No dia 18 de janeiro de 2019, foi publicada a Medida Provisória nº 871/2019, que entrou em vigor na mesma data (na maior parte de suas regras) e alterou vários dispositivos das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91, que tratam do custeio e dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Prosseguindo na análise da MP 871/2019, este artigo examina as regras modificadas do benefício de prestação continuada da Assistência Social, ou seja, as alterações realizadas sobre a Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS).
Benefício Assistencial: Aspectos Básicos
Entre os objetivos da Assistência Social listados na Constituição, estão os de proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, o amparo às crianças e adolescentes carentes, a promoção da integração ao mercado de trabalho, habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária (art. 203, I a IV). Seu art. 203, V, prevê, ainda, “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
O benefício de prestação continuada da Assistência Social (BPC) possui essa denominação por ter um trato sucessivo, continuado, ou seja, é uma prestação pecuniária mensal, no montante de um salário mínimo. Tem duração indefinida, porém, deve ser revisto a cada dois anos, a fim de examinar se persiste – ou não – a situação fática que motivou a sua concessão, judicial ou administrativa (art. 21 da Lei nº 8.742/93 e art. 42 do Decreto nº 6.214/2007).
O BPC não pode ser cumulado com outro benefício da Seguridade Social, ou de outro regime previdenciário (art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93). As únicas exceções admitidas, previstas na parte final do § 4º do art. 20 da LOAS, são o benefício de assistência médica e a pensão especial de natureza indenizatória.
O benefício possui um requisito (ser a pessoa idosa ou deficiente) e duas condições (não ter meios de prover à própria subsistência e sua família igualmente não conseguir mantê-la).
Em relação ao idoso, inicialmente a idade mínima era de 70 anos, conforme a redação do citado art. 20. A partir de 01/01/1998, passou a ser de 67 anos, conforme o previsto no art. 38 da Lei nº 8.742/93, com a redação conferida pela Lei nº 9.720/98. Na atualidade, aplicam-se o art. 20 da Lei nº 8.742/93 e o art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que reduziu a idade para os 65 anos.
Quanto à deficiência, no ano de 2011 o art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, adequou-se à Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e passou a levar em consideração dois aspectos principais: o biológico (impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial) e o sociológico (interação dos impedimentos biológicos com barreiras, e a obstrução da participação plena e efetiva do deficiente na sociedade, em igualdades de condições com as demais pessoas).
A partir de 2015 (com a alteração realizada pela Lei nº 13.146/2015), o art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, prevê: “Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Portanto, a deficiência deve ser compreendida como um impedimento de longo prazo (não necessariamente definitivo ou permanente) de natureza biológica que traz restrições biológicas e sociais para o deficiente.
Para as condições de não ter o postulante meios de prover à própria subsistência, próprios ou da família, a LOAS fixou um critério objetivo, qual seja, de a renda mensal familiar per capita ser inferior a 1/4 do salário mínimo (art. 20, § 3º).
Contudo, na prática se exige a apuração sócio-econômica das condições pessoal e familiar do requerente, ainda que a renda seja superior (o que foi uniformizado a partir do julgamento dos Recursos Extraordinários nº 567985 e 580963, pelo Supremo Tribunal Federal, em 17/04/2013).
É permitida a concessão a mais de uma pessoa do mesmo grupo familiar, desde que observadas as exigências legais (art. 19 do Decreto nº 6.214/2007), o que abrange a inclusão de seu valor no cálculo da renda familiar.
Inovações da MP 871/2019: Cadastro e Acesso aos Dados Bancários
A MP 871/2019 acrescentou os §§ 12 e 13 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Em primeiro lugar, o § 12 do art. 20 da Lei nº 8.742/93 inclui requisitos formais para o recebimento do BPC (exigidos no requerimento do benefício, ou seja, antes de sua análise e eventual concessão, manutenção ou revisão): “São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento”.
A regra tem os objetivos de: (a) ao exigir a apresentação do número do CPF, evitar erros administrativos ou concessões indevidas a pessoas com o mesmo nome, ou evitar que haja equívocos na análise da renda familiar, bem como permitir o acesso aos dados financeiros do beneficiário (conforme será visto no dispositivo seguinte); (b) e ao exigir a inscrição no CadÚnico, transformar em exigência legal o que já era previsto em normas regulamentares (decretos e instruções normativas).
Recorda-se que o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) foi criado a partir de um Decreto da Presidência da República, de 24/10/2001 (que criou um grupo de trabalho para a elaboração do cadastro), instituído pelo Decreto nº 3.877/2001 e é atualmente regulamentado pelo Decreto nº 6.135/2007. Os objetivos principais do CadÚnico são os de identificar e caracterizar, sob o aspecto sócio-econômico, as famílias brasileiras de baixa renda, como requisito obrigatório para seleção de beneficiários das prestações e serviços da Assistência Social; e de realizar a integração dos programas sociais do Governo Federal destinados a essas pessoas (a fim de permitir o compartilhamento das informações e dados cadastrais, conferir maior efetividade
Em suma, o requerimento do BPC já era condicionado à inscrição no CadÚnico e, a partir da MP 871/2019, esse requisito passa a constar expressamente em lei.
Por sua vez, o § 13 do art. 20 da Lei nº 8.742/93 condiciona a apresentação do requerimento administrativo de concessão, manutenção ou revisão do BPC à autorização do requerente para acesso aos seus dados bancários: “O requerimento, a concessão e a revisão do benefício ficam condicionados à autorização do requerente para acesso aos seus dados bancários, nos termos do disposto no inciso V do § 3º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001”.
O referido art. 1º, § 3º, V, da LC 105/2001 (que regula o sigilo das operações financeiras no país) prevê: “(...) § 3o Não constitui violação do dever de sigilo: (...) V – a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados”.
Assim, qualquer pessoa que requerer o BPC ao INSS deve abrir mão de seu sigilo bancário, ou seja, assinar autorização para o INSS ter acesso aos seus dados bancários (contas, valores depositados, investimentos, ações, moedas virtuais etc.).
Pretende-se, com isso, evitar fraudes na concessão do benefício. Como visto, o CadÚnico é autodeclaratório, logo, o acesso aos dados bancários do requerente do BPC auxilia na verificação de eventuais fraudes e reduz a concessão indevida de benefícios.
Destaca-se, por fim, que essa alteração é exigível a partir de 90 dias a partir da publicação da MP 871/2019 (art. 34, I, da MP 871/2019), em 18/01/2019, ou seja, entra em vigor no dia 18/04/2019.
Portanto, apenas para os requerimentos administrativos do benefício de prestação continuada da Assistência Social apresentados ao INSS a partir de 18/04/2019, o requerente deverá assinar autorização de renúncia ao seu sigilo bancário, que deve ser verificado exclusivamente para a análise de seus rendimentos (ou seja, é proibido o seu uso pelo INSS para outros fins além da fundamentação da decisão administrativa sobre o BPC).