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A produção normativa na Câmara Legislativa do Distrito Federal:

um estudo sobre o dever-ser e o ser do processo legislativo

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14/09/2005 às 00:00
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3. Comentários Finais

            Com base nos nossos dados empíricos, vimos que o que é pregado na teoria é um tanto distante do que acontece na prática. Rigor regimental e discussão do conteúdo dos projetos - dois dos mais importantes pontos do Dever-ser do processo legislativo - às vezes perdem força diante de acordos e de circunstâncias políticas. Independente dos motivos, tanto alguns dos participantes do Politéia, quanto alguns deputados da Câmara Legislativa, não foram fiéis ao devido processo legislativo (cf. itens 2.2, 2.4). Parece que existe uma pragmática inebriante no contexto do Poder Legislativo. Esse "jogo" tem uma lógica muito particular, de difícil compreensão e improvável ou impraticável controle por parte de outro ente conforme vimos anteriormente (cf. item 1.3.6).

            Interessante notar, a aplicabilidade das idéias da antropóloga Sally Falk Moore, no que concerne o processo legislativo. Moore propõe um método ao abordar os "processos sociais em termos da inter–relação de três componentes: os processos de regularização, os processos de ajustamentos situacionais e o fator da indeterminação". [38] A autora justifica seu método. "Há um conflito constante entre a pressão pela regulamentação, pela regularização e enquadramento e as circunstâncias inevitáveis, as descontinuidades, variedades e complexidades que tornam a vida social intrinsecamente inapropriada para uma ordenação total. As estratégias dos indivíduos raramente se calcam nos alicerces das normas e regras. Para cada ocasião que uma pessoa pensa, ‘Isso não pode ser feito, isso é contra as regras ou categorias’ há, uma outra ocasião em que o mesmo individuo pensa, ‘Aquelas regras ou categorias não se aplicam (ou não deveriam se aplicar) a esta situação. Este é um caso especial’". [39] Ora, foi exatamente isso que constatamos acontecer na prática legislativa.

            Ao final da nossa pesquisa, não podemos evitar um certo sentimento de desalento. O Direito tem seus limites. Não é fácil admitir isso, pelo menos para um estudante de direito, formado para acreditar justamente no contrário. Os dados levantados durante esse percurso mostram que a atividade legislativa não se reduz integralmente à lógica jurídica, como vimos. Não é a toa que escolhemos o nome "Comentários Finais" e não, "Conclusão" para este último tópico. Não há como concluir ou – melhor dizendo – solucionar os dilemas colocados acima, a tensão, para utilizar o texto habermassiano, entre facticidade e validade [40]. Embora tenhamos predileção pela certeza dos argumentos jurídicos, a fidelidade aos dados não nos permitiu mais aceitar essa "certeza" com tanta facilidade. Isso nos causa um imenso desconforto. Como fica o estudante de Direito diante disso? Restam-lhe — acreditamos — duas opções: Isolar-se em meio a códigos, leis, certezas, ou trilhar o difícil caminho em busca de um diálogo com as outras ciências humanas e sociais, viver a tensão, sempre presente, entre o ideal e o fato. Este trabalho é um pequeno passo rumo a esta segunda opção.


Referências Bibliográficas

            ABREU, Luiz Eduardo de Lacerda. Labirintos do Minotauro: Política, troca e linguagem. Brasília: 1999. Tese (Doutorado em Antropologia) Departamento de Antropologia, Faculdade de Antropologia da Universidade de Brasília.

            ANDRADE, Luís Raul. O poder judiciário em defesa da soberania popular no Estado democrático de direito. PUC/MG. Relatório Final de Iniciação Científica; 2004

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            DURKHEIM, Emile. As formas elementares da vida religiosa. (Tradução: J. Pereira Neto) São Paulo: Edições Paulinas, 1989.

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            GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. Nova York, Basic Books: 1983.

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            HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. t I. e II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997

            MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral, Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.

            MOORE, Sally Falk. Law as a process: an anthropological approach - Uncertainties in situations, indeterminacies in culture. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1975.

            TEIXEIRA, Ariosto. A Judicialização da Política no Brasil. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília em 1997.


Notas

            01

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução: Maria Celeste C. J Santos. Brasília: Editora UnB, 1999.

            02

ABREU, Luiz Eduardo de Lacerda. Labirintos do Minotauro: Política, troca e linguagem. Brasília: 1999. Tese (Doutorado em Antropologia) Departamento de Antropologia, Faculdade de Antropologia da Universidade de Brasília.

            03

GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. Nova York, Basic Books: 1983. (Tradução Livre) p.170

            04

FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

            05

GONÇALVES, Vitor Fernandes. O Controle de Constitucionalidade das Leis do Distrito Federal. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

            06

AZEVEDO, Márcia Maria Corrêa de. Prática do Processo Legislativo: Jogo parlamentar: fluxos de poder e idéias no congresso: exemplos e momentos comentados. São Paulo: Atlas, 2001.

            07

DURKHEIM, Emile. As formas elementares da vida religiosa. (Tradução: J. Pereira Neto) São Paulo: Edições Paulinas, 1989.

            08

GALUPPO, Marcelo Campos. Elementos para uma compreensão metajurídica do processo legislativo. Disponível em http://marcelogaluppo.sites.uol.com.br/elementos_para_uma.htm Acesso em 03 de Agosto de 2004.

            09

GALUPPO, Marcelo Campos. Ob. Cit. p. 6

            10

GALUPPO, Marcelo Campos. Ob. Cit. p. 5

            11

GALUPPO, Marcelo Campos. Ob. Cit. p. 8

            12

CARVALHO, Cristiano Vivieiros de. Controle Judicial e Processo Legislativo: a observância do regimento Interno das Casas legislativas como garantia do estado de Direito. Porto Alegre: Safe, 2002. p.44

            13

DEL NEGRI, André. Controle de Constitucionalidade no Processo Legislativo – Teoria da legitimidade democrática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. p. 43

            14

DEL NEGRI, André. Ob. Cit. p. 43

            15

DEL NEGRI, André. Ob. Cit. p. 43

            16

CARVALHO, Cristiano Vivieiros de.Ob. Cit. p.47

            17

CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.56

            18

A página do movimento está disponível em http://www.plebiscitoja.hpg.ig.com.br/

            19

CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.59

            20

cf. Cattoni, Marcelo. Devido Processo Legislativo – uma justificação democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.

            21

(cf. p. 6) Por uma definição por forma de processo legislativo, pode se adotar o conceito Weberiano de direito e lei.

            22

CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p. 128

            23

CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p. 102

            24

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Direito Administrativo. 10ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.810-812

            25

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Atlas, 2003. p.639

            26

Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral, Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.

            27

CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.109

            28

CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.110

            29

CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.110

            30

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 22503. in ANDRADE, Luís Raul. O poder judiciário em defesa da soberania popular no Estado democrático de direito. PUC/MG. Relatório Final de Iniciação Científica; 2004. p. 13

            31

MS nº 291/95 EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA CÂMRA LEGISLATIVA. PROCESSO LEGISLATIVO. MATÉRIA NÃO INSERIDA NO DOMÍNIO INTERNA CORPORIS DO LEGISLATIVO. A atuação do Judiciário, ao examinar ato do Legislativo praticado no processo de elaboração das leis com base em norma regimental não ofende o Princípio da Independência dos Poderes, pos que a necessidade do controle jurisdicional da legalidade dos atos estatais quando invocada estão a direito. A votação conduzida pelo Poder Legislativo Distrital na etapa final do processo legislativo concernente ao Projeto de Lei nº 120/95 e do Requerimento nº 409/95 não constitui procedimento circunscrito ao âmbito dos assuntos internos da Corporação porquanto interessa aos cidadãos e aos demais Poderes, devendo submeter-se ao crivo do Judiciário. NULIDADE DO ATO DE APROVAÇÃO DOS PROJETOS POR DESOBEDIÊNCIA A NORMAS DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. Caracterizada na espécie a infringência aos artigos 15 inciso I e 159 do Regimento Interno da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

            32

Cf. TEIXEIRA, Ariosto. A Judicialização da Política no Brasil. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília em 1997.

            33

CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL, Acessória Especial de Fiscalização e Controle. Auditoria Operacional no Processo Legislativo – Relatório. Brasília, 2003. RIBEIRO, Ângela Maria Vilas Bôas; TONIOL, Luis Eduardo Matos; GONÇALVES, Maria das Dores; ZORZO, Maristela. p.16

            34

CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL. Ob. Cit. p. 23

            35

A página eletrônica do Programa estava disponível em http://www.politeia.com.br/programa.htm

            36

Cf. ABREU, Luiz Eduardo de Lacerda. Ob. Cit. p.83

            37

Cf. DEL NEGRI, André. pp. 82,83.

            38

MOORE, Sally Falk. Law as a process: an anthropological approach. Uncertainties in situations, indeterminacies in culture. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1975. (Tradução Livre) p. 39

            39

MOORE, Sally Falk. Ob Cit. p. 39

            40

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, t I. e II.
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Sobre o autor
Bruno Furtado Vieira

bacharelando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília, participante do grupo de pesquisa "Lei e Sociedade" (vinculado ao Mestrado em Direito do UniCEUB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Bruno Furtado. A produção normativa na Câmara Legislativa do Distrito Federal:: um estudo sobre o dever-ser e o ser do processo legislativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 803, 14 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7291. Acesso em: 28 dez. 2024.

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