Novo Código de Processo Civil/2015: precedentes judiciais e incidente de resolução de demandas repetitivas

Exibindo página 4 de 5
20/03/2019 às 17:29
Leia nesta página:

O IRDR E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: instrumento efetivo para a tutela dos direitos repetitivos?

O ordenamento jurídico brasileiro, construído por meio de uma aparato de técnicas em prol da efetividade e razoável duração do processo tem como escólio os institutos sobre análise. Nesse diapasão, Wurmbauer (2014) aponta que o IRDR surge com o escopo de minimizar a vastidão de demandas e o discrepante número de julgados divergentes sobre uma mesma questão de direito.

Desse modo, O IRDR pode ser entendido como um importante e moderno instrumento processual para assegurar a isonomia, garantindo a celeridade, a duração razoável do processo e a economia processual, cujo escopo é a segurança jurídica.

Seguindo a concepção adotada, Sousa (2016) alerta que a divergência na interpretação da Lei por parte dos juízes de primeira instância é previsível e aceitável. Todavia, o mesmo não se espera dos tribunais, que, segundo ele, “têm a missão de impedir a cristalização dessas decisões divergentes ou conflitantes” (p.13). Por esse motivo, Lourenço (2011) defende que quanto mais uniformizada a jurisprudência mais se fortalece a segurança jurídica, sendo o IRDR um grande passo no sentido do fortalecimento dos precedentes no ordenamento jurídico pátrio.

No mesmo sentido afirma Wurmbauer (2014, p.175) que:

Esta opção legislativa em torno do incidente ajuda a sacramentar princípios processuais importantíssimos, especialmente aqueles que estão na base do fenômeno processual das demandas repetitivas, como a segurança jurídica e isonomia. De fato, concorre para a garantia de uma tutela judicial efetiva.

O novel incidente representa ainda um avanço no tocante aos processos coletivos pois pode abarcar direitos individuais homogêneos não contemplados por ações coletivas e que terminam se transformando em demandas repetitivas.

Na mesma linha, Wurmbauer (2014) ressalta que é salutar reconhecer a contribuição do IRDR para celeridade processual, podendo ser proposto logo na segunda instância de jurisdição, por quaisquer dos envolvidos nas demandas individuais, indicativas de massificação.

Na perspectiva habermasiana17, o IRDR ainda possibilita às partes, cujos processos trazem questões de direito submetidas ao incidente, contribuir com a instrução probatória no incidente, seja diretamente ou por intermédio do amicus curiae. Com isso, vislumbra-se uma prestação jurisdicional de mais qualidade, mais completa e também mais legitimada pela efetiva participação dos jurisdicionados no julgamento. (WURMBAUER, 2014)

E nessa mesma direção é o magistério de ARRAIS (2017), em defesa ao IRDR, afirmando que:

O objetivo do IRDR, caso alcançado, poderá contribuir para a economia processual e a razoável duração do processo, na medida em que poderão ser evitados ajuizamentos de ações clonadas, economizando tempo e recursos, propiciando previsibilidade no resultado de tais contendas, pelo simples fato de que o mérito após julgados, aliado ao seu efeito vinculante, servirão de paradigma para as ações presentes e futuras. (ARRAIS, 2017, p.56)

É incontroverso que o IRDR pretende privilegiar um dos princípios mais caros ao Estado Democrático de Direito, que é o princípio da igualdade (art. 5º, da Constituição Federal de 1988), e o faz ao assegurar “equivalência na tramitação dos processos a todo jurisdicionado, lhes garantindo, além da previsibilidade nos ritos procedimentais, que as decisões neles tomadas sejam equânimes em situações de mesma natureza” (ARRAIS, 2017, p.68).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O IRDR tem como desiderato a melhoria na efetividade da prestação jurisdicional, balizada na segurança jurídica e nos princípios constitucionais da isonomia, da celeridade e economia processuais e da razoável duração do processo. (SOUSA, 2016)

Obviamente, como toda e qualquer inovação, o IRDR não está imune de críticas, principalmente dos que afirmam que o incidente viola princípios constitucionais importantes como legalidade, separação dos poderes, direito de ação e contraditório, dentre outros. Quanto às inadequações incipientes, percebe-se, pois, que serão, em seu tempo, corrigidas ou suprimidas do diploma legal.

As mudanças, todavia, são impulsionadas no sentido de aperfeiçoar o processo civil pátrio como um todo, e nas instâncias superiores, a contrário senso, promover uma prestação jurisdicional com uma duração razoável e que não apresente resultados díspares para situações idênticas. Logo, o escopo do IRDR é privilegiar a isonomia e a celeridade processual e princípios constitucionais também importantes.

Apostar nesse sistema decisório, é, para alguns doutrinadores, dedicar em uma “jurisprudência lotérica”, visto que o IRDR pode “engessar” a jurisprudência, promovendo celeridade às custas de “instrumentos vinculatórios” que ignoram a conflituosidade da atividade jurisdicional e desconsideram a realidade social cada vez mais complexa e dinâmica. (ABBOUD; CAVALCANTI, 2015)

Não obstante ao sobredito, mister se faz valorizar o aprimoramento da atuação judicial para que seja prestigiado o esforço, principalmente no tocante ao tratamento isonômico.

Deve-se considerar ainda que o teor vinculante de um precedente respeita uma questão de direito previamente apreciada, não sendo uma mera “escolha de lados”, mas a elaboração de uma norma jurídica, fruto de uma atuação responsável do julgador que precisará fundamentar sua decisão, e que servirá de parâmetro na aplicação de casos semelhantes.

Percebe-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro está em nítida mudança. E ademais, rendendo-se à cultura dos precedentes judiciais. Nesse contexto, o IRDR é um desafio para uma sociedade que se assenta na instabilidade de decisões e entendimentos.

Curial asserir, pois, que as técnicas processuais trazidas pelos precedentes e pelo IRDR entreveem a celeridade processual, o tratamento isonômico e a segurança jurídica, e não o “engessamento” da atuação interpretativa dos juízes e tribunais, ou a supressão de direitos dos jurisdicionados.

Convém acrescentar que o processo deve estar aberto ao diálogo, uma vez que a adoção dos precedentes não significa meramente a “cristalização” das decisões, mas, por outro lado, a atuação judicial continuará vinculada ao livre convencimento do juiz com o condão de orientar as demais decisões. Assim, os provimentos não dispensarão a atividade interpretativa do julgador, muito menos o contraditório.

O processo passar a ser um espaço de criação do direito, de participação democrática, “commomlawlização, perspectivar esse fenômeno é acrescenta o escólio de Didier JR. (2011) que faz uma reflexão do direito processual civil brasileiro ligado a características próprias sendo inclusive denominado de brazilian law18. Nesse sentido, o paradoxo da sociedade atual, parafraseando Habermas é que o projeto inacabado do mundo contemporâneo corresponde a grande vácuo a ser preenchido pela sociedade atual que tem como crise, a ser superada, uma bifurcação determinada pelo círculo de especialistas em contraste com uma grande massa da sociedade. (HABERMAS, 1994).

Quando o dispositivo processual impõe a norma vinculante ou o precedente, não há proibição de interpretar, mas uma necessidade atribuída à motivação de suas decisões e, dessa maneira, assegurar estabilidade e coerência jurisprudencial. Cabe ao magistrado, diante dessa nova dinâmica, adequar-se a essa nova metodologia processual que parte do coletivo para o individual, caminho inverso do costumeiro.

Enfim, o debate é sempre salutar, principalmente diante de uma inovação processual de tamanha relevância. Os labirintos apontados servem para vislumbrar os caminhos e não para exaurir a trajetória. Em busca de uma nova forma de aproximar o direito da sociedade, carente de decisões mais efetivas e em tempo razoável.


REFERÊNCIAS

ABBOUD, George. Do genuíno precedente do stare decisis ao precedente brasileiro: os fatores histórico, hermenêutico e democrático que os diferenciam. Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Ano 2, vol.2, n.1, Jan - Jun, 2016. Disponível em: <http://faculdadeguanambi.edu.br/revistas/index.php/Revistadedireito/article/view/52/4>. Acesso em: 01 abr. 2017.

ABBOUD, George; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório. Disponível em: <http://www.bvr.com.br/abdpro/wp-content/uploads/2016/03/Inconstitucionalidades-do-IRDR-e-riscos-ao-sistema-decisorio-.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2017.

ARRAIS, Francisco Ricardo de Morais. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas à luz da razoável duração do processo. Marília, UNIMAR: 2017. Disponível em: http://www.unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/BBD255C8B3B7CBDE106CD40F8B3A709A.pdf Acesso em: 20 out. 2017

BRASIL. Lei 13.105 de 16 de Março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 10 out. 2017a.

BRASIL. Lei 8.078 de 11 de Setembro de 1990. Código de Defessa do Consumidor. Brasília: DF. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm> Acesso em: 30 out. 2017b.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 43.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 14. ed. reform. Salvador: JusPodivm, 2017.

DONIZETTI, Elpídio. A força dos precedentes no Novo Código de Processo Civil. 2015. Disponível em: <http://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3446/2472>. Acesso em: 15 mar.2017.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002.

HABERMAS, Jurgen. Razão comunicativa e emancipação. 2. ed. Tradução de Flávio Siebeneicheler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

JUNQUILHO, Tainá Aguiar; TEIXEIRA, Maira Ramos. The popular participation in the formation of the IRDR precedentes in CCP/15: extension of Habermas public sphere. Disponível em: <http://indexlaw.org/index.php/revistateoriasdemocracia/article/view/1116/pdf>. Acesso em: 01 abr. 2017.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 12. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 93.

LOURENÇO, Haroldo. Precedente Judicial como Fonte do Direito: algumas considerações sob a ótica (sic) do novo CPC. Publicado em: 06 Dez 2011. Disponível em: <https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/39803798/precedente_judicial_como_fonte_do_direito_algumas_consideracoes_sob_a_otica_do_novo_cpc.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A&Expires=1506291715&Signature=T4gVq27ZOe3Xk8Bhys7JJBX2%2Fng%3D&response-content-disposition=inline%3B%20filename%3DPrecedente_judicial_como_fonte_do_direit.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. vol. 2

NOGUEIRA, Claúdia Albagli. O Novo Código de Processo Civil e o sistema de precedentes judiciais: pensando um paradigma discursivo da decisão judicial. Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte, ano 23, n.88, out/dez. 2014. Disponível em: < https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/91021>. Acesso em: 10 mar. 2017.

PINTO, José Marcelino de Rezende. A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia (Ribeirão Preto)  n 8-9 Ribeirão Preto Feb./Aug. 1995. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-863X1995000100007&script=sci_arttext> Acesso em 01 nov. 2017

PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre a common law, civil law e o precedente judicial. In: Marinoni, Luiz Guilherme (Coord.) Estudos de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

RODRIGUES, Edmilson Araújo; VELOSO, Cinara Silde Mesquita. (In) Consonância da Tutela antecipada no CPC de 2015 com o estado democrático de Direito. R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 20, p.112-137, jan./jun. 2017.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.

SOUSA, Adriano Antônio de. O tradicional sistema processual brasileiro e a revolução dos precedentes judiciais no CPC/2015.< https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/106761>Acesso em 24 set. 2017

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v8n1/v8n1a02.pdf > . Acesso em 10 mar.2017.

TEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. 50. ed.rev.atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

WURMBAUER JR., Bruno. A tutela dos direitos repetitivos e as novas perspectivas do processo coletivo: modificações introduzidas pelo novo CPC e o IRDR. Dissertação de Mestrado. UNB: Brasília/DF, 2014. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/17490/3/2014_BrunoWurmbauerJunior.pdf> Acesso em: 20 Ago.2017

ZAVASCKI, Liane Tabarelli. Influência do sistema das class actions norte-americanas na Ação Civil Pública e Ação Popular Brasileira: semelhanças e distinções para a tutela ambiental. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 3, n. 3, 01 set. 2012. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.com.br/doutrina/36-volume-3-numero-3-trimestre-01-07-2012-a-30-09-2012/1004-influencia-do-sistema-das-class-actions-norte-americanas-na-acao-civil-publica-e-acao-popular-brasileira-semelhancas-e-distincoes-para-a-tutela-ambiental - >Acesso em: 15 out. 2017.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Fernanda Dias

advogada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos