6. Técnicas de validação das contribuições especiais [30]
6.1 Validação condicional
Quando a validação é condicional, a norma jurídica constitucional preocupa-se em prever determinadas situações como condição necessária e imprescindível para consubstanciar a incidência de determinado tributo. A Constituição da República condicionou a validade da exigência de impostos, taxas e contribuição de melhoria à ocorrência do fato, ou evento, legal e constitucionalmente qualificado pela norma constitucional [31].
Assim, pode-se dizer que essas espécies tributárias (ICMS, IPI, IR, IPVA, IPTU, ITR, entre outras) assumiram a técnica de validação condicional à ocorrência do fato imponível. Igualmente, são as contribuições sociais estatuídas no art. 195, I, a, b e c da CR/88. Por exemplo, se a empresa auferir lucro, sofrerá a incidência da contribuição social sobre o lucro – CSSL. A incidência desse tributo está condicionada a manifestação deste pressuposto material que revela capacidade contributiva para colaborar com o sistema da previdência social [32].
6.2. Validação finalística
Quando a validação é finalística, a edição da norma jurídica pressupõe, necessariamente, o alcance de determinado resultado. A finalidade da norma é atingir algo plasmado na Constituição, é modificar a realidade concreta. A Constituição da República indica um objetivo ou uma finalidade a ser atingida, passando a ser este o parâmetro de validade da exigência. A diretriz fundamental da norma jurídica, nesse caso, é buscar um contexto inexistente quando aquela é editada. Por exemplo, a União poderá instituir determinada contribuição especial para garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional. A validação desta contribuição seria dada em função da finalidade buscada pela norma jurídica instituidora [33]. Serve como exemplo de validação finalística a instituição de novas contribuições sociais, cuja finalidade seja a manutenção ou expansão da seguridade social (art. 195, § 4º, CR/88).
O importante é que esses modelos (validação condicional e validação finalística) não se excluem. Eles atuam para integrar e atingir os objetivos propostos pelo sistema constitucional tributário republicano. Portanto, as contribuições especiais podem adotar a técnica de validação condicional ou finalística.
7. A competência para instituição de contribuições especiais
A ordem jurídico-tributária instaurada pela Constituição da Republica corresponde à ordem jurídica total ou nacional, a qual subordina as três ordens jurídicas parciais (União, Estados e Municípios). A ordem jurídica total (Constituição da República) é fundamento de validade material e formal de todas as competências tributárias. Nela estão previstas todas as espécies de competência tributárias atribuídas às pessoas políticas: exclusiva (IR), concorrente (ICMS) e comum (taxas e contribuições de melhoria), exemplificativamente.
Há determinadas matérias que a Constituição da República estabelece que devem ser disciplinadas por meio de lei complementar, a qual assumirá a condição de norma geral de direito tributário e vinculará todas as ordens jurídicas parciais. As normas gerais de direito tributário cumprem a função de integração e complementação da Constituição da República. Porém, como bem salienta Misabel Abreu Machado Derzi, as normas gerais de direito tributário: "... não suprimem, nem reduzem ou substituem o exercício da competência legislativa tributária por cada pessoa política, que regulará o tributo de sua competência por meio da edição da lei própria, único ato normativo estatal, apto a instituí-lo, validamente, dentro do respectivo âmbito territorial de validade" [34].
A competência tributária compreende a competência legislativa plena, para estabelecer os contribuintes, base imponível, fato imponível, a época e a forma do pagamento, as isenções, reduções de base de cálculo, respeitando sempre os limites e diretrizes norteadas pela Constituição da República. A competência legislativa plena somente poderá ocorrer em relação a finalidades previstas constitucionalmente e relativamente às quais a própria Constituição tenha autorizado a criação de contribuições.
A competência legislativa para instituir contribuições especiais foi atribuída à União (art. 149, "caput", CR/88), salvo aquelas contribuições instituídas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistema de previdência e assistência social (art. 149, § Único, CR/88) e a contribuição cobrada para o custeio de iluminação pública.
A União pode criar a contribuição especial (exercício de competência legislativa plena), mas poderá atribuir a função de arrecadá-la e administrá-la à outra entidade que seja vinculada ao cumprimento daquela finalidade pública para a qual fora instituída a contribuição. É o caso das contribuições instituídas no interesse de categoria profissional, como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em que a dita anuidade é instituída pela União, mas é arrecadada e administrada por esta entidade profissional. Ou ainda: a contribuição social destinada ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e às Pequenas Empresas – SEBRAE é instituída pela União, porém, cobrada pelo INSS, o qual repassa àquela entidade.
No art. 195, da Constituição da República, são tipificadas determinadas bases de cálculo de contribuições sociais pagas pelo empregador: a) sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) sobre a receita ou faturamento; c) o lucro; d) sobre a receita dos concursos de prognósticos. Disto decorre duas conseqüências fundamentais: a) vincula aquela base imponível à finalidade qualificada constitucionalmente, no sentido de que tal base imponível somente poderá ser utilizada para a contribuição que visar a finalidade a qual está atrelada; b) determina que aquela contribuição somente poderá atingir a base constitucionalmente prevista (para atingir outras bases, não basta lei ordinária, dependendo de lei complementar (art. 195, § 4º). A União tem competência tributária plena para instituir contribuições sociais sobre essas bases imponíveis, porém, deverá destiná-las ao sistema de seguridade social, sob pena de lhe falecer competência.
8. A solidariedade é o vetor axiológico das contribuições especiais
O imposto é exigido em função do poder de império do Estado. Ocorrido o fato imponível descrito na hipótese de incidência (fenômeno da subsunção [35]), o sujeito passivo fica obrigado a recolher à pessoa política competente o "quantum debeatur" a título de imposto. A regra jurídica tributária terá que escolher para fato imponível do tributo um fato lícito qualquer (não consistente em serviço estatal ou coisa estatal). Na classificação clássica corresponde a tributo não vinculado a atuação estatal.
A taxa pode ser imposta em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (art. 145, II, CR/88). O valor pecuniário entregue ao Estado corresponde à contraprestação pelo benefício auferido diretamente. A taxa, na classificação clássica referida, é tributo vinculado à atuação estatal.
A contribuição de melhoria é fundada: a) na mais-valia da coisa privada (quase sempre imóvel), em virtude de seu valor ser acrescido pelo serviço estatal; ou, b) no custo do serviço estatal que foi causa da referida mais-valia. Também é tributo vinculado à atuação estatal.
As contribuições especiais independem de uma atividade material da União. Essa modalidade de exação fiscal é fundada basicamente na solidariedade em relação aos demais integrantes de um grupo social ou econômico, pois o seu fim maior é promover o desenvolvimento econômico (contribuições de intervenção na atividade econômica), social (contribuições sociais) e a integração das categorias profissionais (contribuições em favor de categorias). Nesse sentido, aponta Marco Aurélio Greco, para o qual "existe claramente a idéia da integração a um grupo e do engajamento dos participantes na busca de determinados objetivos, finalidades ou implementação de certos valores..." [36].
9. Princípios constitucionais que regem a Previdência Social
A seguridade social é marcada por princípios que estruturam e orientam toda a sua ação, para realizar os direitos fundamentais relativos à saúde, à previdência e à assistência social. A seguridade social é orientada pelos princípios da universalidade, distributividade e eqüidade. Todavia, nos sistemas de seguridade social especial previstos para os Estados, Distrito Federal e os Municípios, não se aplica a universalidade e a redistributividade.
O sistema de seguridade social projetou-se de forma universal, para abranger a assistência social (saúde e previdência), prestadas de forma indiscriminada a todos.
A Constituição da República determinou que a seguridade social pública básica fosse mantida por meio de contribuições sociais diretas e de transferências de recursos provenientes dos orçamentos das pessoas políticas (art. 195). As contribuições buscam o equilíbrio entre os fatores de trabalho e capital (faturamento, lucro). Determinadas atividades econômicas que utilizam intensivamente mão-de-obra podem ter diferenciadas as alíquotas ou bases de cálculos das contribuições sociais previstas no art. 195, I, da CR/88. A causa desse benefício fiscal seria o aumento proporcional das suas contribuições sociais, dada a considerável utilização de mão-de-obra.
Diferentes são aquelas atividades econômicas que utilizam, por sua natureza, baixa quantidade de mão-de-obra. Estas, por sua vez, podem ter as alíquotas ou bases de cálculo das contribuições sociais majoradas. Igual raciocínio é feito quanto às atividades econômicas: se a atividade econômica desenvolvida é bastante lucrativa, aplicam-se alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, para atender ao princípio da solidariedade, que é o vetor axiológico das contribuições especiais (§ 9º, art. 195, CR/88). A exemplo, a Lei nº 8.212/91, art. 23, § 1º, determinou que os bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, devem recolher a contribuição adicional de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a base de cálculo definida no "caput" do art. 23 (total das remunerações pagas ou creditadas).
Os órgãos da seguridade social devem ser regidos por uma administração autônoma, democrática e descentralizada. Há também autonomia arrecadatória, orçamentário-financeira e administrativa dos órgãos de seguridade social.
10. Contribuições no interesse de categorias profissionais ou econômicas e a pertinência ao grupo
Efetivamente, ser parte do grupo é requisito para a escolha dos contribuintes das contribuições no interesse de categorias profissionais ou econômicas. Nesse sentido, a posição de Marco Aurélio Greco: "... na medida em que a contribuição volta-se ao grupo, só tem sentido que alcance alguém que dele faça parte. Sendo essencial, disto decorre que a participação deve ser efetiva e não ficta" [37].
Se o sujeito passivo não participa efetivamente da referida categoria econômica ou profissional, não há fundamento lógico para exigir tal contribuição de quem não faça parte da respectiva categoria profissional ou grupo econômico [38]. Imagine que absurdo seria constranger os médicos a contribuir para a manutenção da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, quando aqueles não integram esta categoria profissional. Ou ainda: a exigência da contribuição para o SEBRAE somente poderia ser vinculada à sua própria categoria profissional ou econômica (micro e pequenas empresas), nunca poderia ser cobrada de outra categoria. Igualmente, pensa Hugo de Brito Machado: "Em se tratando de contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, é razoável entender-se que o contribuinte deva ser a pessoa física ou jurídica, integrante da categoria profissional ou econômica. Pessoa que não integra qualquer uma dessas categorias não deve ser compelida a contribuir no interesse da mesma" [39].
Com base nestes parâmetros constitucionais, diversos contribuintes têm obtido na Justiça a exoneração de contribuições especiais, como o SESC e SENAC, como se depreende do seguinte julgado:
"Tributário - Empresa Prestadora de Serviço de Segurança e Proteção Bancária - Contribuições ao Sesc e Senac – Decreto-Lei nº 9.853, de 13.9.46 e Decreto nº 8.621, de 10.1.46.
I – As empresas prestadoras de serviço de segurança não estão obrigadas a contribuir para o Sesc e o Senac. Essas contribuições só são exigíveis das sociedades comerciais. A apelada é prestadora de serviços".
As contribuições destinadas ao SESC e SENAC devem ser exigidas das empresas comerciais, uma vez que as contribuições delas exigidas serão destinadas ao atendimento e aperfeiçoamento de uma categoria profissional que lhe presta serviços: os comerciários. O contribuinte aufere um benefício indireto. Quanto às contribuições destinadas á seguridade social, o requisito do grupo é prejudicado, pois a própria Constituição prevê universalidade da cobertura (todos integram o grupo) e a contribuição por toda a sociedade (todos participam).