4. CONCLUSÃO
Sem a preocupação de esgotar o tema, procurou-se neste breve estudo, suscitar algumas questões que merecem reflexão no estudo da responsabilidade penal do médico pelo insucesso de sua intervenção.
A constatação de que muitas vezes o corporativismo da classe médica impede a apuração e punição de profissionais que cometem crimes no exercício da medicina, tanto no âmbito do Conselho, quanto no campo jurídico-penal, já que o juiz depende de perícia técnica para a apuração da culpa, não pode levar à adoção de uma política de repressão que não leve em conta as peculiaridades da ciência médica.
Eventual flexibilização da apuração da culpa in concreto na esfera da responsabilidade civil, adotando-se a teoria do risco ou da culpa presumida para impor ao profissional a responsabilidade de reparas os danos que causou, não pode ser transplantada para o campo do direito penal, já que a caracterização da responsabilidade penal parte de premissas diversas das que norteiam a responsabilidade civil.
Assim, é preciso não abandonar uma postura equilibrada na responsabilização penal do médico, que por um lado considere a imensa responsabilidade com que deve conduzir-se este profissional, pois lida com a integridade física e com a vida das pessoas, e por outro os riscos inerentes ao exercício da medicina. A solução está, ao meu ver, na aplicação dos conceitos básicos do direito penal moderno: não presunção de culpa e não desconsideração das circunstâncias em que, no caso concreto, atua o profissional.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
Antônio Evaristo de Moraes Filho: Aspectos da Responsabilidade Penal do Médico, in Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, n. 4, 1996.
Arturo Ricardo Yungano, Jorge D. López Bolado, Victor Luis Poggi e Antonio Horacio Bruno: Responsabilidad profesional de los médicos - cuestiones civiles, penales, médico-legales, deontológicas, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1992, 2a Edição.
Damásio E. de Jesus: Direito Penal - Parte Geral, Ed. Saraiva, 1988, 13a Edição.
Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, Ed. Saraiva, 1991, 2a Edição.
Elida Sá: Iatrogenia e o Erro Médico sob a Ótica Jurídica, in Revista dos Tribunais, 695/422)
Gilberto Baumann de Lima: Culpabilidade do Médico e a "lex artis", in Revista dos Tribunais, 695/422
João José Leal: Exercício da Medicina e Responsabilidade Criminal, in Revista dos Tribunais, 706/290.
Jorge Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro: Responsabilidade médica em Portugal, in Revista Forense, 289/53.
Jorge López Bolado: Los Médicos y el Código Penal, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1987, 2a Edição.
Jurandir Sebastião: Responsabilidade médica civil, criminal e ética, Editora Del Rey, 1998, pag. 29.
Miguel Kfouri Neto: A responsabilidade civil do médico, in Revista dos Tribunais 654/57.
Paul Monzhein: A responsabilidade penal do médico - (Considerações sobre a responsabilidade do médico ao longo dos últimos decênios), traduzido por Alcides Amaral Salles, in Revista JUSTITIA, v. 35, n. 81, abr/jun. 1973.
Paulo Affonso Leme Machado: A Responsabilidade Médica Perante a Justiça, in Revista dos Tribunais, 494/245
Pedro de Alcântara da Silva Leme: O erro médico e suas implicações civis e penais, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 1, n.1, jan/mar 1993.
Sérgio Cavalieri Filho: A responsabilidade médico-hospitalar à luz do Código do Consumidor, in Revista de Direito, 37/17.
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1983, 6a Edição, volume I, tomo II.
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1982, 5a Edição, volume VI.
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1959, 2a Edição, volume IX., pag. 149
Notas
01
Antônio Evaristo de Morais Filho: Aspectos da Responsabilidade Penal do Médico, in Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, n. 4, 1996, pag. 293.02
Paulo Affonso Leme Machado: A responsabilidade médica perante a justiça, in Revista dos Tribunais, 494/245, pag. 245. A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que na cirurgia plástica estética há contrato de resultados, autorizando a responsabilização civil do médico pelo insucesso da intervenção cirúrgica (neste sentido: Jurandir Sebastião: Responsabilidade médica civil, criminal e ética, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1998, pag. 29; Elida Sá: Iatrogenia e o Erro Médico sob a Ótica Jurídica, in Revista dos Tribunais, 695/422)03
Paul Monzhein: A responsabilidade penal do médico - (Considerações sobre a responsabilidade do médico ao longo dos últimos decênios), traduzido por Alcides Amaral Salles, in Revista JUSTITIA, v. 35, n. 81, abr/jun. 1973, pag. 79.04
A lex artis é definida como conjunto de regras consagradas pela prática médica no estágio atual. A atuação médica conforme a lex artis é aquela considerada adequada, por corresponder à generalidade de condutas profissionais perante casos análogos. Neste sentido: Paul Monzhein, ob.cit., pag 73 e Gilberto Baumann de Lima, Culpabilidade do Médico e a "lex artis", in Revista dos Tribunais, 695/422, pag. 427.05
Dispõe o art. 5o, inciso XXXIX da Constituição Federal de 1988 - "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". A respeito dos caracteres do crime sob o aspecto formal ver Dámasio E. de Jesus: Direito Penal - Parte Geral, Ed. Saraiva, 1988, 13a Ed., pag 135 e segs.06
Damásio E. de Jesus, ob. cit., pag. 136.07
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, volume I, tomo II, 6a ed., 1983, pag. 15208
Nelson Hungria, ob. cit., pag 89.09
Hungria distingue o dolo eventual e a culpa consciente: "Sensível é a diferença entre essas duas atitudes psíquicas. Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente presta anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese da superveniência do resultado, e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá". (ob. cit., pag. 92).10
Nelson Hungria, ob. cit., pag. 148.11
Nelson Hungria, ob. cit., pag 163.12
Nelson Hungria, ob. cit., pags. 151 e 15313
Enquanto a prática de ilícito penal enseja punição do agente, o ilícito civil gera a obrigação de reparar o dano.14
Sérgio Cavalieri Filho: A responsabilidade médico-hospitalar à luz do Código do Consumidor, in Revista de Direito, 37/17.15
Neste sentido: Pedro de Alcântara da Silva Leme: O erro médico e suas implicações civis e penais, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 1, n.1, jan/mar 1993. Defendendo o ponto de vista de que o médico lucra com sua atividade e por isso deve arcar com os riscos que dela decorrem independentemente de culpa (na esfera cível), consigna o autor, citando Genival Veloso: "Os tribunais passaram a entender que a reparação do dano é um feito indiscutível. Já afirmaram que assim como é injusto o médico responder pela falibilidade da ciência ou da sua própria limitação, mais injusto seria deixar o paciente à sua própria sorte; quando buscando um bem encontrou um mal. Ou que se deixe abater sobre a vítima todo o peso do seu infortúnio."16
Arturo Ricardo Yungano, Jorge D. López Bolado, Victor Luis Poggi e Antonio Horacio Bruno: Responsabilidad profesional de los médicos - cuestiones civiles, penales, médico-legales, deontológicas, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1992, 2a Ed., pag. 139/140. A responsabilidade do médico contratado pelos atos praticados pela equipe, incluindo-se o anestesista, também existe no Direito Civil Português, cf. Jorge Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro: Responsabilidade médica em Portugal, in Revista Forense, 289/53, pag. 65.17
Jurandir Sebastião, ob. cit., pag. 51.18
Sérgio Cavalieri Filho, ob. cit., pag. 23.19
Antônio Evaristo de Morais Filho, ob.cit., pag. 296.20
Pedro de Alcântara da Silva Leme (ob. cit., pag. 123) estabelece a divisão horizontal e vertical de trabalho (conforme haja ou não hierarquia entre os membros da equipe) como critério para apuração da responsabilidade do médico que chefie a equipe. Não considero esta a melhor distinção, pois como já consignado no texto, o que deve ser apurado é se a escolha em si do profissional caracterizou conduta culposa (se houve negligência ou imprudência em tal escolha e se o resultado danoso era previsível, considerando-se a notória inadequação do profissional escolhido).21
Sérgio Cavalieri Filho, ob. cit., pag. 23.22
Antônio Evaristo de Morais Filho, ob. cit., pag. 295. Ver ainda nota 4 a respeito de outras definições para a lex artis.23
Gilberto Baumann de Lima, ob. cit., pag. 424/426.24
Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, Ed. Saraiva, 2a ed., 1991, pag. 52.25
Em resposta à questão proposta, Evaristo de Morais Filho assinala que: "de um lado, em maioria, os estudiosos sustentam que o dever objetivo de cautela deve ser examinado com base, apenas, no cuidado exigível do profissional médio (Mir Puig, ´´Derecho Penal´´, 2a ed., 1995, p. 233). Em contraposição, penalistas de escol, como Stratenwerth, exigem que cada qual esgote, integralmente, a especial capacidade técnica de que, porventura, seja dotado, sob pena de responder a título de culpa". (ob.cit., pag. 296)26
Antônio Evaristo de Morais Filho, ob.cit., pag. 292.27
Nelson Hungria, ob. cit., pag. 8928
Corroborando a tese de que o descumprimento da lex artis não enseja automática responsabilização do médico, veja-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: "Responsabilidade do anestesista, diante do evento morte, por ter-se ausentado, por duas vezes, da sala cirúrgica e por alegado estar praticando anestesias em operações simultâneas - o ato puro da ausência breve da sala, por si só, conquanto possa retratar negligência no lato sensu, sem a relação de causa e efeito entre o ato comissivo e o resultado letal, não configura responsabilidade civil, desde que esta não pode prescindir da etiologia entre o fato e o dano." Apud Miguel Kfouri Neto: A responsabilidade civil do médico, in Revista dos Tribunais 654/57.29
O art. 70 do Código de Ética Médica brasileiro, após prever o dever do médico de dar acesso ao paciente ao seu prontuário e às informações necessárias para compreensão do mesmo, consigna: "salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para terceiros".30
Jorge Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro, ob. cit., pag. 73.31
Paul Monzhein, ob.cit., pag. 81.32
Paul Monzhein, ob.cit., pag. 73: "A tendência para o agravamento da repressão encontra-se em algumas decisões proferidas em que se imputou ao médico o grave fato de não haver obtido do doente "um consentimento esclarecido", vale dizer, não ter logrado um acordo depois do doente haver recebido todas as explicações úteis sobre a natureza do seu mal, os meios de o remediar, e sem que lhe tenham sido desvendados os riscos da terapêutica recomendada. Isso se manifestou, notadamente, em um julgado da Câmara de Acusação de Rouen, datado de 16 de abril de 1949, que carregou à conta da responsabilidade do cirurgião a circunstância de haver intervindo em um tumor cervical, corretamente operado aliás, sem ter associado a família do doente às suas decisões, já que as regras éticas impunham-lhe essa obrigação e sendo a expressão ´´regulamentos´´ do Código Penal, tomada em seu sentido amplo, a inobservância das regras profissionais devia ser assimilada à da violação de ´´regulamentos´´".33
Jorge López Bolado: Los Médicos y el Código Penal, Editorial Universidad, 1987, 2a Ed., pag. 279.34
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1982, 5a Edição, volume VI., pag. 179.35
Neste sentido, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1959, 2a Edição, volume IX., pag. 149