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Nacionalismo e globalização: uma visão jurídica do aspecto comercial e do desenvolvimento do e-commerce

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Reflete-se sobre como a globalização e o nacionalismo podem prejudicar ou fomentar o bom andamento de certas práticas atuais, como a tecnologia e o e-commerce.

I.INTRODUÇÃO

1.Posição do Problema

Tempos incertos. Na atual conjuntura, pode-se dizer que vivemos momentos de incertezas que geram tensão e acabam por assustar a sociedade. Somos, a todo o momento, bombardeados por informações, vindas de todos os lados e, muitas delas, recepcionamos em menos de 2 segundos e, mesmo assim, são capazes de fazer diferença no nosso dia, seja uma notícia, uma informação qualquer, ou até mesmo uma simples imagem.

Essa propagação de informações em tempo real só é possível graças ao advento e desenvolvimento da tecnologia que, ultimamente, é um assunto que assola a nossa mente. A incerteza quanto ao futuro pode ser gerada em razão do avanço da tecnologia, pois o seu progresso parece reafirmar, a todo o momento, que a questão da globalização é um caminho sem volta, em razão da conectividade, miscigenação cultural e interdependência política e econômica.

Tal pensamento, ou talvez certeza, diante do cenário colocado pela globalização, que já há algum tempo vem crescendo, atualmente gera questionamentos sobre quais as suas consequências. Muitos entendem que estas estariam prejudicando a sociedade e, por isso, passaram a defender que a postura nacionalista tende a ser um instrumento de salvaguarda para que os Estados-nação se protejam e se resguardem da insegurança crescente.

O pensamento nacionalista tem ganhado certo espaço na esfera global e aumentado uma dicotomia política-ideológica, pois o mundo acaba por se dividir entre “nacionalistas” e “globalistas”. Tratam-se de polos distantes e, para se chegar a um meio-termo exige-se muita colaboração e tolerância de ambas as partes.

O crescimento da tecnologia vem impactando de forma crucial no comércio internacional, haja vista o grande fluxo de capitais que é atualmente movimentado através das compras realizadas pela internet. Tendo em vista que os pontos mais reconhecidos e visíveis são as alterações econômico-financeiras e, também por se tratar de uma das práticas mais antigas da humanidade, o comércio, que leva em consideração inúmeros aspectos como, trabalho, dinheiro, consumo, dentre outros, tem sido, com o passar do tempo, tratado sob o aspecto da globalização, o que se pode observar em razão do desenvolvimento e aplicação dos ideais de livre comércio[2], diminuição de barreiras alfandegárias, automação dos procedimentos de transporte (importação e exportação), implementação de alfândegas digitais, modelos de vendas online B2B[3], B2C[4] e outros instrumentos (e-commerce), bem como, conforme já dito, refutado por alguns nacionalistas.

O instigante cenário atual nos traz um tema de extrema importância diante de tantas indagações e incertezas a que estamos expostos e, principalmente, por se tratar de fortes ideais em oposição que estão causando rupturas e possíveis retrocessos no comércio internacional e no mundo de uma forma geral.

2.Objeto e Âmbito da Investigação

Diante do desafio intelectual proposto pelo tema de cunho exploratório e teórico, foram empreendidas pesquisas bibliográficas e documentais, sob uma abordagem qualitativa do material.

Assim é que o presente artigo nos leva a refletir sobre o momento hodierno, cujo panorama é de contradição entre ideais globalistas e nacionalistas, sob o aspecto do comércio internacional junto à tecnologia e a atual situação e regulamentação do comércio online, mais conhecido como e-commerce, abordando, ainda, um estudo comparativo entre os ordenamentos jurídicos brasileiro e português.

No início, procuraremos aclarar os conceitos de Globalização e Nacionalismo a fim de que possamos entender um pouco mais sobre a conjuntura existente. Neste sentido, serão tratadas as transformação destes ideais no tempo, diante das mudanças conceituas e de conteúdo que estes fenômenos sofreram desde suas origens até a atualidade.

Não obstante, após a exposição dos conceitos acima, demonstraremos como o comércio e a tecnologia estão se conectando, haja vista ser um ponto de suma importância para o cenário global, pois este abarca muitas incertezas e inseguranças por ser um ramo novo e, ainda, por muitas vezes sem qualquer diretriz legal.

Desta forma, o ideal desta explanação é nos fazer pensarsobre o confronto entre globalização e nacionalismo, seus os possíveis impactos na esfera comercial internacional levando em consideração o avanço tecnológico, mais especificamente o e-commerce, que é um meio de comércio (venda e compra) que se realiza através da internet.

Por fim, traremos, ainda, sobre a regulamentação legal do e-commerce a partir de uma análise comparativa, demonstrando qual a conjuntura legal atual existente em Portugal e Brasil.


II.A GLOBALIZAÇÃO E O NACIONALISMO

In short, the century ended in a global disorder whose nature was nuclear, and without an obvious mechanism for either ending it or keeping it under control. (…)

The reason for this impotence lay not only in the genuine profundity and complexity of the world´s crises, but also in the apparent failure of all programms, old and new, for managing of improving the affairs of the human race.[5]

3.O Passado

Basta pararmos para pensar sobre os nossos antepassados que logo chegaremos à conclusão de que, desde aquela época, nos agrupamos, e o fazemos para facilitar a convivência e providenciar maior facilidade aos interesses da comunidade em geral.

Agrupamentos, tribos, pólis, conjunto, coletivo, cidade, Estado, País, Nação, são utilizadas como metáforas da sociedade, embora não a sejam propriamente dita, através delas é que podemos melhor compreendê-la.

Vale a pena citar um exemplo dos primórdios da ideia de Nação através do Deuterônimo[6], cujas leis singularizam Israel demonstrando o status único de Nação[7].

Logo, isso nos leva a entender que o elemento essencial é a identificação, a composição de um grupo que se identifica como semelhante através de algumas manifestações como, por exemplo, a fala, a cultura, a religião, dentre outros.

Contudo, com o passar do tempo, é importante sabermos que a ideia de nação se ressignifica, haja vista termos, como no exemplo citado, naquela época a ideia de nação enquanto união de um povo por motivos unicamente religiosos, nos séculos XIX e XX, mais conhecidos como os séculos do nacionalismo, o termo Nação, é marcado por tensões das disputas, conflitos e guerras, a fim de conquistar de fato a independência enquanto território, que culminaria na formação de um ethos cultural, um aspecto moral que estrutura um sentimento de “pertencimento”, que convoca a nação.

O Risorgimento Italiano, bem representada por Giuseppe Mazzine em Instruzione generale per gli affratellatii nella Giovine Italia, traduz outro exemplo do ideal nacionalista desta época, pois trata a nação como a universalidade dos Italianos, que estariam “irmanados em um pacto e vivendo sob uma lei comum”.[8]

Pois bem, o que se entende é que o nacionalismo desde os tempos mais antigos retrata a ideia de conjunto, contudo, os ideais que se modificaram com o tempo foram em razão do objetivo do bem que se quer ver tutelado, vez que, num primeiro momento, conforme já mencionado, o objetivo era o religioso, uma legião que se identificaria pelo aspecto da crença em comum. Já num outro momento, o objetivo seria o de conquista de territórios em meio à guerras e conflitos sangrentos.

É, a partir daí que, de fato, no século XX, a Nação se institui na ideia de Estado, gerando, futuramente, aquilo que entendemos como sociedade nacional, demarcadas por uma fronteira geopolítica, cultural e econômica.

A partir daí, com a invenção das armas nucleares, a emergência do debate sobre a globalização passou a aumentar, época em que o Estado Nacional passou a enfrentar algumas crises e, com a Depressão dos anos 30, iniciada em grande parte após a queda da bolsa de valores dos Estados Unidos da América, o mundo foi obrigado a ampliar o conhecimento sobre este fenômeno.

A fim de impedir novas crises, os países emergentes que compunham o G7, passaram a dar mais importância à esfera internacional e criaram mecanismos de regulação internacional através da discussão de questões estreitamente vinculadas à temática dos limites da autonomia de gestão dos Estados-Nação o que gerou, portanto, a metamorfose para o que chamamos de “Estado Moderno”.

4.O Presente e o Possível Futuro

Com o advento do Estado já devidamente inserido no contexto da globalização, conforme o breve histórico relatado acima, o Estado-Nacional, ainda que tenha iniciado um processo de transformações diretamente vinculadas àquela, apenas passou a sofrer algumas limitações em sua soberania e na sua autonomia decisória, em alguns pontos.

A partir dos anos 70, foram sendo criadas instituições e organizações externas que, em razão de exercerem funções governamentais ou mesmo criar regulamentos e leis que se impõem ao Estado-Nação, por si só já delimitam certos “poderes” deste, o qual, outrora, era totalmente absoluto.

Como exemplos, a Organização Mundial do Comércio, Organização das Nações Unidas, Fundo Monetário Internacional, Banco de Compensações Internacionais que hoje já se encontram consolidados na esfera global acabam por restringir ou mesmo interferir de certa forma na soberania decisória ou mesmo institucional dos Estados.

Ainda que não seja totalmente presente na esfera política, podemos dizer que na econômica, influenciada diretamente pelo comércio mundial, a transnacionalidade tem sido assunto recorrente e da ordem do dia, uma vez que, por exemplo, todos os Estados devem aceitar as regras de comércio internacional que são estabelecidas no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

Não obstante, além da existência das entidades, organizações e instituições internacionais, os blocos regionais também configuram entidades supranacionais dotadas de maior abrangência e que vão aos poucos distinguindo grupos de nações em razão de interesses em comum, o que se assemelha muito às mídias sociais, como veremos mais à frente.

Ainda, vale mencionar também como um dos exemplos da globalização atual e ponto chave do presente artigo, a existência das empresas transnacionais, as quais transcendem os Estados e vão em busca de um mercado mais atraente à nível global.

Portanto, o que entendemos em relação a isso é que, embora as pessoas ainda se encontrem nacionalmente delimitadas num espaço geograficamente intitulado como Nação, embora ainda exista a soberania política, a moeda nacional, o fluxo contínuo de capital financeiro não se deixa delimitar por qualquer fronteira que seja, não deixando se controlar pelos Estados, assim como a tecnologia, a comunicação também não estão sob tal controlo.

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Logo, diante de todas essas situações, um trecho do artigo de Danilo Arnaut[9] reflete de forma exata a sensação da atualidade:

Ocorre que a quebra da coerência totalizante do discurso nacional faz com que a ideia de “sociedades nacionais” deixe de ofuscar a complexidade das formas de sociabilidade: hibridismo, liquidez, rede, autopoiese, constelação pós-nacional, sociedade global, sociedade-mundo, cosmopolitização, ideologia mundial, multiplicidade, mudança, homogeneização, desordem, são algumas das metáforas através das quais os estudiosos estão tentando, nos últimos vinte anos, com maior ou menor sucesso, inteligir a aparente confusão em meio da qual se nos apresentam os fenômenos do mundo contemporâneo.

Desta forma, diante desta breve noção da realidade atual, surgem várias incertezas sobre a questão do futuro, pois, tendo como referência o comércio internacional, estamos diante de uma avalanche de trocas transnacionais que necessitam de regulamentações a cada momento e diante de tecnologias, mídias digitais, vendas online e vários outros instrumentos que nos levam a questionar para onde estamos indo.

A fim de refletirmos mais sobre o tema, é instigante o ponto de vista do antropólogo Marc Augé ao analisar a relação entre lugar antropológico e não- lugar na sociedade contemporânea, a qual faz fluir a questão da alteridade:

Se a tradição antropológica ligou a questão da alteridade (ou da identidade) à do espaço, é porque os processos de simbolização colocados em prática pelos grupos sociais deviam compreender e controlar o espaço para se compreenderem e se organizarem a si mesmos.[10]

Contudo, a globalização e a transnacionalidade está relativizando o espaço e um exemplo clássico dado por Lévi-Strauss, sobre a aldeia dos Bororos, nos demonstra que tendo em vista que a localização espacial das palhoças estava diretamente relacionada com a sua organização social, política e econômica, quando houve a mudança de disposição pelos missionários salesianos, que as colocaram em linha reta, substituindo sua forma tradicional circular, os Bororos perderam o sentido das tradições e da sua própria cultura.

Portanto, o que se conclui é que o pensamento de Augé permeia um sentimento e uma indagação muito contemporânea sobre de qual forma os “não-lugares”, ou seja, essa globalização que transcendo o aspecto territorial, pode provocar uma perda de nós mesmos como grupo e sociedade, prevalecendo agora apenas o indivíduo “solitário” capaz de se conectar a todo momento com tudo e todos.

5.Aspecto Comercial

As tribos habitantes das margens do Nilo, que tiravam dele sua força vital, pois o tinham como irrigador de campos e transportador do comércio sabiam que se tratava de um aliado um tanto quanto imprevisível.

Em razão das chuvas, seja pela falta ou pelo excesso, as tribos às vezes passavam fome ou tinham suas aldeias destruídas e, com isso, as tribos perceberam que, cada uma delas sozinha não seria capaz de fazer cessar tais problemas, pois cada uma dominava somente uma parte do território e também porque a necessidade da construção de barragens e canais exigia o esforço de toda a gente.

Desta forma, a união das tribos viabilizou a construção das barragens e dos canais, o que possibilitou a irrigação permanente, construção de reservatórios de grãos para as épocas secas e também a existência de transporte e comunicação para todo o país.

Pois bem, está clara a necessidade de cooperação entre as sociedades, seja em âmbito nacional ou internacional, principalmente ao levarmos em consideração fatores como: reservas naturais, solos e clima, capital e trabalho e estágio tecnológico, pois a capacidade de divisão de tarefas de acordo com as possibilidades e facilidades de cada local aumentam as trocas entre as nações.

Esse ideal de repartição de tarefas fez surgir a Teoria das vantagens comparativas ou relativas, a qual sugere que cada país deve se especializar na produção daquela mercadoria em que é relativamente mais eficiente ou que tenha custo relativamente menor, tendo em vista que um país não é autossuficiente em tudo aquilo que precisa.

O comércio internacional, cuja essência já existe desde os primórdios da civilização, foi o primeiro a sofrer os impactos da globalização, sejam eles negativos ou positivos.

Relacionado aos primeiros, tem-se a necessidade da reformulação de políticas de competitividade, haja vista a pluralidade de fornecedores aos consumidores, passando a competitividade a se instalar em âmbito internacional e exigindo a imposição de alguns limites de natureza jurídica a fim de regulamentar tais questões emergentes. E quanto aos positivos, temos inúmeros pontos, mas, dentre eles, citamos a troca mundial de informações entre culturas distintas graças ao desenvolvimento da tecnologia e da internet que ampliou e estendeu o alcance dos meios de comunicação.

Não obstante, devemos saber que o surgimento dos blocos econômicos também é um fator que movimenta o comércio internacional, pois estes possuem o objetivo de permitir uma maior integração económica entre países membros, de forma que alcancem de maneira conjunta e mais rapidamente uma prosperidade maior, gerando com isso a integração econômica, que nada mais é senão o processo político entre governos de diferentes países com o objetivo de reduzir parcialmente ou totalmente as barreiras comerciais.

Nós, enquanto consumidores somos beneficiados pelo livre-comércio, pois, sem ele, muitos produtos seriam consideravelmente mais caros. Além disso, o livre-comércio beneficia as empresas e seus empregados que têm uma forte posição de mercado na concorrência global. Quem acaba por perder são os proprietários e os trabalhadores de firmas que não podem competir com a concorrência global.

Por fim, sabemos que o aumento dos contatos globais facilitados pelos meios de comunicação digitais e internet estão na contramão dos movimentos nacionalistas que vem surgindo, movimentos de “desglobalização”, tendenciosos ao fechamento das fronteiras, culturais, sociais e econômicas, como podemos observar atualmente nos Estados Unidos da América e na atual conjuntura do Reino Unido, com seu “Brexit” e, portanto, a questão que pulula é sobre o cenário atual diante desse paradoxo colocado. Será que tais tendências “desglobalizantes” com sentimentos nacionalistas irão resistir à pressão globalizante dos meios de comunicação digitais e da internet?

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Sobre a autora
Fernanda Ferraroli Nobrega de Almeida Paro

Advogada. Mestranda da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PARO, Fernanda Ferraroli Nobrega Almeida. Nacionalismo e globalização: uma visão jurídica do aspecto comercial e do desenvolvimento do e-commerce. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5835, 23 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73521. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho da disciplina de metodologia jurídica do mestrado de Direito Comercial Internacional na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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