Com o crescimento dos métodos adequados de soluções de conflitos e a aprovação da reforma trabalhista, que alargou o leque de atuação da arbitragem nas relações de emprego, pouco usual até então, controvérsias foram despertando a atenção, dentre elas a competência, que na esfera trabalhista conta com peculiaridades distintas das outras áreas do direito.
Isso porque, ao contrário dos conflitos cíveis, que perfazem o maior número dos procedimentos arbitrais, quando a matéria envolve diretamente, ou de fundo, debate sobre a relação de emprego, seus direitos e efeitos, a competência para judicializar o conflito deverá levar em conta o caso concreto e o verdadeiro objeto de discussão, sem prender-se às demais matérias controvertidas na arbitragem.
Nesta senda, para judicializar uma arbitragem trabalhista há, inicialmente, que se delimitar/isolar de modo específico, afastando questões outras, o objeto do conflito que se deseja levar à esfera estatal. Pois, o mesmo procedimento arbitral que apura relação de emprego poderá ser levado à apreciação da Justiça Comum, Federal e, evidentemente, Trabalhista.
Por exemplo, se o procedimento arbitral trabalhista levar à jurisdição estatal conflito relacionado aos árbitros e à câmara, por sua natureza civil, a matéria será objeto da Justiça Comum, uma vez que não se apreciará a relação de emprego, seus direitos ou efeitos, mas tão somente questões formais e procedimentais (processuais), espectro de atuação da Justiça Comum. Segundo precedente do c. STJ [1], a competência em razão da matéria se define a partir da natureza jurídica da controvérsia, que se afere da análise do pedido e da causa de pedir veiculados na inicial.
Ou seja, o conflito de direito material apurado no procedimento arbitral não será, necessariamente, o pedido e a causa de pedir da ação judicial buscada.
Nos autos do Conflito de Competência nº 108.878 - SP (2009/0219128-2) [2], o STJ apreciou pleito de anulação de sentença arbitral com pedido indenizatório. A sentença arbitral apreciou matéria trabalhista, mas como o pedido de anulação não trouxe discussão sobre “obrigação de índole trabalhista ou de vínculo empregatício, de forma a caracterizar a competência da Justiça do Trabalho”, a decisão firmou a Justiça Comum como competente para julgamento do processo.
E se o interessado pretender judicializar controvérsia atrelada ao FGTS ou ao seguro-desemprego? Se o primeiro levar em conta lide com a entidade gestora (CEF), a competência será da Justiça Federal, já que a relação jurídica apurada não será precipuamente a laboral [3]. Já o seguro-desemprego também poderá ser apreciado pela Justiça Federal, a depender do empregador e diante da natureza jurídica eminentemente previdenciária do benefício [4]. E, logicamente, ambos os benefícios também poderão ser matéria de competência da Justiça do Trabalho, a depender do caso concreto.
Já a competência da Justiça do Trabalho, definida em razão da matéria, será aquela cujo conflito judicializará controvérsia afeta à relação de emprego, seus efeitos e direitos, a exemplo do cumprimento de sentença arbitral com viés trabalhista[5], ou mesmo a ação anulatória que envolver diretamente a relação empregatícia.
Como se observa, para bem delimitar a esfera estatal competente, há que se isolar a causa de pedir, pedido e partes da demanda judicial das demais controvérsias existentes no procedimento arbitral. Isolando-se corretamente, bastará apreciar a demanda judicial e refletir sobre sua competência tal qual qualquer ação judicial, deixando-se de lado o escopo do procedimento arbitral.
É interessante notar que um mesmo procedimento arbitral trabalhista poderá ser apreciado na Justiça Comum, Federal e Especializada, a depender especificamente da causa de pedir, do pedido e das partes envolvidas na ação judicial (que poderão ser distintas do procedimento arbitral).
O que se pretende por meio deste artigo não é esgotar a competência a ser atribuída a cada caso concreto, mas sim despertar a cautela do interessado na propositura de uma demanda judicial relacionada a um procedimento arbitral trabalhista, uma vez que, por impulso, poderá optar pela jurisdição estatal lógica, entretanto, equivocada. O Poder Judiciário, cada vez mais abraçado nos métodos adequados de solução de conflitos — tanto é que o número de ações judiciais exitosas envolvendo a arbitragem diminui a cada ano —, não admitirá a atribuição equivocada de competência.
Notas
[1] Conflito de Competência nº 129.310 - GO (2013/0257233-4). STJ. Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 13/05/2015.
[2] Relator Ministro Vasco Della Giustina, j. 26/04/2010.
[3] Apelação / Reexame Necessário n.º 185 - TJCE. Relator Desembargador JOSÉ MARIA LUCENA, j. 10/05/2012.
[4] Apelação Cível nº 002025019.2010.4.03.6100/SP - TRF3. Relator Desembargador Federal Mauricio Kato, j. 14/09/2015.
[5] Agravo de Instrumento n.º 2021757-55.2019.8.26.0000 - TJSP. Relator Desembargador Gilberto dos Santos, j. 28/02/2019.