RESUMO: A presente pesquisa tem por objetivo demonstrar, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, que, apesar da falta de regulamentação expressa acerca da guarda de animais domésticos, há a necessidade de sua regulamentação, posto que este fato está cada vez mais presente nas famílias brasileiras, gerando efeitos não só no âmbito pessoal como também na esfera civil, no que diz respeito à forma com que a legislação conceitua os animais e a possibilidade da regulamentação de guarda. Desta forma, analisando-se a norma constitucional, normas infraconstitucionais e alguns posicionamentos jurisprudenciais, visa-se dar respaldo aos questionamentos e proporcionar a reflexão acerca da possibilidade do reconhecimento dos animais como seres sensíveis, bem como a possibilidade de se utilizar o instituto da guarda para animais domésticos.
Palavras – chave: Animais. Família. Guarda.
Sumário: Introdução. 1. Os animais frente aos ordenamentos jurídicos. 2. A extinção das relações familiares. 3. Guarda compartilhada no Brasil. 4. Guarda compartilhada de animais domésticos. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Como pode ser notado, cada vez mais os animais fazem parte das relações afetivas do ser humano, passando a conviver e proteger as pessoas, sendo considerados pelos seus proprietários como integrantes do núcleo familiar. Em razão destes fatos, o assunto vem gerando grande repercussão com relação à guarda de animais domésticos durante o processo de divórcio, uma vez que tem sido objeto de inúmeras discussões nas lides propostas, com a finalidade de se definir com quem ficará o animal. Porém, a jurisdição não está pacificando as partes ao relacionar os animais enquanto bens, dividindo-os como coisa móvel.
Alguns juristas têm discutido o tema no sentido de debater as possíveis consequências que podem ocorrer na sociedade diante regulamentação ou não da guarda de animais. Apesar da nossa lei maior não definir que os animais tenham direitos fundamentais, o art. 225 da Constituição Federal de 1988 garante que os mesmos, sejam protegidos, tendo assim, a tutela jurídica,demonstrando que cada vez mais busca preservá-los. Não se trata de uma proteção do meio ambiente, como denota uma primeira leitura do referido dispositivo, mas sim de aproximar os animais enquanto entes que merecem proteção e regulamentação.
É importante observar que a sociedade caminha sempre mais rápido que o direito. Ou seja, o direito muda na medida em que a sociedade muda. Deste modo, os animais de estimação vêm ocupando importante posição no contexto familiar e os motivos de tal relação ganham cada vez mais espaço e importância nos lares. Em razão disso, o presente artigo busca de forma breve tratar da guarda compartilhada dos animais de estimação após a dissolução da sociedade conjugal.
A pesquisa é bibliográfica, pois, o material utilizado provém de pesquisas anteriores, em documentos, como livros, legislação, artigos científicos, retirados de sites confiáveis, e os seus respectivos dados ou categorias teóricas já foram trabalhados e registrados anteriormente. Neste contexto, também se apresentam atuais julgados com posições diversas, a fim de demonstrar a lacuna de normas que abordam sobre o assunto e destacar que os animais não são mais vistos como coisa/objeto, bem como, a demonstração da necessidade de proteção, se assim é possível fazer referência, à sua dignidade.
Destarte, este artigo científico foi dividido em quatro capítulos. Sendo que o primeiro capítulo trata sobre o conceito de animais, como ele é visto no ordenamento jurídico. O segundo apresenta as formas de extinção das relações familiares, razão pela qual nos traz a problemática da regulamentação da guarda dos animais domésticos. Além disso, terceiro capítulo explica como funciona a guarda compartilhada no Brasil. O quarto e ultimo capítulo esclarece a guarda compartilhada de animais, quais são as possibilidades, requisitos, apresentação de alguns projetos de leie atuais julgados.
1. OS ANIMAIS FRENTE AOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS
Os animais, sejam domésticos ou não, tem o seu regulamento no Código Civil, dispondo que se tratam de bens móveis semoventes, ou seja, não há qualquer consideração sobre personalidade, afeto ou mesmo como parte integrante da família. Assim, são tratados como um bem ou uma coisa a qual pertence a seu proprietário.
Segundo a Agência de Notícias de Direitos Animais – ANDA - (2015) esclarece: “Coisa’ é tudo aquilo que tem existência corpórea e pode ser captada pelos sentidos. Os animais integram a categoria das ‘coisas móveis semoventes’, ou seja, os animais são ‘coisas’ que se movem por si mesmas em virtude de uma força anímica própria”.
A nossa legislação brasileira qualifica os animais como semoventes, ou seja, são considerados juridicamente como coisas. Conforme o art. 82 do Código Civil Brasileiro, conceitua sobre os bens móveis:
“Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.”
É de suma importância destacar, que alguns países já reconhecem os animais como seres sensíveis. Segundo o jornalista João Alexandre do Jornal Rádio Notícia TSF,o país Portugal, no ano de 2016, alterou o Código Civil, criando um estatuto dos animais, reconhecendo-os como seres vivos adotados de sensibilidade.
David Ariochi, jornalista do Jornal Vegazeta também comenta que a Alemanha reconhece os animais como seres sensíveis: “A nova lei, que começa a valer a partir de outubro deste ano, qualifica os animais não humanos como seres sencientes com um sistema nervoso cientificamente capaz de sentir dor e experimentar outras emoções, incluindo sofrimento e angústia.”
Outrossim, aduz também a rádio RFI, ao comentar que a França, no ano de 2014, também reconheceu os animais como seres sensíveis, aprovando alteração do Código Civil Francês, prevendo a proteção dos animais e seu valor afetivo, retirando a qualificação de bens móveis.
Mas, afinal de contas, o que são seres sensíveis? Jeremy Bentham esclarece:
“Chegará o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que nunca poderiam ter sido negados aos animais, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que a cor negra da pele não é razão para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos do torturador. Haverá o dia que se reconheça que o número de pernas, a vilosidade [villosity] da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade do discurso? Mas um cavalo ou um cão adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos de que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo de um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é: eles podem raciocinar?, nem, eles podem falar?, mas, sim: eles podem sofrer?”
Bentham entende que uma das características vitais é o sentimento de sofrimento. Esse entendimento corrobora com o pensamento utilitarista, o qual o autor se baseia em que o direito regulamenta as relações de dores e prazeres.
Logo, se o ser humano tem uma atitude quando está diante de uma situação em que pode gerar dor ou prazer, escolhendo o caminho no qual sentirá uma menor quantidade de dor ou maximizar o seu prazer, os animais podem possuir direitos, posto que também sentem dores e prazeres.
No mesmo sentido, Peter Singer, compreende que:
“(…) Se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem moral para nos recusarmos a levar esse sofrimento em consideração. Seja qual for a natureza do ser, o princípio de igualdade exige que o sofrimento seja levado em conta em termos de igualdade com o sofrimento semelhante – até onde possamos fazer comparações aproximadas – de qualquer outro ser. Quando um ser não for capaz de sofrer, nem de sentir alegria ou felicidade, não haverá nada a ser levado em consideração. É por esse motivo que o limite de sensibilidade é o único limite defensável da preocupação com os interesses alheios. Demarcar esse limite através de uma característica, como a inteligência ou a racionalidade, equivaleria a demarcá-la de modo arbitrário. Por que não escolher alguma outra característica, como, por exemplo, a cor da pele?”
Assim, de acordo com estes dois pensamentos, os seres sencientes são aqueles que sentem dor e prazer, independente de serem humano ou não, como é o caso dos animais, devendo ser regulamentado o seu comportamento por uma legislação específica, proibindo condutas que possam gerar dor e possibilitando a maximização do prazer.
No que tange ao ordenamento jurídico pátrio, a Constituição Federal de 1988, noart. 225, §1º, inciso VII, prevê a proteção dos animais, mas de forma defasada, como proteção ao meio ambiente, nos seguintes termos:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”
Contudo, a Carta Magna é a “mãe” de todas as leis e se uma lei está em contrário a seus dispositivos, prevalecerá a Constituição. Logo, a proteção dos animais é um direito constitucional.
Ainda que o texto constitucional não tenha exposto expressamente a dignidade dos animais, por meio de afeto, é exequível afastar a natureza jurídica de animais como objeto e atribuir um tratamento mais digno e humanizado, integrando-os no conceito de família multiespécie.
Apesar de alguns países recentemente vêm alterando suas legislações, desconsiderando a natureza jurídica de animais como bens móveis, ou seja, como coisas. Em 1978, o Brasil passou a ser signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que declara tratamento humanitário aos animais, vedando qualquer sofrimento físico e psicológico. Vejamos:
“ARTIGO 1: Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência. ARTIGO 2: a) Cada animal tem direito ao respeito. b) homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais. c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem. ARTIGO 3: a) Nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis. b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia. ARTIGO 4: a) Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se. b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito. ARTIGO 5: a) Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie. b) Toda a modificação imposta pelo homem para fins mercantis é contrária a esse direito. ARTIGO 6: a) Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida conforme sua longevidade natural b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. ARTIGO 7: Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e intensidade do trabalho, e a uma alimentação adequada e ao repouso. ARTIGO 8: a) A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra. b) As técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas ARTIGO 9: Nenhum animal deve ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e abatido, sem que para ele tenha ansiedade ou dor. ARTIGO 10: Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição dos animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal. ARTIGO 11: O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime contra a vida. ARTIGO 12: a) Cada ato que leve à morte um grande número de animais selvagens é um genocídio, ou seja, um delito contra a espécie. b) O aniquilamento e a destruição do meio ambiente natural levam ao genocídio. ARTIGO 13: a) O animal morto deve ser tratado com respeito. b) As cenas de violência de que os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos dos animais. ARTIGO 14: a) As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo. b) Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos dos homens. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS – Unesco – ONU Bruxelas, 1978).”
Nesse sentido, o nosso país aceitou o pacto que prevê a proteção e direitos dos animais, porém, o art. 82 do Código Civil diferente do que estabelece o art. 225 da Constituição Federal, dispõe sobre o tratamento dos animais como coisa, sendo que a Constituição regulamenta a sua proteção.Já a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, prevê a proteção dos animais, objetivando o reconhecimento por meio dos seres humanos ao direito a existência, a dignidade, bem-estar, bem como repudia crueldade,maus-tratos, sofrimentos físicos ou psicológicos.
Deste modo, atualmente os animais cada vez mais vem ocupando espaço neste mundo, fazendo parte das relações afetivas do ser humano, sendo considerados como verdadeiros integrantes do núcleo familiar.
Assim, quando se fala em separação e divórcio, a busca pelo Poder Judiciário para regulamentar a custódia dos animais de estimação vem crescendo cada vez mais. Porém, não existe ainda previsão legal e os tribunais têm enfrentado este tema diariamente.
2. A EXTINÇÃO DAS RELAÇÕES FAMILIARES
O fim das relações afetivas e familiares se dá através do divórcio, separação, anulação ou nulidade de casamento e morte, conforme dispõe o Art. 1571 do Código Civil Brasileiro:
Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
I - pela morte de um dos cônjuges;
II - pela nulidade ou anulação do casamento;
III - pela separação judicial;
IV - pelo divórcio.
Porém, irá ser tratado apenas da separação e divórcio, que são os causadores do litígio nas quais há discussão sobre a guarda de animais.
Spagnol (2016) esclarece que a palavra divórcio vem do latim divortium, que significa separação. Ou seja, é a dissolução do vínculo conjugal. De maneira conceitual, “divórcio é a dissolução de um casamento válido, ou seja, extinção do vínculo matrimonial, que se opera mediante sentença judicial, habilitando as pessoas a convolar novas núpcias” (DIVÓRCIO, 2018).
No ordenamento jurídico pátrio, existem três espécies de divórcio, quais sejam: consensual, litigioso e extrajudicial consensual. Importante ressaltar que os litígios sobre direito de família cada vez mais vêm sofrendo a desjudicialização, tendo em vista que o Poder Judiciário, dificilmente conseguirá pacificar as partes, cumprindo com o postulado da jurisdição.
Por este motivo, há um grande incentivo para a utilização da mediação como forma de autocomposição de litígios na esfera familiar. Deve ser afirmado ainda que, conforme o Código Civil, no art. 1565, §2º e art. 226, §7º da Constituição Federal, não poderá o Estado intervir na família.
Nos divórcio consensual, ambas as partes firmam um comum acordo sobre os temas de guarda, partilha e alimentos, podendo ou não ter filhos menores ou incapazes. Observando os requisitos legais, poderá ser realizado por escritura pública, sem a participação do judiciário, porém, a presença do advogado é indispensável, bem como não poderá regulamentar se houver filhos menores e incapazes. O divórcio litigioso, ocorre quando não há acordo entre as partes, devendo ser realizado mediante de decisão do Poder Judiciário.
A emenda nº 66/10 alterou o texto constitucional, estabelecendo que o casamento pode ser dissolvido mediante divórcio, não sendo mais necessário esperar prazo previsto na redação anterior. Maria Helena Diniz explica:
“A Emenda Constitucional n. 66/2010, ao alterar o art. 226, §6º, da Constituição Federal, veio facilitar a dissolução do casamento pelo divórcio, ao deixar de contemplar a exigência do prazo de um ano de separação (judicial ou extrajudicial) e ao eliminar o de 2 anos de separação de fato para o divórcio e discussão sobre a culpabilidade dos cônjuges pelo término do casamento.” (DINIZ, 2014, pg. 365).
Esta Emenda Constitucional acarretou em uma importante discussão sobre a permanência ou não do instituto da separação. Em que pese ter suprimido a separação do texto legal, esta continua no ordenamento jurídico, no art. 1.572 do Código Civil, porém, passa a ser opcional.
Deve ser ressaltado que os dois institutos se diferem, uma vez que o divórcio é uma forma de extinção do vínculo conjugal, a separação apenas acarreta na suspensão deste vínculo, gerando apenas o afastamento da obrigação de coabitação.
Corroborou o entendimento acima exposto, a promulgação do novo Código de Processo Civil, o qual estabeleceu a possibilidade de separação, de forma expressa em seu art. 731, nos seguintes termos:
Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:
I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns;
II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;
III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e
IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos.
Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos art. 647 a 658. (Grifei)
Dessa forma, o CPC/2015 não prevê expressamente a separação de corpos, porém, unificou os procedimentos, podendo em um único processo discutir a medida cautelar e ação principal. Tal medida se mostra relevante, até para comprovar ou não a possibilidade de usucapião familiar, prevista no art. 1.240-A do Código Civil.
Conforme já dito e para o desenvolvimento do processo, nas situações de separação e de divórcio, lides são propostas para, além de partilharem os bens, determinar a guarda sobre animais.