CONCLUSÃO
Conforme extensamente discorrido, a aplicação do modelo de fundamentação exauriente a toda e qualquer decisão se impõe pelo seu caráter de instrumentalização e catalisação de um direito (e ainda garantia, como aqui se propõe) fundamental de ordem constitucional. Como fruto do neoconstitucionalismo e do neoprocessualismo, tem-se que qualquer regra jurídica que veicule e promova a implementação de direitos e garantias fundamentais no mundo empírico – especialmente aquelas destinados a legitimar e controlar a atuação dos poderes do Estado – pode e deve ser aplicada com o maior rigor e extensão possíveis.
Sendo assim, conclui-se que tanto pelo ponto de vista constitucional e legislativo – artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal e artigo 48 da Lei 9.099/95 combinado com o artigo 1.012, inciso II do caput e inciso II do parágrafo único –, quanto pelo ponto de vista doutrinário, que não se pode relativizar ou mitigar o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais por princípios e normas decorrentes de legislação infraconstitucional, sob pena de se subverter a ordem e a própria força normativa da Constituição enquanto rocha de fundação do Estado Democrático de Direito e da forma republicana brasileira.
Eventual mudança no modelo de fundamentação de decisões judiciais para algo diferente do trazido pela Lei 13.105/15 (Código de Processo Civil) deve ser promovida pelo Poder Legislativo, através de seus membros democraticamente eleitos, e não por concepções pessoais de operadores do Direito inconformados, não sendo cabível a estes estabelecer critérios ou ponderações para não aplicação do mesmo (STRECK, 2015, p. 03), e, ainda que se faça tal mudança pela via legislativa, deve-se proceder com muita parcimônia, sob pena de se esbarrar no princípio da vedação ao retrocesso constitucional, haja vista o seu caráter de instrumentalização e implementação de normas oriundas de princípios e deveres constitucionais.
REFERÊNCIAS
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Notas
1CRFB, art. 2o. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
2CRFB, art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
3CRFB, art. 93: Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
[...]
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação
4CPC/15, art. 489: [...]
§ 1o: Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
5Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
6 Art. 1o. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
7CRFB, art. 98: A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;
8Lei 9.099/95, art. 3º: O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade [...]
§ 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
9Art. 4º É competente, para as causas previstas nesta Lei, o Juizado do foro: [...]
10Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.
§ 1o Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial:
I - as pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas;
II - as pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte na forma da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006;
III - as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da Lei no 9.790, de 23 de março de 1999
11Fórum Nacional dos Juizados Especiais – FONAJE (composto exclusivamente por magistrados):
Enunciado 161 - "Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da Lei 9.099/95".
Enunciado 162 - "Não se aplica ao Sistema dos Juizados Especiais a regra do art. 489 do CPC/2015 diante da expressa previsão contida no art. 38, caput, da Lei 9.099/95".
12Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF (composto exclusivamente por magistrados):
Enunciado 151 - "O CPC/2015 só é aplicável nos Juizados Especiais naquilo que não contrariar os seus princípios norteadores e a sua legislação específica".
13Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados:
Enunciado 10 - "A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa".
Enunciado 47 - "O art. 489 do CPC/2015 não se aplica ao sistema de juizados especiais".
14 STJ, 2ª Turma, rel. min. Carlos Velloso, AI 162.089-8-DF, DJU 15/3/1996, p. 7.209.
15Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/suplementar/>.
16"O disposto no§ 1º do art. 489 do CPC é aplicável no âmbito dos Juizados Especiais".