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Os juros escorchantes

01/06/2000 às 00:00
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Juros reais, ou simples juros, são a remuneração do capital. Longe de serem confundidos com os juros moratórios, ou com a correção monetária, que apenas atualiza o valor, aqueles equivalem a uma retribuição pelo tempo em que o montante ficou indisponível para quem o deu emprestado, enquanto disponível para quem o tomou.

Em recentes manifestações, o presidente Fernando Henrique Cardoso criticou a ganância do setor financeiro, defendendo um controle "via competição" para combater as altas taxas de juros.

Segundo as suas declarações, nada justifica, por exemplo uma taxa de juros de 150% ao ano, para o crédito pessoal.


Na verdade, não deveria ser assim. O Real reduziu a inflação e devolveu, de uma certa forma, a estabilidade econômica ao Brasil, mas não conseguiu acabar com a ciranda financeira. As altas taxas de juros existentes no mercado, lesam o consumidor e proporcionam ganhos extraordinários ao comércio e aos bancos.

Certo é que a cobrança de juros nos atuais patamares é completamente abusiva. A estabilização dos índices inflacionários em níveis bem mais baixos não parece ter encorajado o Governo Federal a obrigar, de forma mais rígida, as instituições financeiras a implementar uma redução real das taxas de juros. As recentes medidas tomadas como a redução do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) nos empréstimos bancários a pessoas físicas, a criação da cédula de crédito bancário e a eliminação dos empréstimos compulsórios sobre os depósitos a prazo não parecem ter atingido o consumidor, que é quem sofre os reflexos das ações usurárias do comércio e dos bancos.

O Governo até baixou o juro básico da economia, mas os bancos, financeiras e o comércio continuam a praticar juros altos. A Taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), conhecida também com juro básico da economia, é o parâmetro lançado pelo Governo Federal com a finalidade de estabelecer o controle da inflação. O Banco Central do Brasil também a usa quando socorre as instituições financeiras através dos empréstimos interbancários. Referida taxa encontra-se hoje no patamar de 18,5% ao ano.

Da análise da referida taxa surge a seguinte questão: pode uma instituição financeira que capta recursos com juros de 18,5 % ao ano cobrar do usuário final taxas que se encontram no patamar de 11, 00% ao mês?

Evidentemente que não. Outro exemplo é a captação de recursos pelas instituições financeiras no exterior para o repasse aos consumidores. No exterior as taxas de juros giram em torno de 0,8% ao mês (média). Assim, como as taxas de juros são baixas, uma instituição financeira ao captar referidos recursos e repassá-los ao consumidor obtém um lucro extraordinário. Chega a cobrar um "spread" – que é a diferença entre o custo de captação e a remuneração do empréstimo – muito alto que evidentemente será "sentido pelo bolso" do consumidor, que sempre é quem paga a conta.

Vários economistas apontam que a solução está na redução das taxas de juros de maneira drástica. Edmar Bacha, aduz que "em condições normais numa economia capitalista, o crédito é servo do setor produtivo e não seu senhor." (in Introdução à Macroeconomia – Uma Perspectiva Brasileira). O conhecido Luiz Bresser Pereira (Economia Brasileira, uma Introdução Crítica) diz que "Quanto maiores forem as taxas de juros, maior será a participação na renda das instituições financeiras e dos rentistas, em prejuízo, naturalmente, das atividades produtivas." Informa, ainda, que "desde 1964 todo o apoio foi dado ao setor financeiro, eu aumentou sua participação na renda nacional. De cerca de 4,3% em 1965 para 6,4% em 1973 e 9,3% em 1978."

Nessa mesma linha de pensamento encontram-se Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza, que na obra A Economia Brasileira em Marcha Forçada, nos dizem que "..., a existência de uma fácil e bem remunerada alternativa de aplicação dá aos proprietários de capital um grande poder de pressão sobre os trabalhadores e sobre o próprio Governo."

Ainda, Paul A. Samuelson (in Introdução à Análise Econômica), afirma que as elevadas taxas de juros afastam investimentos em projetos de vida longa e baixo rendimento, a serem realizados para benefícios da sociedade. Mais adiante, a ponta a redução das taxas de juros como provocadora do aumento de empregos, da renda real.

Como visto são necessárias medidas drásticas e eficazes para o controle das altas taxas de juros praticadas pelos bancos, financeiras e o comércio. As reduções feitas até agora não são suficientes ainda para a retomada da atividade econômica e para impedir o abuso da "agiotagem legalizada."

A solução, no entanto, é simples. Basta apenas o cumprimento dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais que estabelecem que as taxas de juros não podem ser superiores a 12% ao ano. É que tanto pela aplicação do artigo 192, § 3º, da Constituição Federal ou pela aplicação da legislação infraconstitucional (Lei da Usura e Código Civil), os juros não podem ultrapassar o patamar de 12% ao ano. Mas no entanto, tais preceitos (como outros tantos em nosso País), são diuturnamente desrespeitados. Como disse o ilustre jurista Paulo Brossard "E vai para onze anos que o país vive na agiotagem. Virou rotina. É natural que pareça imodificável."

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Sobre o autor
Eduardo Scaravaglioni

assessor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCARAVAGLIONI, Eduardo. Os juros escorchantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/727. Acesso em: 19 dez. 2024.

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