A responsabilidade objetiva e o Código de Defesa do Consumidor

28/02/2019 às 08:48
Leia nesta página:

Quando se discute responsabilidade civil de profissionais liberais em relação de consumo, a quem cabe o ônus da prova?

I - A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 

Sabe-se que a responsabilidade civil se fulcra na culpa em sentido lato – dolo ou culpa strictu sensu – do agente que responde.

Mas, o ordenamento jurídico brasileiro conhece a chamada responsabilidade objetiva, que é uma exceção a responsabilidade via a prova da culpa.

Observe-se a leitura do artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição Federal sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos ocasionados por seus agentes. A isso se some a redação do artigo 21, XXIII, letra c, da Constituição que trata da responsabilidade por danos nucleares.

Observe-se que a relação trazida pelo Código de Defesa do Consumidor não é taxativa. De forma exemplificativa, tem-se: princípio da precaução; princípio da dimensão coletiva; princípio da boa-fé, principio da boa-fé objetiva; princípio da proteção(incolumidade física, incolumidade psíquica, incolumidade econômica); princípio da confiança; princípio da transparência.

O Código de Defesa do Consumidor afora a situação dos profissionais liberais criou a responsabilidade objetiva do fornecedor.

Veja –se a redação do artigo 14, parágrafo quarto do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Mas, no artigo 12 do CDC é dito que “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados ao consumidor”.  Trata-se de nítido exemplo de responsabilidade objetiva, onde não há exigência da prova de culpa, bastando a relação de causa e efeito.

O próprio artigo 14 do CDC diz que o fornecedor de serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores...”

É nítido que o artigo 14 do CDC adotou a ideia de responsabilidade sem culpa ou objetiva.

Mas a leitura do artigo 12, parágrafo terceiro, III, e 14, parágrafo terceiro, II, do CDC nos permite ainda concluir que se houver prova de culpa exclusiva do próprio consumidor ou de terceiro, não há responsabilidade do fornecedor que sustente o efeito ressarcitório.

Assim se o consumidor ou o terceiro agiram com culpa, só há excludência  da responsabilidade se ela, a culpa, for unicamente deles. Se for concorrente, se mantem a responsabilidade não por ser objetiva, mas porque o fornecedor também agiu com culpa. Será necessário, nessa hipótese, fazer-se uma pesquisa da conduta culposa do fornecedor.

Observe-se, outrossim, que o terceiro de que fala a lei é aquele sem qualquer relação jurídica com o fornecedor, seja escrita ou  seja fática.  


II - A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO E DO ADVOGADO 

Vejamos a situação da responsabilidade do médico e do advogado.

A responsabilidade civil objetiva do referido artigo 14 não se aplica aos profissionais liberais, portanto para estes continuará prevalecendo em tese a responsabilidade civil subjetiva, aquela em que é necessário ser provado a culpa dos agentes para que lhe seja atribuído a responsabilidade pelo dano ou prejuízo causado ao consumidor. Seria a responsabilidade derivada de um contrato da pessoa que procura o médico em seu consultório ou no hospital para que cuide de sua enfermidade, em troca de honorários.

No campo da responsabilidade civil dos médicos, há, ainda, uma questão fundamental a ser abordada, a qual diz respeito ao tipo de obrigação que foi objeto do contrato médico, ou seja a verificação das obrigações de meio e de resultado.  Tais obrigações determinam a modalidade de culpa que o profissional está adstrito.

Cite-se o  acórdão da 6º Câmara Civel do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, prolatado no julgamento da Ap. cível 5.174/92, cujo relator foi o Des. Laerson Mauro:

“Responsabilidade civil – Erro médico – Configuração.

Em vista que o médico celebra contrato de meio, e não de resultado, de natureza sui generis, cuja prestação não recai na garantia de curar o paciente, mas de proporcionar-lhe conselhos e cuidados, proteção até, com emprego das aquisições da ciência, a conduta profissional suscetível de engendrar o dever de reparação só se pode definir, unicamente, com base em prova pericial, como aquela reveladora de erro grosseiro, seja no diagnostico como no tratamento, clinico ou cirúrgico, bem como na negligencia à assistência, na omissão ou abandono do paciente etc., em molde a caracterizar falta culposa no desempenho do oficio, não convindo, porém, ao Judiciário lançar-se em apreciações técnicas sobre métodos científicos e critérios que, por sua natureza, estejam sujeitos a dúvidas, discussões, subjetivismos.”  (CAVALIERI FILHO, Sergio – Programa de Responsabilidade Civil – 7º volume - 2007 p. 364)

Bem alertou Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 153) que se o médico não pertence ao hospital, e apenas se utiliza dele, a responsabilidade é pessoal. Em caso contrário, sendo o médico integrante da equipe hospitalar ou vinculado por uma relação de emprego, o hospital é simplesmente o responsável como ensinou Aguiar Dias(Da responsabilidade Civil). 

Aliás, observou Aguiar Dias: compreende a responsabilidade civil do hospital a assistência médica, ao mesmo tempo que obrigações como hospedeiro. Nesta última qualidade, responde pelos danos causados ao doente que se interna. Como, entretanto, o internamento tem a finalidade específica de se submeter a tratamento, o hospital é responsável pela omissão do médica da casa, que deixa, por exemplo, de acompanhar o estado do paciente, daí resultando a agravação de seu estado. 

Em casos de infecção hospitalar, se esta se deveu a condição de assepsia deficiente ou à ausência de cautelas idôneas a evitar a doença nosocômica,, o hospital pode ser responsabilizado(Revista de Jurisprudência, volume 73, pág. 111). Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que ocorre a responsabilidade se, em cirurgia estética, a infecção hospitalar obstrui a continuação do tratamento(RTJ, 91, pág. 975; Revista dos Tribunais, vol. 529, pág. 254). Assim o hospital responde pelo que ocorre ao paciente. 

O médico escolhido para substituto do assistente não se presume preposto deste. A condição de profissional liberal repele a ideia de preposição, cabendo ao prejudicado provar a circunstância se, não obstante a presunção em contrário, o substituto é realmente auxiliar ou assistente do médico habitual, como ensinou Aguiar Dias(obra citada, pág. 286). 

A responsabilidade civil do médico advém, também, da regra geral. Trata-se de responsabilidade civil subjetiva. O médico deve atuar de forma diligente, valendo-se de todos os meios adequados, com um cuidado objetivo. Deve, pois, somente, ser indenizado, aquele que, submetido a tratamento médico, venha, por causa deste tratamento e de culpa do profissional, a sofrer um prejuízo, seja de ordem material ou imaterial - patrimonial ou não patrimonial.

Nas palavras de Delton Croce (Erro médico e direito, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 3):

“(...) Se denomina responsabilidade médica situação jurídica que, de acordo com o Código Civil, gira tanto na orbita contratual como na extracontratual estabelecida entre o facultativo e o cliente, no qual o esculápio assume uma obrigação de meio e não de resultado, compromissando-se a tratar do enfermo com desvelo ardente, atenção e diligência adequadas, a adverti-lo ou esclarecê-lo dos riscos da terapia ou da intervenção cirúrgica propostas e sobre a natureza de certos exames prescritos, pelo que se não conseguir curá-lo ou ele veio a falecer, isso não significa que deixou de cumprir o contrato”.

Conceitua Yuri A. Mendes de Almeida (Obrigações de meio e obrigações de resultado, 2007):

“A obrigação de meio é aquela em que o profissional não se obriga a um objetivo específico e determinado. O que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem o compromisso de atingi-lo. O contratado se obriga a emprestar atenção, cuidado, diligência, lisura, dedicação e toda a técnica disponível sem garantir êxito. Nesta modalidade o objeto do contrato é a própria atividade do devedor, cabendo a este enveredar todos os esforços possíveis, bem como o uso diligente de todo seu conhecimento técnico para realizar o objeto do contrato, mas não estaria inserido aí assegurar um resultado que pode estar alheio ou além do alcance de seus esforços. (...) Na obrigação de resultado, há o compromisso do contratado com um resultado específico, que é o ápice da própria obrigação, sem o qual não haverá o cumprimento desta. O contratado compromete-se a atingir objetivo determinado, de forma que quando o fim almejado não é alcançado ou é alcançado de forma parcial, tem-se a inexecução da obrigação”.

A doutrina e a jurisprudência já travaram um intenso debate acerca da caracterização da obrigação médica como de meio ou de resultado, especialmente quando relacionada à medicina estética. Hoje, todavia, é quase pacífico que a obrigação do profissional médico é de meio. .

Em regra, a atividade profissional da advocacia constitui obrigação de meio. Compromete-se o advogado, tão somente, a desempenhar seu ofício da forma mais diligente e técnica possível, não podendo, porém, garantir ao seu cliente o resultado esperado

Na prática forense, o desfecho da demanda depende invariavelmente do arbítrio do julgador, cabendo ao advogado apenas a utilização dos expedientes postos a sua disposição para a obtenção de uma decisão favorável, garantindo, dessa forma, o prestígio aos interesses do seu cliente.  .

Nessa linha  é o entendimento esposado por Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro. São Paulo, Editora Saraiva, 5ª Ed. 1990), quando afirma que:

[...] pela procuração judicial, o advogado não se obriga necessariamente a ganhar a causa, por estar assumindo tão-somente uma obrigação de meio e não uma de resultado. Logo, sua tarefa será a de dar conselhos profissionais e representar o constituinte em juízo, defendendo seus interesses pela melhor forma possível. O advogado que tenha uma causa sob seu patrocínio deverá esforçar-se para que ela tenha um bom termo, de modo que não poderá ser responsabilizado se vier a perder a demanda, a não ser que o insucesso seja oriundo de culpa sua.

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Convém ressaltar, entretanto, que, em alguns casos, o advogado desempenhará determinadas funções que redundarão, também, em obrigações de resultado, como na hipótese de consultoria jurídica, na emissão de um parecer ou na elaboração de um contrato.

Nessas situações, o advogado se compromete à obtenção inequívoca do resultado desejado pelo seu cliente, não adimplindo a sua obrigação com um mero proceder vigilante. Referida distinção, entretanto, deverá ser realizada em cada caso concreto.

Em razão das falhas ou prestações defeituosas dos serviços advocatícios contratados, os clientes prejudicados têm exigido do Poder Judiciário a reparação civil dos danos experimentados. Vale ressaltar, ainda, que vários são os fatores que influenciaram para essa mudança, entre eles pode-se mencionar a mercantilização da atividade da advocacia e a queda da qualidade do ensino jurídico brasileiro, devido à abertura desenfreada de cursos universitários por todo o país.

Especificamente, em relação ao citado campo de análise, está inserida a responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance, tese já consolidada na teoria francesa – la perte d’une chance – a qual verifica-se, via de regra, nos casos de omissão negligente, ou seja, desídia no exercício de sua atividade laboral, em que há falha na utilização dos meios, como, por exemplo, na perda de prazo para recorrer, em que o cliente “perde a chance” de ter a sua pretensão reexaminada pelos órgãos julgadores de instâncias superiores.

Abordar-se-á, por meio deste, a responsabilidade civil do advogado na qualidade de profissional liberal que assume obrigação de meio. Não estender-se-á, portanto, o presente estudo aos casos de responsabilidade da sociedade de advogados, pelos danos causados pelo advogado empregado, bem como ao advogado servidor público, em face das peculiaridades das suas relações.

Demonstrar-se-á que a responsabilização do advogado pela perda de uma chance é um tema que ainda não encontra consenso na doutrina e na jurisprudência de nossos pretórios.

Observar-se-á que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance propõe a reparação dos danos que são, efetivamente, potenciais e prováveis, ou seja, aqueles que derivam direta e imediatamente da conduta omissiva do agente, os quais não ocorreriam com a atuação diligente do profissional da área.

Buscar-se-á, ainda, analisar a possibilidade de o advogado vislumbrar a conveniência, ou não, de recorrer de decisão desfavorável ao seu cliente, bem como sustentar-se-á que o julgador deverá analisar detalhadamente cada caso concreto para evidenciar as situações que acarretam a responsabilidade do advogado pela perda de uma chance, de modo que defender-se-á a aplicação dos princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e da proporcionalidade para que, com base na lei, doutrina e jurisprudência, o magistrado faça um juízo de probabilidade do resultado dos julgamentos.

Mas observa Tupinambá Miguel Castro do Nascimento(Comentários ao Código do Consumidor, aide, 3º edição, pág.81) que outros profissionais liberais, como engenheiros, arquitetos etc, em seus contratos na área das relações de consumo se comprometem não por oferecer uma obrigação de meio, e, sim, de resultado. Contratados para fazer certa obra, se obrigam a entrega-la pronta nas condições contratadas. Para estes, a exigência da responsabilidade objetiva não faria sentido de exceção. Mas o artigo 14 do CDC não permite a diferença. Isso porque basta ser profissional liberal e há necessidade de culpa para a verificação da responsabilidade civil.

Quanto aos profissionais liberais e nas relações de consumo, a responsabilidade subjetiva é uma garantia, só responde se houver prova de culpa com que se portaram.

Poderá haver, quanto aos profissionais liberais, a inversão da prova quanto a culpa, cabendo ao profissional liberal provar ter agido regularmente sem atos imprudentes, negligentes ou de imperícia? A doutrina entende que não. A culpa deve ser comprovada.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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