa relação foi, no Brasil, promovida à condição de disposição constitucional com a Constituição Brasileira de 1934, como pode ser observado no título “DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL”, onde se lê:

Art. 121. – A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições de trabalho na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º – A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:

[...]

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurado o descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes do trabalho ou de morte (BRASIL, 1934).

E, como tal, permaneceu até hoje, fazendo-se presente também na Constituição de 1988, conforme observa-se no Capítulo II – Dos Direitos Sociais:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (BRASIL, 1988).

Corrobora, nesse sentido, o Art. 3º, I da Constituição da República Federativa do Brasil, quando prevê a construção de uma sociedade solidária: “Construir uma sociedade livre, justa e solidaria” (BRASIL, 1988). É notória, assim, a instituição de solidariedade social que tem por fim resguardar os direitos fundamentais do cidadão. E é no Código Tributário Nacional, recepcionado por nossa Constituição, que se encontram as duas situações das quais decorrem a referida relação solidária:

Art. 124. – São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham o interesse em comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por Lei (BRASIL, 1966).

Tal obrigação realiza-se através do recolhimento de diferentes tributos dos contribuintes, bem como no modo como os recursos são distribuídos pela sociedade, desdobrando-se em duas dimensões: (I) na equidade horizontal, em que deve haver tratamento igual dos indivíduos considerados iguais, e (II) na equidade vertical, com o tratamento desigual aos indivíduos considerados desiguais (SABBAG, 2015, p.152-153).

Há de ser observada a capacidade contributiva de cada pessoa conforme sua renda anual e o poder de tributar do Estado. Aqueles que possuem igual capacidade de pagar deverão contribuir com a mesma quantidade pecuniária, destinada aos cofres do Estado. Já aqueles que possuem desigual capacidade de pagar deverão contribuir com diferentes quantidades pecuniárias, destinadas aos cofres do Estado. Logo, indivíduos com maiores rendimentos deverão contribuir, proporcional e equitativamente, com mais recursos do que aqueles que possuem menores rendimentos.

Todavia, segundo Fernanda Matos (2010), a fixação de valores máximos dedutíveis não se coaduna com o princípio da capacidade contributiva, pois este só seria respeitado caso a tributação ocorresse depois de resguardado o rendimento necessário a subsistência do cidadão e sua família. No mesmo sentido, o professor Roque Antonio Carrazza (2013, p.139) se posiciona e exemplifica que:

É certo que a legislação autoriza deduções com educação, tratamento de saúde, etc. Sobre bases, porém, absolutamente irrealistas. Assim, por exemplo, os valores dedutíveis com educação são extremamente baixos, muito distantes dos gastos usuais numa escola particular de bom nível. No caso das despesas médico-hospitalares, não são aceitas deduções com medicamentos, quando é por meio deles que usualmente se alcança a recuperação da saúde, um dos valores prestigiados pelo art. 6° da CF.

No que diz respeito ao poder de tributar do Estado, Hugo de Brito Machado (2010, p. 53) esclarece que, apesar de a ideia de solidariedade social está presente como fundamento da tributação, a relação jurídica tributária é sempre uma relação individualizada entre o Estado e o contribuinte, prevalecendo o princípio da legalidade. A ideia de solidariedade, portanto, materializa-se no plano do gasto do Estado, que, dispondo do dinheiro que arrecada com os tributos, deve realizar o gasto público tendo em vista a solidariedade social.

Os tributos, conforme esclarece José Raimundo Ferreira (2017. p. 05), podem ter o resultado de sua arrecadação não vinculado a qualquer atividade específica do Estado relativa ao sujeito passivo ou vinculado a determinadas atividades específicas relativas ao sujeito passivo, conforme determinação expressa em lei.

Dentre os tributos, interessam-nos as Contribuições sociais, enquanto instrumentos de atuação da União na área de Seguridade Social. Segundo Ferreira (2017), elas tiveram ampliadas suas hipóteses de incidências com advento da Constituição Federal vigente, que adotou o modelo de Estado do Bem-estar social, caracterizado pelo Estado Assistencial, que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social aos cidadãos.

Por conta da necessidade de mais recursos financeiros para que o Estado pudesse viabilizar sua política assistencial, há de se exigir a participação compulsória da sociedade pagando contribuições. Contudo, estas não devem ser vistas como simples transferência de parte patrimônio do contribuinte ao erário, como ocorre com as demais espécies de exações. Elas são, de acordo com sua natureza jurídica, recursos financeiros repassados ao Estado que voltarão de forma direta e evidente para o contribuinte beneficiário da seguridade social.

Muitas vezes, os beneficiários precisam recorrer ao expediente jurídico para ter garantidos seus benefícios decorrentes das contribuições sociais, como pode-se observar no despacho do Supremo Tribunal Federal através de mandado de segurança

os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade (STF, MS nº 22.164 / SP, relator Ministro Celso de Mello).

Nesse passo, solidariedade social que aproxima o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário vem a ser um princípio vigente não somente constitucional, mas também que encontra recepção em outros diplomas legais, a fim de fazer valer a justiça na garantia da noção de “equidade”.

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Sobre a autora
Alexsandra Souza Vilas Boas de Almeida

Advogada e Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Alexsandra Souza Vilas Boas. Reconhecimento do tempo de contribuição para trabalhadores menores de 18 anos.: Um recorte aos trabalhadores domésticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7842, 20 dez. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72331. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Direito da Universidade Estácio de Sá em parceria com o CERS como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

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