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MP 1963-17/00: muito além da capitalização dos juros

01/06/2000 às 00:00
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Decididamente, o nosso Governo Federal não está medindo esforços para tentar legalizar a capitalização dos juros, o que representa um claro gesto de comprometimento com as instituições financeiras.

A figura do anatocismo, capitalização dos juros, é absolutamente rechaçada pela lei. O Decreto n.º 22.626/33 (chamado Lei da Usura), que dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras providências, em seu artigo 4º traz expressa esta determinação, pois nos diz que "É proibido contar juros dos juros;..." Também, nesse sentido a Súmula 121 do e. STF que diz: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada."

Na verdade, tem-se admitido a capitalização anual dos juros, com base na segunda parte do artigo 4º da Lei da Usura que fala "...; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano." Ainda, para períodos inferiores ao anual, somente é permitida a capitalização dos juros quando se tratar das hipóteses previstas pela legislação que, especificamente, se refere a alguns títulos de crédito, ou seja, cédulas e notas de crédito comercial, rural e industrial.

O STF ao editar a referida Súmula 121 pretendeu deixar bem claro que a capitalização dos juros só é permitida quando houver previsão legal que a autorize e, apenas nesses casos.

Apesar disso, a cobrança de juros sobre juros tem sido uma prática rotineira dos bancos em todos os contratos. Prática esta que faz uma dívida dobrar de valor em apenas três meses, apesar de ser proibida por lei. É que na verdade, os juros só podem incidir sobre o valor inicial e não sobre valores já corrigidos. Os juros devem ser calculados sempre sobre o principal da dívida, valendo a regra também sobre saldos devedores de cheques especiais.

Assim, com a capitalização, a cada mês os juros são aplicados sobre o capital inicial já acrescido dos juros dos meses anteriores. No cálculo de juros simples, os juros são aplicados sempre apenas sobre o capital inicial. A diferença no resultado é gritante, fazendo uma dívida dobrar de valor, feito uma bola de neve.


A 17ª edição (pasmem!) da Medida Provisória nº 1.963, trouxe em seu bojo a possibilidade de capitalização dos juros quando em seu artigo 5º fala que: "Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano."

Referida atitude do governo Federal ofende aos ditames da Lei da Usura, artigo 4º e à Súmula 121, do STF. Mais que isso, agride ao esforço conjunto de toda a sociedade em recuperar decênios perdidos em inflação, desvalorização monetária e estagnação econômica.

O País sofreu e ainda sofre com as dificuldades características do desenvolvimento contido e, quaisquer condutas abusivas do poder econômico, por parte das grandes instituições financeiras, se tornam logo severos ataques ao equilíbrio social.

Não é a toa que o eminente jurista Paulo Brossard, recentemente em seu artigo intitulado "Juros com Arroz" escreveu: "Enquanto isso, a generosidade oficial para com as instituições financeiras continua sem limite. Ao serem divulgados os resultados dos bancos no ano passado, quando a nação inteira sofreu duros efeitos da recessão, viu-se que atingiram índices jamais vistos, chegando a mais de 500% em certos casos. Pois exatamente agora, o impagável governo do reeleito, invocando ‘relevância e urgência’, editou mais uma medida provisória oficializando o anatocismo, que o velho Código Comercial, o código de 1850, já vedava de maneira exemplar, e que a nossa tradição jurídica condenou ao longo de gerações. Aliás, na linha da lei de usura, de 1933, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cristalizada na Súmula 121, segundo a qual ‘é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada’. Sabe o leitor a fundamentação da medida ‘urgente e relevante’? É que a cobrança de juros sobre juros vinha sendo praticada pelos bancos. Em vez de condenar o abuso, pressurosamente, o governo homologou o abuso mediante medida provisória. É um escárnio. A medida apareceu na 17ª edição da MP nº 1.963; na calada da noite foi gerada."

          Esta "generosidade oficial para com as instituições financeiras" vem de há muito tempo, desde a edição da Medida Provisória nº 1.367 reeditada sob o nº 1.410 (isto já em 1996) que pretendia aniquilar com as regras legais já consagradas pela doutrina e pelo Poder Judiciário, liberando a capitalização de juros ao mês, semestre ou ano, além de outras barbaridades.

Também é sabido, que essa política neoliberal que mantém as taxas de juros em órbita estratosférica tem a sua razão de ser. O nosso FHC segue a cartilha do chamado "consenso de Washington". Trata-se, o referido "consenso", de um encontro internacional realizado em Washington, em 1989 que tinha como objetivo traçar as linhas da atuação neoliberal na América Latina. Através desse ideário neoliberal (porque não dizer colonizador), as economias dos chamados "países em desenvolvimento" teriam que se adaptar para que pudessem receber os dólares que circulavam nos mercados internacionais. Assim, deveriam acontecer nesses países cortes de gastos públicos, reforma tributária que favorecesse o grande capital, administração da taxa de câmbio, abertura do mercado aos produtos importados, liberdade para entrada e saída de investimentos externos, privatização das empresas estatais, desordenamento da economia, etc. Coincidência ou não, é o que estamos vivendo neste momento da nossa história.

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Assim, esta política de escárnio neoliberal que já teve lances como a milionária ajuda aos bancos através do PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), passando pela nomeação do "cidadão norte-americano" Armínio Fraga, diretor Gerente do Soros Fund para presidir o Banco Central, tenta mais uma vez através da malfadada Medida Provisória 1.963-17 acabar com anos de luta contra a agiotagem legalizada.

Mas, felizmente, nessa luta de David contra Golias, nem tudo está perdido. É que ao tentar empurrar "goela" abaixo esse conjunto de medidas, o governo o fez mediante a edição de Medida Provisória que só pode ser usada em casos de urgência e relevância. Dessa maneira, a constitucionalidade das Medidas Provisórias não convertidas em lei e, reeditadas sucessivamente, vem sendo questionada pelos Tribunais, fazendo surgir forte corrente jurisprudencial contrária a utilização desse instrumento normativo como fonte de extinção dos direitos garantidos pela leis ordinárias, por lhe faltar legitimidade, notadamente em razão das reedições, que corroboram a ausência de relevância e urgência da matéria nela tratada, requisitos constitucionais inarredáveis, a teor do artigo 62, da Constituição Federal.

Outro instrumento muito importante, que pode ser um forte aliado ao cidadão comum, na luta contra as ações usurárias das instituições financeiras é o Código de Defesa do Consumidor. O seu artigo 46, nos diz que os contratos não obrigam os consumidores, se foram redigidos de modo que dificultem a compreensão de seu alcance.

A boa notícia é que as cláusulas sobre capitalização dos juros, por serem de grande importância ao desenrolar de um contrato e, por refletirem substancialmente no resultado final da dívida, devem sempre ser redigidas de maneira a demonstrar exatamente ao contratante do que tratam e quais são os reflexos que irão gerar no plano material. Assim, a redação das cláusulas deverá conter informações corretas, claras, precisas e ostensivas, sobre todas as condições de pagamento, juros, capitalização etc, de modo que possam ser entendidas pelo homem médio comum.

Como visto, apesar dos percalços e da tentativa desesperada (ou será descarada?) do governo Federal em "ajudar" as instituições financeiras, nem tudo está perdido podendo ser vista uma luz no fim do túnel neoliberal.

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Sobre o autor
Eduardo Scaravaglioni

assessor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCARAVAGLIONI, Eduardo. MP 1963-17/00: muito além da capitalização dos juros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/732. Acesso em: 19 dez. 2024.

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