I – A PENA DE MULTA
A pena de multa está prevista na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLVI, letra “c”, e no Código Penal e encontra-se regulada no art. 49, consistindo no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa, sistema este introduzido pela reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984.
O Estatuto Penal pátrio, em seu art. 44, parágrafo 2º, autoriza a substituição da pena privativa de liberdade, em caso de condenação igual ou inferior a um ano, por multa ou por uma pena restritiva de direitos. Se a condenação for superior a um ano, a pena privativa de liberdade poderá ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. Trata-se da chamada “multa substitutiva”. Pode ainda ser aplicada nos tipos em que é cominada de forma isolada ou alternativa, ou cumulativamente à privação de liberdade naqueles que a abrigam em seu preceito secundário.
A multa traz vantagens substanciais em detrimento da privação de liberdade e, somando-se às restritivas de direitos, constitui arcabouço punitivo de real eficácia, desde que bem aplicada e perfeitamente executada.
Com o advento da Lei n. 9268/96, que teria transformado a pena de multa em dívida de valor, através da nova redação do art. 51, surgiu na doutrina e jurisprudência pátrias, um sério questionamento sobre a sua forma de pagamento e execução.
O que é certo é que a pena de multa se soma às penas privativas de liberdade, restritivas de direito, artigo 32 do Código Penal. Sendo assim tem caráter penal.
A pena de multa, também conhecida como pena pecuniária, é uma sanção penal consistente na imposição ao condenado da obrigação de pagar ao fundo penitenciário determinada quantia em dinheiro, calculada na forma de dias-multa, atingindo o patrimônio do condenado.
A pena de multa, na lei penal, pode ser prevista como punição única, a exemplo do que ocorre na Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei nº. 3688/41), ou pode ser cominada e aplicada cumulativamente com a pena privativa de liberdade, a exemplo do artigo 155 do Código Penal, quando trata do crime de furto, prevendo em seu preceito secundário a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa, ou ainda de forma alternativa, com a pena de prisão, a exemplo do crime de perigo de contágio venéreo, previsto no Art. 130, cominando pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Quando a multa é punição única, ou nos casos em que ela encontra-se cumulada com a pena de prisão, ao magistrado, no caso de condenação, será obrigatória a sua aplicação, sob pena de ferir o princípio da legalidade ou da inderrogabilidade da pena.
Recentemente entendeu o Superior Tribunal de Justiça que a falta de pagamento de multa não impede a extinção de punibilidade. Tal foi o entendimento da Terceira Seção do STJ definido em recurso repetitivo, no sentido de que nos casos de condenação à pena privativa de liberdade e multa, tendo sido cumprida a primeira(ou restritiva de direitos que a tenha substituído), o não pagamento da sanção pecuniária não impede o reconhecimento da extinção da punibilidade.
II – O CASO CONCRETO
Mas qual o destino desses recursos destinados pela pena de multa?
Segundo o Estado de São Paulo, em sua edição de 8 de março do corrente ano, destino do dinheiro recuperado da corrupção opõe Ministério Público e Judiciário.
Ali foi dito:
“Ministros do Supremo Tribunal Federal têm sido críticos a iniciativas do Ministério Público Federal de indicar o destino de dinheiro recuperado de corrupção. A mais recente delas foi a criação de uma fundação para gerir recursos devolvidos pela Petrobrás após acordo com a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba.
Para integrantes da Corte ouvidos pela reportagem, a atribuição de decidir o destino deste dinheiro é da União, e não do Ministério Público ou da Justiça.
O “recado” foi dado pelo ministro Edson Fachin ao negar, no fim de fevereiro, pedido da Procuradoria-Geral da República para que R$ 71,6 milhões referentes ao acordo de delação do ex-marqueteiro do PT João Santana fossem destinados ao Ministério da Educação.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a procurar a pasta e solicitar informações sobre como efetivar esse tipo de transferência.
Ao rejeitar a intenção da chefe do Ministério Público Federal, Fachin destacou que cabe à União, e não ao Poder Judiciário, definir como a receita será utilizada. “A multa deve ser destinada à União, cabendo a ela, e não ao Poder Judiciário, inclusive por regras rigorosas de classificação orçamentária, definir, no âmbito de sua competência, como utilizará essa receita.”
O ministro Marco Aurélio Mello tem a mesma opinião de Fachin. Ao Estado, Marco Aurélio afirmou que a responsabilidade de “administrar” o cofre público é do Executivo, não de magistrados ou procuradores.
“Quem somos nós para administrar o cofre da União? A destinação ocorre sob o ângulo político das necessidades momentâneas, não cabe ao Judiciário definir se vai para ministério X ou Y. Não cabe. Nunca coube”, declarou Marco Aurélio.
Na decisão em que negou o pedido da Procuradoria-Geral da República, Fachin cita o fato de a lei que rege a delação premiada estabelecer como “necessária” a recuperação do dinheiro obtido por meio do crime, mas não prever uma destinação específica para estes valores.
Um ministro da Corte ouvido reservadamente pela reportagem também criticou a movimentação do Ministério Público. O magistrado afirmou que os procuradores, responsáveis por negociar acordos de delação, podem até sugerir ao Executivo a destinação do dinheiro, mas não buscar isso por meio da Justiça.
Questionada pela reportagem, a Procuradoria afirmou, em nota, que é favorável que o ressarcimento seja integralmente destinado às vítimas dos crimes. “Nos processos que tramitam no STF, a União é vítima e a Procuradoria requer que o dinheiro recuperado lhe seja entregue. A PGR consultou formalmente a União (Ministério da Educação), que lhe indicou programas que atendem estudantes”, disse o Ministério Público.”
Segundo o site do STF, em sua decisão, o ministro Fachin explicou que, a despeito de haver previsão legal específica que coloca a União como destinatária do perdimento de valores (artigo 91, inciso II, do Código Penal), no caso em questão a União é também vítima dos delitos. Por isso, não se aplica o disposto no artigo 2º, inciso IV, da Lei Complementar 79/1994, que destina os recursos confiscados ao Funpen. Quanto às multas, o ministro Fachin entendeu que os valores também devem ser destinados ao ente público lesado.
A matéria foi discutida na PET 6.890/DF.
A destinação não se dá a partir da primeira parte da regra - “perda em favor da União” -, mas em decorrência da ressalva - “ressalvado o direito do lesado”, porque, aqui, é considerada, ela mesma, vítima dos delitos. Desse modo, não se aplica o disposto no art. 2º, IV, da LC 79/94, que destina ao Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), os “recursos confiscados ou provenientes da alienação dos bens perdidos em favor da União Federal, nos termos da legislação penal ou processual penal”.
O mesmo destino devem ter as multas aplicadas, embora não se tratem precisamente de produto ou proveito da infração. Com efeito, não há na lei ou no acordo definição quanto à natureza dessa multa, que parece ter, de fato, característica sancionatória mista. Porém, essa natureza não autoriza a eleição de um critério discricionário, ainda que louvável, quanto ao seu destinatário. Nessa direção, na ausência de previsão legal ou negocial específica, cabe ao julgador valer-se da analogia (art. 4º do Decreto-lei 4.657/42) para a solução da questão.
Concluiu o ministro Fachin naquele julgamento:
“Justamente po isso em outras oportunidades(PET’s 6.280, 6.466, 6.352, 6.454, 6.498, 6.512, 6.504, 6.491, 6.454, 6.526), adotei o entendimento do saudoso Min. Teori Zavascki na decisão da PET 5.886, segundo o qual deve-se, por analogia, aplicar o art. 91, II, “b”, do Código Penal, que estabelece “a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: […] b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”. Trata-se, como dito, de uma analogia, pois o dispositivo refere-se à destinação do produto do crime. Tanto que há priorização, por meio da ressalva expressa, do direito da vítima, beneficiando-se a União (exceto, como no caso, ela mesma a vítima), apenas após satisfeito o direito do lesado. A analogia, ao destinar a multa à vítima, justifica-se, conforme consta na decisão da PET 5.886, porque, nos casos referentes aos crimes delatados, o dano, ainda que não precisamente quantificado, seria presumidamente muito maior do que o valor da multa aplicada, servindo esta, portanto, de alguma maneira, também a sua compensação, tal como previsto no art. 91, II, “b”, da Lei Penal. Assim, o valor deve ser destinado ao ente púbico lesado, ou seja, à vítima, aqui compreendida não necessariamente como aquela que sofreu diretamente o dano patrimonial, mas aquela cujo bem jurídico tutelado foi lesado, no caso, a Administração Pública e os princípios que informam o seu regime jurídico, em especial, o da moralidade (CF, art. 37, caput, c/c §4º). Em conclusão, também a multa deve ser destinada à União, cabendo a ela, e não ao Poder Judiciário, inclusive por regras rigorosas de classificação orçamentária, definir, no âmbito de sua competência, como utilizará essa receita”.
Esse importante julgamento define a destinação da multa, na condenação penal, que, nos casos que envolvem como vítima a União Federal, de sorte que caberá a ela definir para onde vão tais recursos.