Comentários sobre a multa/astreintes do art. 537 do novo CPC

Resumo:


  • A multa coercitiva processual, também chamada de astreintes, é um importante mecanismo de execução indireta que força o executado a cumprir uma obrigação inadimplida.

  • As astreintes podem ser aplicadas em qualquer momento do processo, sendo um meio de coação para o cumprimento de deveres de fazer ou não fazer, tanto obrigacionais quanto não obrigacionais.

  • O prazo para cumprimento das obrigações de fazer deve ser razoável, estabelecido pelo magistrado, e o valor da multa deve ser fixado levando em consideração a razoabilidade, proporcionalidade e a capacidade econômica do executado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. Multa ou astreintes. A multa coercitiva processual também é chamada pela doutrina de astreintes, tendo em vista sua semelhança com o instituto francês de mesma natureza. Trata-se de um dos mais importantes mecanismos de execução indireta, já que, por meio da coerção, cria uma situação que força o executado a cumprir tal obrigação inadimplida. Dada a sua importância e peculiaridade, que gerava inúmeras dúvidas na doutrina e na jurisprudência, o legislador a tratou em um artigo específico. 

2. Cabimento. As astreintes podem ser aplicadas em qualquer momento, por requerimento da parte ou de ofício pelo juiz, desde a fase de conhecimento, passando pela sentença até a execução, ou ainda na tutela provisória. Trata-se de meio de coação ao cumprimento de deveres de fazer ou não fazer tanto obrigacionais quanto não obrigacionais (art. 537, parágrafo 5º), tais como os derivados de direitos de família, os reais (Enunciado FPPC 441), e também os legais (Enunciado FPPC 442). 

3. Prazo razoável nas Obrigações de Fazer. Cabe ao magistrado ao estabelecer as astreintes, fixar um prazo razoável para o seu cumprimento nas obrigações de fazer, devendo-se sempre se pautar pela razoabilidade e proporcionalidade a depender do caso concreto. Não sendo fixado tal prazo, ou este se demonstre desproporcional, não cabe a incidência da multa cominatória, uma vez que ausente o seu requisito intrínseco temporal. Já no caso das obrigações de não fazer, a postura de abstenção da parte executada deve ser imediata, não havendo assim necessidade de se estabelecer prazo para seu cumprimento. 

4. Valor da Multa. Por se tratar de uma medida coercitiva que visa à pressão psicológica do executado, deverá o juiz definir tal valor atento a razoabilidade, proporcionalidade, capacidade econômica do executado, postura do executado em outras situações semelhantes, a fim de se chegar uma quantia suficiente para o seu intento. A jurisprudência já estabeleceu que não há nenhuma vinculação entre o valor da multa com e o valor da obrigação principal, podendo, portanto, ultrapassá-lo. O argumento utilizado para tal possibilidade é de que a natureza jurídica da astreintes é de medida coercitiva, e não sancionatória ou compensatória como no caso da cláusula penal que possui tal limitação com base no art. 412[1] do CC. Já no sistema dos Juizados Especiais Cíveis, há um entendimento exarado no Enunciado 144 do FONAJE, que entende ser possível que as astreintes superem o valor de alçada de 40 salários mínimos.   

5. Possibilidade de modificação da multa ou exclusão. Segundo o art. 537 parágrafo 1º, o juiz poderá de ofício ou a requerimento modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda, ou seja, a que vai ainda vencer, não sendo permitido tais mudanças para as vencidas, tendo assim efeitos meramente ex nunc (para o futuro). Também será possível a exclusão da multa quando o obrigado demonstrar cumprimento parcial superveniente da obrigação, nesse caso a multa será devida até a decisão do juiz que reconheça o cumprimento parcial determinando a sua exclusão dali para a frente, mais uma vez não operando efeitos retroativos. Já no caso de justa causa para descumprimento, resultará aqui na sua supressão, já que não há sentido em incidir uma multa em quem está impossibilitado de adimpli-la, perdendo assim o seu caráter coercitivo, se tornando meramente punitivo. 

5. Titularidade da multa. Conforme expressa o parágrafo 2º do art. 537, o titular das astreintes será o exequente, por esta razão é importante que o magistrado ao definir o seu valor, o faça de forma que se cumpra o caráter coercitivo do instituto a fim de ver o adimplemento da obrigação. De outro lado, este juiz deve-se pautar aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade evitando assim situações onde reste configurado um enriquecimento sem causa do credor, quando a multa se torne excessiva. 

6. Execução da multa. Pelo fato de as astreintes possuírem natureza pecuniária, a sua cobrança é feita pelo rito do cumprimento de sentença por quantia certa previsto nos art. 523 e seguintes, estando a parte devedora sujeita a todas as penalidades pelo não pagamento (multa de 10% + honorários advocatícios de 10%), e, caso seja contra a Fazenda Pública, seguirá o rito do art. 534/535. Importante lembrar que é possível até mesmo fazer o cumprimento provisório destes valores, os quais deverão ser depositados em juízo, só podendo ser levantados após trânsito em julgado da sentença favorável. Tal medida visa resguardar o direito do executado, evitando-se, assim, que dano irreparável caso o mesmo consiga uma sentença favorável que diverge da decisão anterior que fixou a multa. 

7. Superação da súmula 410 do STJ. De acordo com a súmula 410 do STJ, é condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer a intimação pessoal do devedor. Acontece que o CPC/15 entende-se que o legislador não fez nenhuma ressalva quanto a intimação do devedor de obrigação de fazer ou não fazer, sendo assim, nesse caso somos remetidos à regra geral do art. 513, parágrafo 2º que admite a intimação feita por meio de advogado para qualquer tipo de cumprimento de sentença, incluindo-se as obrigações de fazer e não fazer, considerando-se, assim, superado o entendimento do STJ na súmula 410 sobre o tema. Tal tema está sendo analisando pelo STJ que ainda não se manifestou expressamente se compreende pela superação do enunciado. 

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8. Superação da Súmula 372 do STJ. Já a súmula 372 estabelecia que “na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória”, porém tal entendimento também restou superado com o advento do CPC/15 que textualmente em seu art. 400 parágrafo único[2] permitiu a possibilidade do juiz adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que naquela ação o documento seja exibido. 

Jurisprudências sobre o tema

ENUNCIADO 144 FONAJE– A multa cominatória não fica limitada ao valor de 40 salários mínimos, embora deva ser razoavelmente fixada pelo Juiz, obedecendo ao valor da obrigação principal, mais perdas e danos, atendidas as condições econômicas do devedor.

ENUNCIADO 96 das Jornadas de Direito Processual Civil do CJF – Os critérios referidos no caput do art. 537 do CPC devem ser observados no momento da fixação da multa, que não está limitada ao valor da obrigação principal e não pode ter sua exigibilidade postergada para depois do trânsito em julgado.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DO PRAZO PARA CUMPRIMENTO PARA INCIDÊNCIA DA MULTA COMINATÓRIA. NULIDADE DA DECISÃO QUE ESTIPULA AS ASTREINTES SEM A ESTIPULAÇÃO DE PRAZO RAZOÁVEL PARA O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O arbitramento da multa coercitiva e a definição de sua exigibilidade, bem como eventuais alterações do seu valor e/ou periodicidade, exige do magistrado, sempre dependendo das circunstâncias do caso concreto, ter como norte alguns parâmetros: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e de resistência do devedor; iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss) (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016). 2. Não fixado prazo para o cumprimento da obrigação de fazer, não cabe a incidência da multa cominatória uma vez que ausente o seu requisito intrínseco temporal. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1361544/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 05/10/2017)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXEQUIBILIDADE DE MULTA COMINATÓRIA DE VALOR SUPERIOR AO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL. O valor de multa cominatória pode ser exigido em montante superior ao da obrigação principal. O objetivo da astreinte não é constranger o réu a pagar o valor da multa, mas forçá-lo a cumprir a obrigação específica. Dessa forma, o valor da multa diária deve ser o bastante para inibir o devedor que descumpre decisão judicial, educando-o. Nesse passo, é lícito ao juiz, adotando os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, limitar o valor da astreinte, a fim de evitar o enriquecimento sem causa, nos termos do § 6º do art. 461 do CPC. Nessa medida, a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade do valor da multa diária deve ser verificada no momento de sua fixação em cotejo com o valor da obrigação principal. Com efeito, a redução do montante total a título de astreinte, quando superior ao valor da obrigação principal, acaba por prestigiar a conduta de recalcitrância do devedor em cumprir as decisões judiciais, bem como estimula a interposição de recursos com esse fim, em total desprestígio da atividade jurisdicional das instâncias ordinárias. Em suma, deve-se ter em conta o valor da multa diária inicialmente fixada e não o montante total alcançado em razão da demora no cumprimento da decisão. Portanto, a fim de desestimular a conduta recalcitrante do devedor em cumprir decisão judicial, é possível se exigir valor de multa cominatória superior ao montante da obrigação principal. REsp 1.352.426-GO, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 5/5/2015, DJe 18/5/2015.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER.ARBITRAMENTO DE MULTA DIÁRIA. PLEITO DE REDUÇÃO QUE FOI ACOLHIDO PELA DECISÃO AGRAVADA, EM RAZÃO DE SUA DESPROPORCIONALIDADE. (...) 2. Para verificar se o valor das astreintes é exorbitante ou irrisório, isto é, se está fora do patamar de proporcionalidade e de razoabilidade, deve-se considerar o quantum da multa diária no momento da sua fixação, em vez de comparar o total alcançado com a integralidade da obrigação principal, tendo em vista que este último critério incentivaria a conduta de recalcitrância do devedor em cumprir a decisão judicial, além de estimular a interposição de recursos a esta Corte para a redução da sanção, em total desprestígio à atividade jurisdicional das instâncias ordinárias.3. Constatado o apontado excesso no quantum da multa cominatória arbitrado pelo Tribunal local, impositiva a sua redução de R$ 5.000, 00 (cinco mil reais) para R$ 500,00 (quinhentos reais), por dia de descumprimento, assim como assinalou a decisão agravada. (...)5. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1205869/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 14/06/2018)


Notas

[1] Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.

[2] Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: (...)

Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.


BIBLIOGRAFIA

GARJADONI, Fernando da Fonseca Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015 / Fernando da Fonseca Gajardoni; Luiz Dellore; Andre Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2016

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ed. São Paulo: JusPodivm, 2016

SÁ, Renato Montans de. Manual de Direito Processual Civil, 3ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, v. 3.

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Sobre o autor
Nayron Divino Toledo Malheiros

Advogado, Mestrando em Direito Constitucional Econômico pela UNIALFA, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UCAM, Professor de Direito Processual Civil e Consumidor da UNIP e em Cursos Preparatórios, Ex-Diretor Jurídico do Procon Goiânia, Ex-Assessor da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Membro da ABDPRO (Associação Brasileira de Direito Processual).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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